Fake news

Moraes: propagadores de discursos contra a democracia devem ser responsabilizados

Segundo ministro, liberdade de expressão é ampla, e responsabilização de abusos não se confunde com censura

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Ministro Alexandre de Moraes durante videoconferência / Crédito: Reprodução

Na mesma manhã em que a Polícia Federal foi às ruas para cumprir 29 mandados de busca e apreensão contra influenciadores bolsonaristas em operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do chamado inquérito das fake news, o ministro classificou de “terroristas digitais” grupos coordenados com o objetivo de “propagação de discursos racistas, de ódio e contra a democracia e as instituições democráticas”. Para Moraes, não há dúvida de que estes grupos devem ser responsabilizados.

De acordo com o ministro, a liberdade de expressão é ampla, mas abusos devem ser responsabilizados. “Não se pode prever o que as pessoas vão falar, até porque seria impossível. Então tem-se ampla liberdade. Mas uma vez que ofendam, que pretendam desconstituir o regime democrático, devem ser responsabilizados”, disse Moraes. 

As diligências estão em andamento nesta quinta-feira (27/5) no Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. Os alvos incluem desde influenciadores de redes sociais bolsonaristas até empresários e parlamentares. As ordens judiciais foram dadas pelo ministro no âmbito do Inquérito 4.781, que apura ameaças, ofensas e notícias falsas contra ministros da Corte.

O ministro falou a respeito do retorno do populismo nas democracias liberais. “Pesquisas demonstram que em 70% das democracias que, a partir das regras do jogo, elegeram políticos populistas, um dos três pilares da democracia estava sofrendo ataques, abalos”, disse. Os pilares a que Moraes se referiu são: eleições livres e periódicas, Poder Judiciário independente e imprensa livre. 

“Toda tirania, toda ditadura começou atacando um dos três pilares e a partir disso atacando os outros. Basta rememorarmos a escalada da ditadura no Brasil”, apontou o ministro, lembrando também a aposentadoria compulsória de ministros do STF durante o regime. 

As falas do ministro foram feitas em webinar promovido pela Abraji e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para o lançamento de  um convênio para fornecer orientação jurídica básica a profissionais da imprensa vítimas de ameaças e assédio online.

Estiveram presentes, também, o procurador-geral da República, Augusto Aras; o ministros do Supremo Luís Roberto Barroso; o presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz; o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto; o coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa da OAB Federal, Pierpaolo Bottini; o presidente da Abraji, Marcelo Träsel.

Em outro momento da fala, Moraes fez referência, também, ao uso de fake news para influenciar o resultado de eleições. Ele foi eleito ministro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última quinta-feira (21/5). “Não se pode cercear a livre circulação de ideias, a livre expressão e a liberdade de imprensa, inclusive isso está expresso na Constituição. Agora a mesma Constituição autoriza a responsabilização se a notícia for direcionada para influenciar resultados eleitorais”, disse. “São novas formas de atentar contra a democracia, guardando o verniz eleitoral.”

Tramitam no TSE ações sobre fake news e disparos de mensagens pelo WhatsApp, como é o caso do processo que teve início depois da reportagem da jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, que também participou do webinar. Em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno das eleições gerais, a reportagem mostrou que empresas estavam contratando agências para fazer disparos de mensagens pelo WhatsApp contra o PT. 

A prática é proibida pela legislação eleitoral, pois configura doação feita por pessoa jurídica. Segundo a apuração do jornal, o valor do contrato pode ter chegado a R$ 12 milhões. Uma das empresas compradoras seria a Havan, cujo dono gravou vídeo coagindo os funcionários a votar em Jair Bolsonaro e que foi um dos alvos da operação desta quarta-feira (27/5).

“Desde o célebre caso de Nova York versus Sullivan, de 1964, quando o Brasil sofria com a quebra democrática, a Suprema Corte garantia que o dever do cidadão de criticar é tão importante quanto o dever do agente público em administrar”, disse Moraes. “A liberdade de imprensa se caracteriza exatamente por isso: o dever de fiscalização, o dever de crítica, de se levar até o cidadão a informação do ponto de vista crítico é tão importante quanto o dever do agente público de administrar.”

Sobre os ataques reiterados à imprensa — que se concretizavam de forma contundente no espaço destinado a jornalistas na entrada do Palácio da Alvorada e que culminou na suspensão temporária da cobertura de Folha de S.Paulo e Globo para garantir a segurança dos repórteres –, o ministro comentou ser também uma forma de ataque à liberdade de imprensa. “Estamos vivendo um momento perigoso porque é escancarado.”

“Se você ameaça, se amedronta aqueles profissionais, estes são métodos instrumentais de atingir a liberdade de imprensa. Afeta o livre exercício, facilitando que somente notícias deturpadas é que cheguem e tenham acesso à população, por acabar constrangendo aqueles que exercem a profissão e levam as notícias. É pouco efetivo se não defendermos aqueles que instrumentalizam isso sejam responsabilizados, se aceitarmos isso como normal”, reforçou o ministro. 

Alexandre de Moraes disse que é preciso ponderar o binômio liberdade de expressão e responsabilidade. A liberdade de imprensa, continuou, não é construída por robôs. Os robôs constroem fake news. 

“Não podemos confundir liberdade com irresponsabilidade, liberdade de livre manifestação de expressão, seja da imprensa tradicional, seja das novas formas de divulgação das redes sociais, não podemos confundir com irresponsabilidade. E ao, mesmo tempo, não podemos confundir a possibilidade de responsabilidade com cerceamento ao mercado livre de ideias. Ou seja, o fato de alguém poder ser responsabilizado pelo que livremente tem o direito de dizer e discutir não se confunde com a impossibilidade de previamente o poder público ou qualquer órgão poder cercear o direito da pessoa a falar, da imprensa a criticar”, afirmou.

Moraes afirmou o Brasil precisa sair do que chamou de paternalismo, no trato da questão da liberdade de imprensa, “de tutela de quais informações podem chegar a população”. O inquérito das fake news é considerado heterodoxo por ter sido aberto pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que escolheu Moraes como relator. Neste mesmo inquérito, Moraes retirou do ar matéria da revista Crusoé, que afirmava haver na delação de diretores da Odebrecht documento em que Toffoli é tratado como “amigo do amigo de meu pai”. A revista traz o fac símile do que seriam informações prestadas por Marcelo Odebrecht, confirmando a informação.