Lucas de Santana Módolo

No último dia 23, foi pautada no Conselho de Graduação da Universidade de São Paulo (USP) a implementação de duas mudanças no vestibular para ingresso nos cursos de graduação da universidade. A primeira delas diz respeito à possibilidade de todos os candidatos, inclusive aqueles que pleiteiam vagas afirmativas PPI (pretos, pardos e indígenas), concorrerem inicialmente às vagas da chamada "ampla concorrência", para as quais não se exige nenhum pré-requisito extraordinário.
Antes, o que se tinha era uma discriminação entre candidatos que pleiteavam vagas pela ampla concorrência e aqueles que se inscreviam pelas modalidades de ação afirmativa. Concretamente, o candidato autodeclarado PPI, mesmo tendo obtido boa avaliação para ingressar na universidade por meio da ampla concorrência, era obrigado a preencher as vagas de ação afirmativa, por conta da opção feita no momento de sua inscrição no vestibular. Esse método criava uma espécie de “teto” para ingressantes pretos, pardos e indígenas, uma vez que eram limitados à porcentagem reservada ao grupo no concurso daquele ano.
Com a mudança, os candidatos PPI que eventualmente tenham tido um desempenho no vestibular que possibilite a disputa das vagas pela ampla concorrência serão realocados para esta modalidade, liberando as vagas afirmativas para outros candidatos autodeclarados PPI.
A segunda grande mudança conquistada na última reunião do colegiado da instituição foi a criação de uma nova etapa pré-matrícula dos candidatos PPI, que exige a averiguação da veracidade das autodeclarações étnico-raciais por eles prestadas no momento de sua inscrição. Desde o início da política de cotas na USP em 2018, a universidade tem se deparado com centenas de denúncias de fraude na ocupação das vagas destinadas a pretos, pardos e indígenas. Isso ocorre por meio de autodeclarações fraudulentas prestadas por candidatos (não PPI) que não passam por nenhum tipo de validação prévia.
Embora absolutamente reprovável, essa tem sido uma prática comum nas instituições que optam por adotar reserva de vagas para candidatos negros, mas não implementam qualquer meio de controle da política. A USP, mesmo em meio a uma onda de polêmicas relacionadas ao tema, promoveu apenas sete expulsões motivadas por fraudes desde o início da política <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Com a adoção de uma comissão de heteroidentificação, como fazem a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a maior parte das universidades federais do país, a USP terá melhores condições de fiscalizar sua política pública e, o mais importante, garantir que o propósito das cotas raciais não seja desvirtuado, permitindo uma real diversidade étnico-racial entre o corpo discente.
Vale destacar que essas mudanças vieram a reboque de importantes marcos temporais na direção da universidade e na organização dos movimentos negros da instituição. A troca da gestão da entidade, no início de 2022, para uma nova reitoria permitiu a entrada de novos ares para o debate. Recentemente, também houve a criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, cuja competência está relacionada à estruturação e gerenciamento de medidas focadas na promoção da diversidade entre o corpo discente <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A referida pró-reitoria, atualmente encabeçada pela professora Ana Lúcia Duarte Lanna, titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ordenou a criação de um grupo de trabalho composto por especialistas para discutir as metodologias que regularão o funcionamento da comissão de heteroidentificação. Também avalia-se instituir outras práticas de gestão para democratizar o debate junto à comunidade uspiana e à sociedade civil como um todo.
Ainda como parte da contribuição, há que se destacar a recente criação da Coligação de Coletivos Negros da USP, que, junto ao Comitê Antifraude da USP<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, protagonizou a discussão sobre a fiscalização da política na universidade em 2022 e mobilizou, de maneira decisiva, dezenas de estudantes negros de variados cursos da USP em torno da pauta.
Essas novidades no vestibular para ingresso na USP servem para fortalecer a ação afirmativa não só na própria instituição, mas em todo o país, especialmente neste ano em que se discute a revisão da política de cotas nas universidades federais. A decisão da universidade pela promoção de heteroidentificação, embora tardia em relação às demais universidades do país, só tem a acrescentar no debate e confirma o que muitos já sabiam: a despeito da complexidade do tema das fraudes, esse é um problema contra o qual vale a pena lutar.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A primeira expulsão por fraude promovida na USP ocorreu em 2020 contra um graduando do curso de Relações Internacionais. Um ano depois, mais 6 alunos foram expulsos, agora alocados na Faculdade de Medicina, Odontologia e Enfermagem. À época, a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade contava com quase 400 denúncias do gênero. Para mais, ver: &lt;<a href="https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/23/usp-expulsa-6-alunos-da-graduacao-por-fraude-em-cotas-para-pessoas-pretas-pardas-e-indigenas.ghtml">https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/07/23/usp-expulsa-6-alunos-da-graduacao-por-fraude-em-cotas-para-pessoas-pretas-pardas-e-indigenas.ghtml</a>&gt;. Acesso em 27 de junho de 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Para mais, ver: &lt;<a href="https://jornal.usp.br/institucional/usp-cria-nova-pro-reitoria-para-ampliar-acoes-de-inclusao-e-pertencimento/">https://jornal.usp.br/institucional/usp-cria-nova-pro-reitoria-para-ampliar-acoes-de-inclusao-e-pertencimento/</a>&gt;. Acesso em 25 de junho de 2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Fundado em 2018, o Comitê Antifraude é um organismo que atua para contribuir com a correta implementação das cotas étnico-raciais na USP.

Praça do Relógio

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JOTA

Novidades fortalecem ação afirmativa não só na própria universidade, mas em todo o país

USP terá banca de heteroidentificação e maior diversidade étnico-racial

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