Rubens Siebner

No dia 15 de julho, o deputado Federal Valtenir Pereira (MDB) apresentou o Projeto de Lei nº 2.592/2021, propondo que o ordenamento jurídico passe a exigir prévia sentença penal condenatória transitada em julgado para a perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção, nos casos de crimes tributários.
E, não obstante o artigo 59, da Lei nº 9.069/95, atualmente, já prever que a prática de atos que configurem crimes tributários acarrete a perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção, a elaboração do Projeto de Lei nº 2.592/2021 não é em vão.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Em 17 de março deste ano, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), no julgamento do Recurso Especial interposto pelo contribuinte contra a decisão de primeira instância, prolatou Acórdão no processo administrativo nº 11516.006132/2008-17, no sentido de que seria possível aplicar o artigo 59, da Lei nº 9.069/95, no caso de cometimento de crime contra a ordem tributária envolvendo o aproveitamento de crédito presumido de IPI na exportação.
A despeito da discussão de mérito, concluiu que não seria necessário aguardar o trânsito em julgado de ação penal para a consequente perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção.
Com efeito, mediante uma interpretação literal do artigo 59, da Lei nº 9.069/95, por se tratar de norma relativa a benefícios fiscais, o Carf alegou que “o legislador falou em ‘prática de atos que configurem crimes’ e não em ‘prática de crimes’ ou, mais especificamente, em ‘condenação por prática de crimes contra a ordem tributária’”. Em outros termos, para o Carf, um ato se configuraria como criminoso com a mera imputação da conduta, sem a necessidade de processo criminal.
Entretanto, salvo melhor juízo, a dita interpretação literal não parece ter sido a mais correta: a expressão atos que configurem crimes não deve ser traduzida como qualquer imputação criminal, pouco importando se foi ou não deflagrada ação penal.
<blockquote class="jota-article__eye">Tanto por isso, embora o Projeto de Lei nº 2.592/2021 seja de suma relevância para resolver a celeuma criada, é importante destacar que, mesmo diante do texto legal hoje em vigência, o entendimento do Carf pode ser contestado.</blockquote>
Ao concluir pela possibilidade de não se aguardar o trânsito em julgado de ação penal para reconhecer a perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção, o Carf chegou a entendimento, em tese, inconstitucional, por ignorar os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
E, ao menos aparentemente, a decisão do Carf se encaixa no conceito de Direito Administrativo sancionador, trazido por Silva Sánchez, na medida em que prescindiu de uma análise acerca da lesividade concreta da conduta e não observou critérios de legalidade na persecução dos ilícitos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Afinal, atos que configurem crimes só deveriam poder ser entendidos como tais após condenação definitiva na seara penal – quem dirá se determinada conduta é criminosa ou não será o juiz, após o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, titular da ação penal. Esses são os agentes com competência para apurar e condenar ou absolver determinada conduta criminal, e não o Fisco.
Não é o Fisco que analisará o fato punível, o qual compreende, em apertada síntese, o tipo de injusto – cujos elementos são a ação, a tipicidade e a antijuridicidade –, e a culpabilidade<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Tais elementos apenas serão devidamente avaliados após o devido processo legal, mediante o contraditório e a ampla defesa, para, com o trânsito em julgado, restar decidido, pelo Juiz competente, se a conduta imputada é, de fato, delitiva.
Do contrário, uma pessoa jurídica poderá, de plano, perder incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção, ainda que, ao final de eventual ação penal que tenha sido instaurada, seja absolvida.
Inclusive, a 3ª Turma do CSRF, no Acórdão prolatado, lembrou que “a responsabilidade por infrações à legislação tributária ou administrativa não está jungida à sorte da seara penal”, “salvo se neste [processo criminal] houver absolvição motivada na negativa de autoria ou inexistência do fato imputado”. Como se vê, a própria 3ª Turma do CSRF trouxe hipóteses que poderiam afastar a aplicação da sanção de perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção, caso se aguardasse o devido processo legal de ação penal.
Nesse sentido, imagine-se o oferecimento de denúncia por supressão de tributo por omissão de informações, em que se considerou o quantum originalmente devido que, acrescido de multa e juros, acabou por ser superior a R$ 20.000,00.
Nesse cenário, deve ser reconhecido o princípio da insignificância na esfera criminal, em observância ao entendimento jurisprudencial sobre a desconsideração de multa e juros para fins de verificação de valor ínfimo e ao teto estabelecido pela Portaria MF nº 75 de 22/03/2012. Ocorre que, a despeito de a conduta imputada não poder ser considerada como ato configurador de crime pelo fato ser materialmente atípico<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, a empresa já poderá ter perdido eventuais benefícios fiscais.
Ou, ainda, é possível imaginar eventual alegação de inexigibilidade de conduta, em virtude de tributos não recolhidos por pessoa jurídica que atravessou período extremamente grave financeiramente.
Dessa forma, ainda que o sócio de tal empresa possa ser, ao fim do processo criminal, absolvido por causa supralegal de excludente de culpabilidade<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, a pessoa jurídica ainda assim já poderá ter perdido os benefícios fiscais que usufruía e dificultar, ainda mais, seu processo de recuperação das dificuldades financeiras vivenciadas.
E, isso tudo, sem contar eventuais nulidades a serem arguidas na seara penal.
Como se vê, seja pelas hipóteses dadas pelo próprio Carf de negativa de autoria ou inexistência do fato imputado, seja pela possibilidade de defesas extremamente pertinentes em âmbito criminal, o entendimento do Carf traz não apenas insegurança jurídica aos contribuintes, como poderá levar à redução de competitividade e ao comprometimento das atividades essenciais das empresas. Demonstrada, assim, a importância do Projeto de Lei nº 2.592/2021, que afastará tais consequências.
Não se trata, pois, de tautologia a necessidade de lançamento definitivo do tributo<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> para, em seguida, instaurar-se ação penal que, transitada em julgado, abrirá a possibilidade de perda de benefícios fiscais. Trata-se, sim, do caminho a ser seguido – com começo, meio e fim – do devido processo legal, dentro do Estado Democrático de Direito brasileiro.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós industriais. – 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. pp. 150/151.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. – 8. ed. – Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018. p. 83.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TRF-3, Apl. Crim. 0001305-25.2004.4.03.6122, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 28/09/2020.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> TRF-4, Apl. Crim. 5003124-10.2017.4.04.7000, Rel. Des. Federal João Pedro Gebran Neto, Oitava Turma, j. 26/09/2018.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Súmula Vinculante nº 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Handcuffs. Corporate crime

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JOTA

Importância do mecanismo para a perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção

Trânsito em julgado de ação penal de crime tributário

Importância do mecanismo para a perda de incentivos e benefícios fiscais de redução ou isenção