Mariana Capela Lombardi Moreto

Marcela Melichar Suassuna

A Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual prevê que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”, é o verbete sumular mais utilizado no exame de admissibilidade dos recursos especiais. Em outras palavras, não compete ao STJ analisar questões relacionadas a fatos e provas, que já devem ter sido examinados pelas instâncias inferiores na sentença e no acórdão.
Na estrutura do Poder Judiciário brasileiro entende-se que não existe uma terceira instância revisora de decisões judiciais. Todos os aspectos fáticos e provas produzidas nos autos são analisados pelo juízo de primeiro grau e, em caso de recurso, pelo competente tribunal estadual ou federal. Na hipótese de a questão ser levada para o STJ em julgamento de recurso especial, a Corte Superior somente deverá analisar questões jurídicas.
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Embora a Súmula 7 represente ferramenta indispensável para garantir a adequada prestação jurisdicional no contexto de um Poder Judiciário assoberbado de processos, é necessário compreender o âmbito de sua aplicação, com o fim de se recorrer ao verbete sumular em hipóteses que, de fato, impõem o seu uso.
A origem do verbete sumular
Após ter sido instalado em 1989, o STJ passou a julgar recursos que discutem supostas violações a normas infraconstitucionais. Contudo, verificou-se uma quantidade substancial de processos nos quais se objetivava uma nova apreciação, pelo STJ, de fatos exaustivamente abordados e de provas amplamente produzidas nos autos.
Sobreveio, então, a necessidade de se replicar texto análogo ao com que já contava o STF, que, em 13/12/1963, aprovou a sua Súmula 279, a qual estabelece que “para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. O propósito da súmula do STF também consiste em obstar o prosseguimento dos recursos excepcionais quando a matéria travada depende do reexame de fatos e provas.
Até a sua normatização em verbete sumular, a questão foi analisada ao longo dos anos de 1989 e 1990 por quase todas as Turmas do STJ, em importantes precedentes da Corte Superior<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, todos os quais ecoaram a necessidade de se estabelecer um óbice à apreciação de recursos especiais quando dependerem do cotejo de fatos e de provas já enfrentados nas instâncias inferiores.
O escopo da Súmula 7 do STJ
O papel dos tribunais superiores não deve se confundir com o desempenhado pelos juízos de primeiro e segundo graus. O STJ, especificamente, foi criado com o objetivo precípuo de uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, atribuição que é incompatível com a pretensão de reexame de matéria fática e probatória nos autos.
Como corolário lógico, o entendimento firmado pelos tribunais estaduais e federais não pode ser revisto em sede de recurso especial, já que as instâncias ordinárias são soberanas na análise das provas, podendo se debruçar, por exemplo, sobre as conclusões de perícias, o conteúdo de depoimentos e documentos carreados nos autos, etc. Ao STJ cabe apenas se aprofundar nas questões jurídicas oriundas dos fatos e provas já valorados.
Há uma singela, porém fundamental, distinção entre (i) o revolvimento fático-probatório e (ii) a qualificação jurídica do fato ou a valoração jurídica da prova. Estas últimas são permitidas no STJ, que pode analisar aspectos jurídicos de um fato ou prova. Na qualificação jurídica do fato, se discute o enquadramento dos fatos ao sistema normativo para se extrair uma consequência puramente jurídica. Na valoração jurídica da prova se questiona o valor da prova abstratamente considerado, sem adentrar-se no exame da prova em si.
Nesse sentido, há entendimento consolidado no STJ de que, cingindo-se a solução da controvérsia à qualificação jurídica dos fatos delineados pelo acórdão recorrido ou à valoração jurídica da prova produzida nos autos, não se aplica a Súmula 7 do STJ, o que permitirá que a questão seja analisada pela Corte Superior<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
A aplicação prática da Súmula 7 do STJ pelos tribunais
Considerando que uma fração substancial dos recursos especiais submetidos ao juízo de admissibilidade – exercido primeiramente pelos tribunais estaduais e federais e, posteriormente, pelo STJ –, envolve o reexame de matéria fático-probatória, a Súmula 7, seguramente, consiste no verbete sumular mais utilizado no exame de admissibilidade de recursos especiais.
<blockquote class="jota-article__eye">A despeito da sua importância para a eficiência do Poder Judiciário, é certo que, por vezes, a Súmula 7 é aplicada, tanto pelo STJ, quanto pelos tribunais de segundo grau, a recursos que buscam a análise de questões de direito, atribuindo-se a eles, equivocadamente, a pretensão de rediscussão fático-probatória.</blockquote>
Mais recentemente, o exame de admissibilidade dos recursos no STJ passou a contar com o uso de inteligência artificial, através do sistema “Sócrates”, destinado à identificação antecipada das controvérsias jurídicas do recurso especial<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. O uso de tais mecanismos, embora desejável e parte do necessário movimento de evolução tecnológica dos tribunais, pode comprometer a adequada análise sobre a admissibilidade recursal, porquanto ausente o cotejo específico do caso para se concluir pela existência ou não de rediscussão de fatos e provas. Os sistemas se limitam à localização de palavras-chave e dispositivos legais invocados, mas ainda não são capazes de aprofundamento sobre as particularidades dos casos.
Sendo certo que tanto a indistinta aplicação da Súmula 7 do STJ pelos tribunais quanto o crescente uso de inteligência artificial no exame de admissibilidade de recursos representam relevantes obstáculos ao acesso aos tribunais superiores, sugere-se que a peça recursal aponte, de forma precisa e pormenorizada, a questão rigorosamente jurídica que deverá ser valorada no recurso, explicitando, inclusive em tópico próprio, a inaplicabilidade da Súmula 7 ao caso.
Desde a sua edição, a Súmula 7 do STJ vem sendo amplamente utilizada pelos tribunais estaduais, federais e superiores no duplo juízo de admissibilidade de recursos especiais. Por meio da referida súmula, fica vedado o revolvimento fático-probatório nos autos, devendo o STJ limitar-se a analisar questões puramente jurídicas e que não demandem o reexame de fatos e provas.
A Súmula 7 tem a função de coibir a parte de recorrer à Corte Superior por mera irresignação quanto à decisão da ação de origem, ao estabelecer um obstáculo que compreende o conteúdo de parte substancial dos recursos excepcionais submetidos à apreciação pelo STJ. A questão adquire particular relevo no contexto do Código de Processo Civil de 2015, que busca abreviar o trâmite dos processos evitando recursos desnecessários (e.g. majoração de honorários sucumbenciais em sede recursal, multa por recursos protelatórios, etc.).
Entretanto, não há dúvidas de que a Súmula 7 acaba por ser indistintamente aplicada mesmo em casos nos quais se almeja pronunciamento do STJ sobre a qualificação jurídica de fato ou valoração jurídica da prova, ambos exceções ao óbice da Súmula 7.
Revela-se salutar, portanto, que seja feita uma análise mais cautelosa dos recursos destinados ao STJ, a fim de evitar o não-conhecimento ou desprovimento de recurso especial ou de agravo em recurso especial quando estes tratem, na realidade, de discussão eminentemente jurídica. Naturalmente, conhecedores das dificuldades decorrentes da aplicação generalizada da Súmula 7, compete aos advogados destacarem nas peças recursais os pontos que fazem com que seus recursos não se encaixem nas hipóteses do óbice sumular.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> REsp 1412/RJ, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, Quarta Turma, j. 07.11.1989, DJ 27.11.1989; REsp 1326/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, j. 29.11.1989, DJ 18.12.1989; REsp 982/RJ, Rel. Ministro GUEIROS LEITE, Terceira Turma, j. 31.10.1989, DJ 11.12.1989; AgRg no Ag 1232/PR, Rel. Ministro JOSE CANDIDO DE CARVALHO FILHO, Sexta Turma, j. 20.02.1990, DJ 12.03.1990; AgRg no Ag 824/DF, Rel. Ministro CLAUDIO SANTOS, Terceira Turma, j. 21.11.1989, DJ 18.12.1989; e AgRg no Ag 499/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Quarta Turma, j. 24.10.1989, DJ 20.11.1989.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> AgInt no AREsp 1086830/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 24.08.2020, DJe 01.09.2020; AgInt no REsp 1862225/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. 08.06.2020, DJe 12.06.2020; AgInt no AREsp 866.596/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, j. 18.03.2019, DJe 26.03.2019; e REsp 1672819/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 21.09.2017, DJe 09.10.2017, entre outros inúmeros julgados.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> “Inteligência artificial está presente em metade dos tribunais brasileiros, aponta estudo inédito”, disponível em <a href="https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Inteligencia-artificial-esta-presente-em-metade-dos-tribunais-brasileiros--aponta-estudo-inedito.aspx">https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Inteligencia-artificial-esta-presente-em-metade-dos-tribunais-brasileiros--aponta-estudo-inedito.aspx</a>, acesso em 18.05.2021.

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JOTA

Súmula 7 é ferramenta indispensável, mas é necessário compreender o âmbito de sua aplicação

Súmula 7 do STJ: da origem à aplicação pelos tribunais

A Súmula é ferramenta indispensável, mas é necessário compreender o âmbito de sua aplicação