José Roberto Ferreira Savoia

Carlos Atushi Nakamuta

As recentes discussões sobre a necessidade de incrementar a arrecadação nacional, sem o aumento de alíquotas de impostos, trazem a necessária reflexão sobre a magnitude dos desafios enfrentados na economia brasileira. Além dos esforços de alcançar aqueles que passam às margens do sistema tributário, é relevante combater a sonegação fiscal e o mercado ilícito que aflige os mais variados setores. 
Muitas contas e estimativas para o incremento da arrecadação são baseadas no que se conhece de diversas áreas, principalmente as beneficiadas com isenções ou créditos tributários. Entretanto, pouco se fala sobre o potencial arrecadatório dos setores em que o Estado não tem a completa dimensão. 
Nos últimos meses, nos debruçamos para compreender melhor o setor de bebidas no país. O setor é um dos principais alvos da ilegalidade e causa danos consideráveis ao mercado legalmente estabelecido e à arrecadação do Estado. Desde a década de 1990, o Brasil empreendeu esforços para ter controle sobre a produção do setor de bebidas e reduzir o mercado ilegal. Em 2008, foi aprovada uma lei que determinou a implementação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), que permitiu à <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/receita-federal">Receita Federal</a> ter completa dimensão do setor e comparar os dados de produção com os valores declarados pelos contribuintes. O modelo foi inspirado no sistema de controle de produção de cigarros, indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para combater o consumo desenfreado de tabaco.
Regulamentado por uma lei nacional, os dados censitários fornecidos pela Casa da Moeda, operadora do Sicobe, constataram logo no primeiro ano o crescimento de 41% na produção. A quantidade de produtos, que em 2008 era da ordem de 37 bilhões de itens produzidos, passou um ano depois para 48 bilhões de itens. Isso significa uma diferença de 11 bilhões de itens por ano, um mercado que antes inexistia sob os olhos da Receita Federal.
Tal diferença apurada na produção se converteu em um aumento de 20% na arrecadação do setor em 2009 em relação ao ano anterior. Os dados fornecidos pelo sistema, em tempo real, permitiram à fiscalização da Receita atuar de forma precisa, combatendo de forma efetiva a subdeclaração e sonegação do setor.  
Em 2016, a Receita Federal desobrigou a utilização do sistema de controle pelas indústrias produtoras de bebidas e, desde então, o Estado voltou à escuridão em relação ao que é produzido no setor. Hoje, os dados de produção são autodeclarados, o que abre uma enorme possibilidade de sonegação fiscal. 
De fato, o grande problema de não ter uma sistemática de controle é permitir que surja uma economia informal. Quando o objetivo do governo é zerar o déficit fiscal, é imprescindível saber qual o tamanho dele. Se há dúvidas sobre o real tamanho da economia, por conta de atividades invisíveis para o governo, torna-se essencial a sistemática de controle operada pelo Estado, possibilitando reduzir a diferença entre a economia real e a economia formal. 
Mensurar os impactos da sonegação de impostos no Brasil é uma tarefa difícil. Em indústrias como a de bebidas, a avaliação da evasão fiscal é ainda mais desafiadora, considerando a clandestinidade que ronda parte da produção e da distribuição. No entanto, estudos e estimativas têm sido realizados para mostrar as implicações do não pagamento de impostos para o desenvolvimento do setor e da economia no geral. A Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) estima que as perdas com a pirataria no setor de bebidas chegaram a R$ 28 bilhões em 2022 – a segunda maior em um grupo de 20 setores, ficando atrás apenas de combustíveis, com perda estimada em R$ 29 bilhões.
As análises indicam que a retomada de um sistema de controle de produção no setor, com custo de apenas R$ 0,03 centavos por produto – valor definido pela lei que estabelece a rastreabilidade de bebidas – não tem potencial de afetar o consumo. Tal cenário torna propício o retorno da sistemática, que está em estudo pela Receita Federal. Além de ser uma ferramenta que reduz a sonegação e combate a ilegalidade, o Sicobe propicia o aumento de arrecadação de forma sólida, como já vivenciado entre 2009 e 2016.
A produção de bebidas precisa ser legalmente controlada, ou seja, se o Estado escolheu, por meio de lei, monitorar, ele precisa fazê-lo de forma eficiente, pois tal objetivo não é uma escolha, é uma necessidade. Os dados de produção interessam a diversos fins: o controle de externalidades, como a existência de linhas clandestinas de produção, as políticas de incentivo e benefícios tributários, até a inferência sobre a ingestão de açúcares e os possíveis efeitos sobre a saúde humana. 
Outra vantagem é o melhor entendimento da microestrutura de mercado. Temos no Brasil desde empresas de porte internacional, exportadoras inclusive, até pequenos produtores, atuando regionalmente. Os mecanismos de monitoramento num setor de elevada concentração, como o de bebidas, são fundamentais para manutenção da concorrência leal, ao inibir práticas irregulares, como a evasão fiscal, que causam prejuízos ao desenvolvimento do país. O controle de produção pelo Estado pode ajudar, de uma vez, a aumentar a arrecadação, combater o mercado ilegal e tornar o mercado mais competitivo para investidores.

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JOTA

Controle de produção pelo Estado pode ajudar a tornar o mercado mais competitivo para investidores

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Controle de produção pelo Estado, com fiscalização de bebidas, pode ajudar a tornar o mercado mais competitivo para investidores