Maria Beatriz Ribeiro Dias Tilkian

A extensão da responsabilidade do sócio retirante pelas eventuais obrigações trabalhistas originárias de sua antiga sociedade é um tema que suscita controvérsias no âmbito do judiciário trabalhista.
Até a edição da Lei nº 13.467/2017, que entrará em vigor no dia 11/11/2017, a regulamentação da matéria estava restrita ao parágrafo único, do artigo 1.003, do Código Civil, que é fonte subsidiária do Direito do Trabalho. De acordo com esse dispositivo legal, o sócio retirante responde pelas obrigações que tinha como sócio até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social.
A resistência à aplicação do Código Civil gera decisões conflitantes no âmbito da Justiça do Trabalho e, consequentemente, causa insegurança jurídica aos jurisdicionados.
A propósito do tema, cite-se recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região1, a qual concluiu pela responsabilidade do sócio retirante em relação a direitos adquiridos pelo empregado mesmo depois de sua retirada da sociedade, sem estabelecer qualquer limitação temporal. Essa decisão, que afastou a incidência do quanto disposto no parágrafo único do artigo 1.003, do Código Civil, baseia-se na premissa de que se o sócio retirante se beneficiou do trabalho do empregado, deverá responder, de forma ilimitada e a qualquer tempo, pelos débitos trabalhistas oriundos do contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e a sociedade a qual não mais integra.
No entanto, o novo artigo 10-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), com a alteração introduzida pela Lei nº 13.467/2017), regulamenta a questão, estabelecendo a limitação temporal da responsabilidade do sócio retirante com relação às obrigações trabalhistas da sociedade, durante o período em que figurou como sócio.
Conforme a redação do mencionado dispositivo legal, o sócio retirante apenas poderá ser responsabilizado, de forma subsidiária, por obrigações trabalhistas relativas ao período em que figurou como sócio, se as ações trabalhistas respectivas forem ajuizadas até 2 anos depois de averbada a sua retirada da sociedade.
Além disso, o ex-sócio apenas será atingido após esgotadas as tentativas de execução dos bens da empresa devedora e dos atuais sócios da sociedade.
Neste aspecto, a reforma trabalhista incorporou ao processo do trabalho, através do artigo 855-A, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como previsto nos artigos 133 a 137, do Código de Processo Civil.
Assim, a regra geral para a desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, para a responsabilização patrimonial de sócio (ou ex-sócio), é a comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial (artigo 50, do Código Civil) e a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Ademais, em carácter excepcional, a nova lei atribui responsabilidade solidária ao ex-sócio se comprovada a fraude na alteração societária decorrente da sua retirada. Neste caso, o sócio retirante responderá em conjunto com a sociedade e demais sócios, não existindo ordem de preferência.
A inovação legislativa conferirá maior segurança jurídica às relações societárias e de trabalho, vez que institui critérios objetivos para a satisfação dos direitos dos trabalhadores, bem como disciplina o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica e para a responsabilização do sócio retirante, encerrando as interpretações conflitantes dadas ao tema em razão da ausência de regulamentação específica pela CLT.
Em que pese o entendimento consubstanciado no enunciado 109, aprovado por ocasião da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA2, como operadores do Direito, temos que nos empenhar para que a Lei nº 13.467/2017, que obedeceu todos dos requisitos formais para sua promulgação, seja aplicada de forma efetiva. Apenas assim será conferida segurança jurídica às relações societárias e de trabalho, que é uma das tônicas da reforma trabalhista e que deveria ser a preocupação de todos neste momento de recuperação econômica do país e do alto índice de desemprego.
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1 Processo n. 0159100-49.2009.5.15.0093.
2 Processo do trabalho. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: aplicação limitada. I – O processo do trabalho, o redirecionamento da execução para o sócio não exige o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts.133 a 137 do CPC). II - A dissolução irregular da pessoa jurídica inclui as hipóteses de impossibilidade de satisfação da dívida pelo devedor, o que autoriza o redirecionamento da execução para os sócios, independentemente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CTN). III - Admite-se o incidente de desconsideração da personalidade nas hipóteses de sócio oculto, sócio interposto (de fachada ou "laranja"), associação ilícita de pessoas jurídicas ou físicas ou injuridicidades semelhantes, como constituição de sociedade empresária por fraude, abuso de direito ou seu exercício irregular, com o fim de afastar o direito de credores. IV - Adotado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o juiz, no exercício do poder geral de cautela, determinará às instituições bancárias a indisponibilidade de ativos financeiros e decretará a indisponibilidade de outros bens pertencentes aos sócios, pessoas jurídicas ou terceiros responsáveis, sendo desnecessária a ciência prévia do ato.