Giovanna Parga Martinez

Nos últimos tempos, debates envolvendo o reconhecimento de relação de emprego no contexto de terceirização e das diferentes formas de contratação de prestadores de serviços ficaram frequentes.
O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) já se posicionou sobre a constitucionalidade das diferentes relações de trabalho, por exemplo, a contratação pela modalidade pessoa jurídica (PJ), franquia, associação e parceria. Tal entendimento teve fundamento proferido no contexto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 48 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.625.
Contudo, ao julgar esses casos, a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/justica-do-trabalho">Justiça do Trabalho</a> segue sua tendência histórica de verificar o modelo clássico de emprego (regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), principalmente sob a perspectiva da existência de fraude na relação mantida entre as partes e/ou do preenchimento dos requisitos legais para tal.
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Essa diferença de entendimentos abriu um caminho mais otimista para as empresas contestarem as decisões proferidas em ações que questionam a existência de vínculo de emprego. Nesse sentido, com base nos dados divulgados pelo próprio STF<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>, cresce o número de ações que buscam, entre outros, garantir a autoridade das decisões da Corte Constitucional ou de Súmulas Vinculantes (conhecidas como “reclamações constitucionais”) apresentadas em matéria trabalhista. Esse número corresponde a 206 reclamações constitucionais só no primeiro mês deste ano. Em 2023, foram 1.974 reclamações; 1.426 em 2022 e 1.158 em 2021.
Em recente pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a> constata-se, ainda, que 21% das decisões publicadas até 20 de agosto do ano passado foram favoráveis à “pejotização”, as quais foram proferidas monocraticamente por um ministro do STF em sede de reclamações constitucionais. Quando se verifica segmentos mais específicos, nota-se que esse percentual sobe para 54% nas ações discutindo a existência de vínculo de emprego por trabalhadores autônomos; 75% nas ações discutindo a contratação de advogados na modalidade de “associados” e 84% nas ações envolvendo transporte autônomo de cargas.
O cenário assim desenhado tem gerado intenso debate na sociedade. O STF estaria realmente esvaziando a competência da Justiça do Trabalho, ao constantemente reformar suas decisões? Ou a Justiça do Trabalho estaria reticente em observar a posição definida pela Corte Constitucional? Ambos têm um “quê” de razão.
Acreditamos ser majoritário o entendimento de quem advoga na esfera trabalhista de que a ausência de vínculo de emprego não pode ser automática. Ou seja, o simples fato de haver um contrato assinado estipulando uma relação diversa (ex. contrato de prestação de serviços autônomos, contrato de franquia, contrato de parceria, contrato de representação comercial e contrato de associação), por si só, não elimina a possibilidade de existir um vínculo de emprego na relação do dia a dia mantida entre as partes contratantes.
Nesse ponto, o ordenamento jurídico atribui à Justiça do Trabalho a responsabilidade (diga-se de passagem, o “dever”) de verificar se há ou não de uma relação empregatícia naquele caso que se apresenta diante dela. Através dessa análise é que o juiz do Trabalho se convencerá se todos os requisitos legais necessários para a caracterização da relação de emprego estão, ou não, presentes na relação mantida entre as partes. Ou seja, se houve a prestação de serviços realizada por um indivíduo, com frequência e sem possibilidade de substituição, mediante pagamento e sujeita às determinações/instruções do empregador ou seus representantes. 
Por outro lado, é importante ponderar que a legislação trabalhista, por sua natureza, é protetiva ao empregado. Isso porque entre os seus princípios norteadores estão: (a) o princípio da proteção ao trabalhador, caracterizado pela intervenção do Estado com o intuito de manter o equilíbrio entre o empregador e o empregado; (b) o princípio da primazia da realidade, onde a realidade dos fatos prevalece sobre quaisquer formalidades (ex. e-mails, documentos, acordos e contratos); e (c) o princípio da norma mais favorável que estabelece que, em caso de dúvidas/conflitos, a norma mais favorável ao empregado deve prevalecer. 
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Assim, a rigor, não seria necessária adicionar outra uma camada de proteção ou pressupor, como “regra”, que qualquer contração fora da CLT é irregular. Se assim fosse, a legislação não preveria diferentes modelos para a contratação de profissionais. 
Nesse aspecto, quem advoga em favor das empresas sabe que a opção por determinado modelo de contratação deve preceder de uma análise sobre qual das alternativas juridicamente viáveis é mais adequada para determinado caso, o que inclui a avaliação de elementos como: i) o segmento de atuação da empresa contratante, ii) o cargo e o grau de instrução do profissional envolvido, iii) a existência (ou não) de preferência de determinado regime de contratação pelo profissional e iv) o grau de ingerência da empresa ou autonomia do profissional para a execução das suas funções.
Por esse motivo, concordamos com o racional do STF de que a vontade das partes também deve ser levada em consideração, quando da análise da natureza jurídica da relação mantida entre elas. Até porque, qualquer escolha pressupõe tanto um benefício (vantagem) como uma renúncia (desvantagem).
Desde que o profissional seja de fato sabedor dos prós e contras, ele, como um agente capaz (na perspectiva do direito civil), pode muito bem optar pelo modelo de contratação (objeto certo e lícito) que melhor atenda os seus interesses. Não pode o empregado, após discutir, analisar e acordar um determinado regime de contratação, buscar a tutela do Judiciário para obter o reconhecimento de uma situação diferente, após ter-se beneficiado do modelo por ele mesmo escolhido.
A Justiça do Trabalho permanece sendo essencial para a garantia dos direitos dos trabalhadores. Infelizmente, ainda existem casos em que há verdadeira imposição ou condicionamento de determinado modelo de contratação ao trabalhador com o objetivo principal de reduzir os encargos trabalhistas e previdenciários das empresas. Porém, a reavaliação do “modelo mental” atual é importante para compreender que um único modelo conhecido e pré-existente, por mais relevante que seja, pode não servir para uma variedade de situações específicas, ainda mais considerando a constante evolução da sociedade e da economia global.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Disponível em <a href="https://transparencia.stf.jus.br/extensions/reclamacoes/reclamacoes.html">https://transparencia.stf.jus.br/extensions/reclamacoes/reclamacoes.html</a>
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Disponível em https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/193ee852-1b13-44af-9454-6dd5ab6fc9d7/content
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Vontade das partes também deve ser levada em consideração quando da análise da natureza jurídica da relação

Reclamações constitucionais em matéria trabalhista: é mesmo o fim da Justiça do Trabalho?

O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre a constitucionalidade das diferentes relações de trabalho, por exemplo, a contratação pela modalidade pessoa jurídica (PJ), franquia, associação e parceria