Tácio Lacerda Gama

Tiago Carneiro

A Receita Federal publicou a <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=128952">Solução de Consulta 36/2023</a>, na qual considera que licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador padronizados ou customizados em pequena extensão correspondem a aquisição de serviço. Assim, alterou o entendimento vigente há mais de 20 anos para aumentar o percentual de lucro presumido, na apuração do IRPJ/CSLL, de 8% para 32%.
O fato é relevante, pois a Receita acatou o entendimento do <a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>, proferido nas ADIs 1.945 e 5.659, de que licenciamento e cessão de programa de computador são prestações de serviços, para fins de incidência do ISS. E essa conclusão pode ser uma modificação do entendimento historicamente manifestado pelo órgão. Por essa razão e por elevar a tributação da atividade, o entendimento será aplicado apenas aos fatos geradores ocorridos após a data de sua publicação. Nesse sentido, embora não mencione, a Solução de Consulta observa adequadamente o art. 146 do Código Tributário Nacional e o art. 23 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro.
Nas manifestações pretéritas, se o software licenciado ou cedido existia previamente à celebração do contrato, ainda que fosse adaptado para necessidades do cliente, seria o caso de comercialização, com percentual de 8%. Se fosse desenvolvido para atender à demanda do cliente, haveria prestação de serviço, com percentual de 32%<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Esse critério decorria das interpretações construídas sobre a natureza jurídica dos softwares a partir do julgamento, pelo STF, do RE 176.626-3.
Com o julgamento das ADIs 1.945 e 5.659, era previsível que as manifestações fazendárias sobre os mais diversos temas relacionados ao licenciamento ou cessão de softwares fossem revisitadas. Além da presunção de lucro, muitas outras matérias foram definidas pela Receita Federal com base no RE 176.626-3.
Contudo, como apontado na manifestação fazendária, as decisões do STF, em matéria de ISS e ICMS, não repercutem, automaticamente, na interpretação da legislação tributária federal.
A reflexão sobre expressões atreladas a uma determinada controvérsia, naturalmente, reverberam sobre outras que estejam ancoradas na definição dos mesmos elementos linguísticos. Mas é preciso não confundir os elementos isolados de um contexto comunicativo com os enunciados construídos com tais elementos em diferentes circunstâncias.
A construção de um conceito é um esforço, dentre outros, de compreensão do contexto em que ele é utilizado, de pensar o sentido de uma proposição em uma situação particular. Não é possível transpor, imediatamente, um conceito de uma circunstância para outra.
Para dizer o essencial, cada caso é um caso.
A Receita Federal sempre esteve atenta a esse aspecto fundamental da interpretação. Considerando o RE 176.626-3, há várias manifestações em que se alertou não ser possível transferir, imediatamente, um conceito de um contexto para outro.
Alguns exemplos ilustram a cautela adotada pelos órgãos de consulta fiscal.
Na Solução de Consulta 143/2005, a classificação dos softwares como mercadorias ou serviços foi tratada como uma via inadequada para se analisar a correção da tributação federal. Afirma-se que a previsão, na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm">LC 116/2003</a>, é relevante para fins de incidência do ISS ou do ICMS. Mas, para a tributação federal, o disposto naquele diploma normativo não teria relevância<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Na Solução de Consulta 11/2011, a Receita bem pontuou que royalties não poderiam ser confundidos com remuneração pela prestação de serviços, ainda que o licenciamento de uso seja considerado serviço pela legislação do ISS. A manifestação fazendária alerta que “tal norma reflete a disputa entre estados e municípios por uma maior fatia tributária, o que lhe dá muitas vezes feições mais políticas que técnicas”.
Na Solução de Consulta 154/2016, embora não se repute indevida a classificação de softwares como mercadorias ou serviço, destaca-se que o RE 176.626-3 não poderia ser aplicado a toda situação em que se analise a tributação de operações envolvendo softwares. Não se aplicaria, por exemplo, à licença para fins de distribuição e comercialização.
Para diversos outros temas, a Receita sempre se preocupou com a construção de conceitos em respeito ao contexto de sua aplicação. Um exemplo notório é o Parecer Normativo 1/2018, em que se objetiva apresentar as diferentes acepções da expressão “exportação de serviços”.
A mesma prudência é esperada em relação à repercussão das ADIs 1.945 e 5.659 sobre as variadas controvérsias tributárias que tratam da cessão e da licença de programas de computador. Não se trata de uma expectativa infundada. A Receita Federal, historicamente, se previne de propostas simplistas de conceituação, observando particularidades mínimas, porém fundamentais, para compreender questões que são postas diante da sua competência de análise.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nesse sentido, as Soluções de Consulta 123/2014, 3002/2017, 235/2017, 269/2019, 5001/2020, 6011/2020, 6022/2021, 4028/2021 e 4030/2021
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Idêntica análise foi realizada nas Soluções de Consulta 50/2006, 52/2007 e 59/2007.

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JOTA

Para dizer o essencial, cada caso é um caso

Receita Federal entende que licença de uso de software é prestação de serviço?

Receita Federal entende que licença de uso de software é prestação de serviço? Para dizer o essencial, cada caso é um caso