Nicholas J. M. Perry

<h3 align="justify">O Recall e a soberania popular</h3>
O instituto do Recall Político pode ser entendido como a aplicação máxima do poder constituinte, o exercício mais puro da soberania popular, faz-se então a indagação: Qual o limite da soberania popular? Qual a consequência da utilização de um instituto que possibilita a revogação de um mandato eletivo, já que a possibilidade de eleição para determinados cargos também pode ser entendida como uma das maiores expressões de uma democracia consolidada?
Estas questões não são de fácil resposta, muito menos possuem uma resposta única.
A questão da soberania popular está intimamente ligada com a própria constituição federal, que logo em seu artigo 1º já estabelece tal soberania como fundamento do estado democrático de direito, bem como no artigo 14, que versa sobre o exercício da soberania popular.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>
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Esgotada (considerando que se possa falar em esgotamento quando versamos sobre nossa constituição) a questão constitucional, cabe deixar claro que o exercício da soberania popular (em uma democracia) é limitado somente pela necessidade de organização do estado, já que se a democracia fosse levada à cabo em sua forma mais pura e direta, com todas as decisões sendo tomadas pela comunidade como um todo, as tomadas de decisões encontrariam uma imensa dificuldade por questões organizacionais e práticas.
Sendo assim, a eleição de representantes significa que o povo abdica de parte de sua soberania para garantir que as vontades da maioria prevalecerão em detrimento das vontades individuais, o próprio povo legitima o exercício do poder por um representante para que o estado possa se desenvolver organizadamente, na busca do bem comum da sociedade, em tese.
A respeito desta constatação, leciona Clóvis Lema Garcia:
“A legitimidade de origem, que diz respeito à “justificação da autoridade em si mesma e na sua posse, fundada em justo título”, é necessária, mas insuficiente, porque se requer, ainda, a legitimidade de exercício, que concerne à ação governamental visando sempre à realização do bem comum. Na verdade, a legitimidade de exercício acaba sendo a fundamental.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>”
Porém, apesar do próprio sistema democrático de direito “retirar” parte da participação popular, por natureza, diversos ordenamentos jurídicos (incluindo-se neste rol a Constituição Federal Brasileira) estipulam métodos pelos quais a população exerce sua soberania de maneira mais direta, mais concisa, conforme já citado anteriormente, por meio do disposto no artigo 14 de nossa constituição federal.
A constituição federal no supracitado artigo 14, procura da forma mais eficaz possível efetivar a participação popular em determinadas decisões de importância nacional, porém, este mesmo artigo é base para uma das maiores críticas ao sistema de participação direta da população na política: O fato de que no Brasil, a constituição determina que a competência para se autorizar referendos ou convocar plebiscitos é do congresso nacional.
Ora, a participação política direta da população ser condicionada à aprovação do congresso nacional soa, no mínimo, contraditória com a própria ideia de participação popular!
Diferentemente da definição usualmente conhecida, relacionada com o chamamento de um produto defeituoso por determinação legal para reparo/troca, o Recall Político não diz respeito ao chamamento de um produto, mas sim diz respeito à possibilidade de se retirar do poder um político (portanto este, com cargo eletivo) que não cumpre com o esperado em sua função, ou ainda, que se utiliza da sua função de maneira a beneficiar a si próprio ou parcelas da população, com promessas de campanha que não são cumpridas e outros meios que podem ser considerados abusivos em relação à população que o elegeu.
Trata-se da forma mais impactante de exercício da soberania popular, já que o Recall, quando aplicado, não depende de órgãos governamentais para ser invocado, quem determina que o recall ocorrerá é ninguém menos que o principal titular do poder soberano, o povo.
Acerca do conceito, Paulo Bonavides define:
“É a forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a destituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando”.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>
Outra análise importante acerca do tema, está relacionada com o fato de que o Recall, somente pelo fato de existir (nos países em que existe), acaba se tornando um meio eficaz no sentido de prevenir condutas abusivas por parte dos governantes eleitos.
Tal prevenção é observada no momento em que governantes têm conhecimento de que seus atos, em certa medida, não estão sujeitos ao crivo somente de seus companheiros (políticos), como é no caso nos processos de impeachment, mas também estão sujeitos à aprovação de quem os elegeu, dos detentores da soberania.
Antes de adentrar especificamente a questão relativa à possibilidade, ou primeiramente à dificuldade em implantar o instituto no ordenamento jurídico brasileiro, é de suma importância elucidar a origem do Recall, e sua posterior inclusão nas mais diversas constituições pelo mundo.
O primeiro sistema de que se tem conhecimento, nos tempos modernos, relacionado à capacidade de revogação de mandatos eletivos e cargos públicos, foi introduzido no ordenamento jurídico norte americano, por meio da “Carta de Los Angeles”, no governo de Theodore Roosevelt.
Apesar da implantação do sistema em vários países, o sistema americano ainda é usado como base para se estudar o instituto, já que nos Estados Unidos da América, o sistema já foi utilizado diversas vezes para revogar mandatos, principalmente municipais (só cabe na esfera municipal e estadual).
<h3 align="justify">O Brasil</h3>
No Brasil, não há (ao menos por enquanto) nenhum dispositivo legal semelhante ao Recall, com exceção das hipóteses de participação popular já elencadas alguns parágrafos acima, isto posto, muitos acreditam que o recall seria em tese, uma medida inconstitucional, porém como a própria constituição federal determina em seu parágrafo único do artigo primeiro que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. ”<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">4</a> Em tese, estamos diante de um dispositivo legal que torna o Recall simplesmente como algo que não foi regulamentado, mas que não possui NENHUMA barreira legal em nosso sistema jurídico, além das dificuldades que em sua maioria são oriundas da esfera política e social, não jurídica.
Muitos são os fatores que dificultam a implantação do Recall em nosso sistema jurídico, porém, a grande maioria deles, nada tem a ver com situações que seriam “ilegais”, mas sim fatores políticos.
Um dos principais pontos criticados e elencados já anteriormente no presente artigo acerca da participação direta da população na política nacional, está exatamente no procedimento necessário para a convocação de um plebiscito, ou um referendo, nos quais o congresso nacional que possui a competência para autorizar a convocação de ambos.
Tal situação é extremamente confortável para os governantes/membros do legislativo, já que a vontade da população pouco importa, os que seriam sujeitos passíveis de punição por seus atos, só precisam se manter aliados à aqueles que tem o poder de autorizar ou não a convocação de plebiscitos e referendos, o congresso, e não os destinatários de suas políticas, a população.
A partir do exposto no parágrafo anterior, depreende-se que a situação é de difícil solução, visto que um projeto que instituísse o Recall, ou qualquer outro sistema análogo dependeria da aprovação, por óbvio, do congresso nacional, do poder legislativo, tratando-se de emenda constitucional.
Apesar da imensa dificuldade, o Brasil já teve algumas tentativas de implantação, todas sem sucesso e com período muito pequeno de “duração”. A mais expressiva das tentativas, no entanto, veio somente em 2005, com uma proposta de emenda constitucional (proposta 73/2005)<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote5sym" name="sdfootnote5anc">5</a>, de autoria de Eduardo Suplicy, que buscava (está arquivado!) de alguma forma, implantar um “referendo revocatório”.
A proposta sugeria que a destituição do cargo de presidentes e senadores seria realizada de maneira individual, mediante assinatura de pelo menos 2% do eleitorado nacional, e que o eleitorado estadual poderia aplicar a destituição para os senadores de seu estado, mediante a mesma porcentagem necessária ao nacional, porém, em esfera estadual.
A polêmica é gerada principalmente no que diz respeito aos deputados federais, que no caso da proposta, não seria possível a destituição individual, somente a dissolução da câmara dos deputados por inteira. Esse método (dissolução integral da câmara), é utilizado em algumas regiões da Europa, e é chamado de “abberufungsrecht”.
Outra crítica à proposta, é o fato de que os requisitos para sua efetivação ainda são extremamente burocráticos e condicionados, assim como as outras hipóteses de participação popular, já que as assinaturas devem ser encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral, para que haja aprovação do procedimento, ou seja, novamente o que vemos é a imposição de uma condição à participação popular, condição esta que novamente torna parcial a participação efetiva.
<h3 align="justify">A crítica e o que se conclui</h3>
O sistema do Recall parece ser o ideal considerando-se a participação política, o exercício da soberania da população sobre seus representantes eleitos, porém, há também a possibilidade de se estabelecerem críticas a tal procedimento, principalmente na maneira como ele seria efetivado, não quanto à sua natureza especificamente.
A principal crítica é a de que o procedimento de Recall poderia ser utilizado de maneira a prejudicar o resultado de uma eleição legítima, sem que houvesse real motivo para sua aplicação, como por exemplo no caso em que o número de votos para que um candidato seja eleito não seja exatamente maioria absoluta, nesses casos, o procedimento de recall poderia conseguir assinaturas suficientes para a revogação, somente para a finalidade de retirar o cargo de um candidato somente por ele ser “oposição política”.
Tais manobras políticas teriam que ser limitadas por requisitos para que o processo de Recall seja efetivado, prazos para o cumprimento de metas prometidas em campanha, por exemplo.
O problema não é de fácil solução, e o presente artigo, pela própria natureza, não se compromete a resolver tais questões, mas sim estimular o debate.
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a>Disponível em: <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm">http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm</a>, acesso em: 10 de dezembro de 2018.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> GARCIA, Clóvis Lema. Tradição, revolução e pós-modernidade. In: DIP, Ricardo. São Paulo: Millennium, 2001. p. 8
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev., atual e ampliada. São Paulo, 2000, p. 292
</div>
<div id="sdfootnote4">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">4</a> BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 29 de novembro de 2016
</div>
<div id="sdfootnote5">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote5anc" name="sdfootnote5sym">5</a> Disponível em: <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/76146">https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/76146</a>, acesso em 28/11/2016.
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JOTA

Qual a consequência da utilização de um instituto que possibilita a revogação de um mandato eletivo?

Recall político seria uma solução viável para o Brasil?

Qual a consequência da utilização de um instituto que possibilita a revogação de um mandato eletivo?