Andrei Herberth Rodrigues de Oliveira

Em 13 de abril de 2021, o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu julgado no Mandado de Segurança n° 35.494<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> determinando que o Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>), na análise de aposentadorias e pensões submetidas à sua apreciação, não poderia afastar a incidência de dispositivos de lei federal que previa o pagamento do bônus de eficiência e produtividade a todos os servidores da carreira fiscal.
Não só isso, na mesma oportunidade noticiou-se que a Súmula 347 do STF estaria superada, dando ênfase ao entendimento de parte da doutrina<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e jurisprudência<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> que passou a se insurgir contra a possibilidade de apreciação da constitucionalidade de normas por parte do Tribunal de Contas.
Os argumentos nesse sentido são que a Súmula 347 do STF fora fixada em momento anterior à previsão na ordem jurídica pátria de controle de constitucionalidade abstrato, e que esse quadro não mais subsistiria hoje, após o advento da Constituição de 1988, que ampliou sobremaneira os seus legitimados.
Ocorre que a própria jurisprudência do STF<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> já possui entendimento firme no sentido de outorgar, aos órgãos independentes de controle, a competência para afastar a aplicação de normas violadoras da Constituição.
Sabe-se que para desempenhar com zelo a função controle externo, e a fim de se proteger tempestiva e suficientemente o patrimônio público, não raras vezes se faz necessário que o Tribunal de Contas aprecie a juridicidade e constitucionalidade de um ato normativo que embasa o ato questionado.
Não é demais assentar que a não aplicabilidade de norma jurídica em face de contrariedade a preceito ou comando constitucional é uma obrigação de todos os órgãos da República, sejam julgadores, controladores ou aplicadores do direito. Esta imperatividade decorre do próprio caráter jurídico-positivo teorizado por Kelsen<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, em que a Constituição é o pressuposto de validade de todas as leis.
A jurisprudência dos tribunais superiores<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> também reconhece a possibilidade de o chefe do Poder Executivo negar a aplicabilidade à norma legal contrária à Constituição, no exercício de controle de constitucionalidade repressivo.
Para Luís Roberto Barroso<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> a supremacia constitucional irradia sobre todos os particulares e instituições estatais, exigindo de todos os Poderes da República a guarda da Constituição – o que inclui, por óbvio, tanto o Poder Executivo, no exercício da atividade administrativa, quanto o Tribunal de Contas, no exercício da função controladora. A seu turno, Gustavo Binenbojm<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> professa que à luz da moderna concepção de juridicidade administrativa é admitido o repúdio à lei inconstitucional, tanto pelo Executivo, como pelos demais Poderes no exercício das funções administrativas.
Isto posto, a discussão mais consentânea com a ordem constitucional não deve girar em torno do questionamento de se os tribunais de contas podem, ou não, exercer tal competência, mas sim quais os devidos limites e condicionamentos para o seu exercício.
Sublinhe-se que no julgamento do MS n° 35.494 o STF se insurgiu contra a possibilidade de o TCU afastar a incidência de dispositivos de lei federal com eficácia erga omnes.
Entretanto, a Súmula 347 do STF somente conferiu ao Tribunal de Contas a possibilidade de apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público, possibilitando o seu afastamento exclusivamente no caso concreto, naturalmente produzindo efeitos meramente inter partes.
Merecem destaque aqui os votos divergentes proferidos pelos ministros Luís Roberto Barroso<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> e Edson Fachin<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, que trataram de estabelecer os limites corretos ao exercício da competência em debate.
Assim, conclui-se que a questão da superação da Súmula 347 do STF encontra-se em ampla divergência no Supremo Tribunal Federal. No entanto, é possível perceber que os argumentos elencados para defender a sua superação não encontram amparo lógico-jurídico, ao mesmo tempo em que irremediavelmente obstaculizam a contenção dos efeitos de atos administrativos inconstitucionais, dando ensejo à irremediável concretização de situações causadoras de dano ao patrimônio público.
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BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BARROSO, Luís Roberto. Poder executivo – lei inconstitucional – descumprimento – parecer. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 181-182, p. 387-397, 1990.
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 1ª versão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2a ed., 2002 (1933).
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2020.
SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme Jardim. Uma Lei para dar mais segurança jurídica ao direito público e ao controle. Transformações do direito administrativo: Consequencialismo e estratégias. FGV Direito Rio, 2017.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MS 35.494, Plenário do STF, j. em 13/04/2021, rel. Min. Alexandre de Moraes.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 151).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MS 27.344/DF, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 26/05/2008; MS 27.232/DF, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 14/05/2008; MS 25.986/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22/06/2006; MS 25.888/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/03/2006; MS 26.783/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 09/07/2007 e MS 26.808/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 25/07/2007
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Pet 4656, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2016, DJe-278, Divulg. 01-12-2017, Public. 04-12-2017.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 1ª versão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2a ed., 2002 (1933).
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> STF, Pleno, ADI 221 MC/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Julg. 29/03/1990, Pub. 22/10/1993; e STJ, 1ª Turma, REsp 23.121/92-GO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Pub. 08 nov. 1993.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> BARROSO, Luís Roberto. Poder executivo – lei inconstitucional – descumprimento – parecer. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 181-182, p. 387-397, 1990.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira – Legitimidade democrática e instrumentos de realização. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 175.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> “Ressalvo, contudo, minha discordância em relação ao primeiro dos dois fundamentos expostos no voto do relator, como tenho feito nas demais ações em que se discute a possibilidade de controle incidental de constitucionalidade por órgãos administrativos. Toda autoridade administrativa de nível superior pode, a meu ver, incidentalmente declarar a inconstitucionalidade de lei, desde que limitada ao caso concreto”.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> “Esta Corte assentou na oportunidade a diferenciação entre declaração de inconstitucionalidade, com efeitos erga omnes, e possibilidade de não aplicação da norma no caso concreto, não excluindo a norma do ordenamento jurídico, reconhecendo a órgãos como CNJ, CNMP e TCU a competência para a última hipótese, no estrito exercício de seu mister. Essa interpretação vem privilegiar o princípio da Supremacia Constitucional, impedindo a permanência de atos flagrantemente contrários ao texto constitucional, e elevando os diversos atores sociais à condição de partícipes do amplo processo de controle constitucional. Como asseverou o i. Min. Roberto Barroso, em obra doutrinária: ‘Todos os Poderes da República interpretam a Constituição e têm o dever de assegurar seu cumprimento. O Judiciário, é certo, detém a primazia da interpretação final, mas não o monopólio da aplicação da Constituição’”.

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JOTA

Superação da Súmula 347 do STF encontra-se em ampla divergência no Supremo

Limites para o controle de constitucionalidade pelos Tribunais de Contas

Tribunal de contas: a discussão deve dos devidos limites e condicionamentos para o exercício dos tribunais de contas