Flávio Eduardo Carvalho Eduardo Carvalho

O Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>) teve, recentemente, uma de suas ferramentas posta em xeque a partir do pedido de destaque, realizado pelo ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/kassio-nunes-marques">Nunes Marques</a>, no Recurso Extraordinário 1.276.977. No caso, discute-se se é possível, ou não, considerar todas as contribuições previdenciárias que um segurado tenha feito em sua vida profissional para fins de cômputo da base de cálculo de benefícios. A denominada “revisão da vida toda” para fins previdenciários.
O presente artigo traz breve reflexão sobre a sistemática do julgamento virtual da Suprema Corte e os questionamentos que podem surgir quando pedidos de destaque são feitos, não se atendo às conclusões dos ministros sobre a questão jurídica objeto do referido recurso extraordinário. De início, é preciso dizer que o pedido de destaque é uma medida que possibilita a retirada de um caso da sessão virtual, a fim de que seja apreciado em sessão presencial ou por videoconferência. Pedido destaque, o julgamento terá que ser reiniciado e os votos já lançados em ambiente virtual são cancelados, conforme o artigo 4º, §2º, da Resolução 642/2019. E o julgamento virtual é aquele que dura 8 dias, sendo que cada ministro vai lançando no ambiente virtual seu voto até o término desse prazo, o que permite que cada julgador tenha vários dias para conhecer a posição dos seus pares e manifestar a sua decisão, nos termos dos artigos 1º e 2º da Resolução 642/2019.
É notória a relevância do pedido de destaque, uma vez que permite a ampliação dos debates entre os integrantes da Suprema Corte na análise dos casos, evitando que a discussão fique restrita ao ambiente virtual. Contudo, é importante que o pedido de destaque <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/nunes-marques-foi-um-dos-ministros-que-mais-interrompeu-julgamentos-no-plenario-virtual-31012022">não sirva como um mecanismo estratégico</a>, manejado com a única finalidade de cancelar os votos que foram apresentados anteriormente no ambiente virtual, em especial votos dos ministros que porventura não estejam mais compondo o tribunal.
Por exemplo, no caso acima mencionado, o relator era o ministro Marco Aurélio, que votou de forma favorável aos beneficiários da previdência, tendo sido acompanhado por outros cinco ministros, formando-se maioria. A divergência foi inaugurada pelo ministro Nunes Marques, acompanhado pelo restante dos ministros da Corte, de modo que o placar estava 6x5 para os beneficiários da previdência. Ocorre que, minutos antes do término da sessão, o próprio ministro Nunes Marques pediu destaque, retirando o feito da sessão virtual.
Tal circunstância acarretou a quebra da legítima expectativa de todos aqueles que acompanhavam o julgamento. De um lado, os segurados já buscavam confirmar aqueles que teriam direito ao aproveitamento da tese. De outro, o INSS já se movimentava para minimizar possíveis impactos que poderiam atingi-lo.
Nos parece que o pedido de destaque, se utilizado dessa maneira, gera instabilidade jurídica, na medida em que surpreende os interessados na controvérsia quando já havia maioria formada com relação às teses jurídicas em debate.
Conforme divulgado em veículos midiáticos, o ato foi visto por alguns juristas como uma manobra para retirar o voto do ministro Marco Aurélio, já aposentado. No caso, se prevalecer o entendimento pelo reinício do julgamento, e o cancelamentos dos votos proferidos, será permitida a manifestação do substituto do ministro Marco Aurélio, o recém-chegado ministro André Mendonça, cujo entendimento sobre a matéria é desconhecido.
Essa não foi a primeira vez que o pedido de destaque foi utilizado em situação de relatoria de ministro que não mais integra a Corte Suprema. Na oportunidade do julgamento do Recurso Extraordinário 835.818, no qual se discute a exclusão do crédito presumido de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das bases de cálculo das contribuições ao Programas de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), se processou situação semelhante.
No caso, também de relatoria do ministro Marco Aurélio, o voto vencedor era de Sua Excelência, que, de forma favorável aos contribuintes, compreendeu ser incompatível com a Constituição Federal a inclusão do mencionado imposto na base de cálculo das contribuições. Na ocasião, após o cômputo dos votos de todos os ministros, o placar ficou 6x5 para os contribuintes, nos termos do voto do relator. Contudo, horas antes do término da sessão, o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/gilmar-mendes">Gilmar Mendes</a>, que acompanhava a divergência desfavorável, apresentou pedido de destaque.
Diante desse cenário, um dos últimos atos do ministro Marco Aurélio, no Supremo Tribunal Federal, foi o envio de um ofício ao ministro Luiz Fux, presidente da Corte, para que fossem preservados os seus votos já proferidos em sessão virtual, naqueles casos que serão retomados em plenário físico em razão de pedido de destaque.
Entretanto, tal pleito foi negado pela presidência, sob o argumento de que os processos com pedido de destaque deveriam ter o julgamento reiniciado, sem a contagem de votos anteriormente disponibilizados, nos termos da Resolução 642/2019.
E as incertezas não param por aí.
Em dezembro de 2021, pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes interrompeu <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/adc-49-fachin-propoe-que-estados-regulamentem-transferencia-de-creditos-de-icms-02052022">o julgamento dos embargos de declaração opostos na ADC 49</a>, em que se discute, entre outras questões, a modulação dos efeitos da decisão que compreendeu que o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS.
Assim, aguardava-se nova inclusão do feito em pauta presencial. Contudo, neste mês de abril de 2022, foi apresentada desistência do mencionado pedido, de modo que o lançamento de retirada do feito da sessão virtual foi tido como indevido.
A situação descrita é inédita na Suprema Corte e não se sabe, até o momento, se o julgamento será reiniciado, começando do zero (consequência do pedido de destaque), ou se os votos já proferidos reaparecerão no sistema, como se não houvesse ocorrido a interrupção.
O feito foi incluído na pauta virtual que tem início no dia 29/4/2022 e término em 06/5/2022. Sendo a primeira ocorrência de desistência do pedido de destaque, será relevante acompanhar o julgamento, uma vez que o STF poderá, nessa oportunidade, trazer indicativos de como atuará em casos semelhantes. Como se vê, o pedido de destaque tem sido usado de forma questionável na dinâmica dos julgamentos virtuais, o que torna necessário séria ponderação para um melhor do uso da mecanismo, de modo a privilegiar a colegialidade, o devido processo legal e, especialmente, a segurança jurídica.
Certamente não será ideal extinguir o mecanismo, dado que proporciona análise detalhada de casos que não seriam profundamente examinados em ambiente virtual, mas, inequivocamente, será crucial refletir e ponderar as balizas de seu uso, a fim de que estratégias individuais não sejam capazes de ameaçar a segurança jurídica e a colegialidade do Supremo Tribunal Federal.
O texto teve a colaboração de Helena Brandão Nogueira Moraes, estagiária no escritório Schneider Pugliese.

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

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JOTA

O pedido de destaque tem sido usado de forma questionável na dinâmica dos julgamentos virtuais

Os pedidos de destaque no STF e o risco à segurança jurídica

Supremo Tribunal Federal: o pedido de destaque tem sido usado de forma questionável na dinâmica dos julgamentos virtuais