Betina Le Grazie

Carla Ávila Nascimento

Beto Vasconcelos

A Controladoria-Geral da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cgu">CGU</a>) dá um importante passo na consolidação de soluções consensuais no âmbito da legislação anticorrupção. Foi publicada hoje (29/08) a <a href="https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-normativa-n-155-de-21-de-agosto-de-2024-581125693">Portaria CGU 155/2024</a>, que disciplina a celebração de Termo de Compromisso, novo instrumento negocial do direito administrativo sancionador.
<h3>O avanço a partir do julgamento antecipado até o Termo de Compromisso</h3>
O novo Termo de Compromisso passa a ocupar o lugar do julgamento antecipado, criado pela CGU em 2022, com a Portaria CGU 19/2022. O julgamento antecipado foi elaborado para viabilizar a realização de acordos nos casos em que a pessoa jurídica deseja adotar solução consensual, mas não atende aos requisitos para o acordo de leniência, como ser a primeira a manifestar interesse em cooperar ou deter elementos probatórios capazes de alavancar a capacidade investigativa da autoridade.
A previsão de um instrumento negocial para além do acordo de leniência tem como inspiração a legislação de defesa da concorrência, que dispõe sobre o Termo de Compromisso de Cessação (TCC). O TCC é uma alternativa para pessoas jurídicas já sob investigação em procedimento administrativo, que almejam encerrar o litígio por meio de acordo.
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/poder%20?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_poder_q2&amp;utm_id=cta_texto_poder_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_poder&amp;utm_term=cta_texto_poder_meio_materias">Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!</a></h3>
O julgamento antecipado se mostrou, nesses últimos dois anos, um instrumento de sucesso, e sua implementação permitiu a identificação de possíveis melhorias. A Portaria CGU 155/2024 incorpora essas melhorias, de maneira que o Termo de Compromisso possui diversas vantagens com relação ao julgamento antecipado.
Nos termos da Portaria, são, em síntese, condições para a celebração desse novo instrumento de consensualidade: (i) admissão da responsabilidade e cessação do envolvimento nos atos lesivos; (ii) reparação integral do dano, (iii) perdimento dos valores de acréscimo patrimonial indevido ou enriquecimento ilícito; (iv) pagamento da multa prevista na Lei Anticorrupção; (v) atendimento aos pedidos de informações; e (vi) renúncia a ações judiciais, defesas e recursos relativos ao processo administrativo.
Além disso, a CGU poderá, a depender do caso concreto, prever compromisso relacionado à adoção, à aplicação ou ao aperfeiçoamento do programa de integridade da pessoa jurídica.
Cumpridos os referidos requisitos, os principais benefícios do Termo de Compromisso são: (i) a concessão de desconto na multa aplicada, a depender momento processual em que a empresa manifesta o interesse pelo acordo; (ii) a dispensa de publicação extraordinária de decisão condenatória, reduzindo-se o nível de exposição negativa da empresa; e (iii) a atenuação das sanções restritivas de licitar e contratar com o poder público, quando cabível.
Dentre as vantagens que a nova Portaria traz, é possível citar (i) a natureza jurídica consensual do instrumento, com a definição do Termo de Compromisso como ato administrativo negocial, com fundamento legal expressamente previsto; (ii) a previsão de coordenação interinstitucional entre a CGU e a Advocacia-Geral da União (AGU) e; (iii) redações mais claras a respeito de temas como a apresentação do requerimento, os benefícios concedidos e as consequências da desistência da negociação.
Da perspectiva da Administração Pública, o Termo de Compromisso permite não só o encerramento mais célere do litígio e a consequente desoneração e redirecionamento de recursos humanos e operacionais para outras investigações, como traz maior segurança no recebimento dos valores relativos à multa, reparação do dano e perda da vantagem indevida. O efetivo recebimento desses valores em uma situação contenciosa pode levar anos. Com o acordo, há maior certeza sobre o montante e momento do recebimento. Finalmente, o termo de compromisso pode vir acompanhado de obrigações relativas ao programa de integridade da pessoa jurídica, indicando benefícios prospectivos com a disseminação de cultura corporativa ética e transparente.
<h3>Participação social na construção da Portaria CGU 155/2024</h3>
Além das melhorias concretas com relação ao julgamento antecipado, que já consistia em avanço institucional, a Portaria CGU 155/2024 é qualificada pela participação social que precedeu sua edição.
Em agosto de 2023, a CGU, por meio da Secretaria de Integridade Privada, abriu consulta pública sobre minuta de portaria regulamentadora do termo de compromisso, de forma que a construção do instrumento pudesse ser integrada pelas contribuições da academia, dos setores público e privado e da sociedade civil.
A consulta foi importante para que esses atores fizessem seus balanços a partir da experiência do julgamento antecipado e sugerissem novos marcos para a atuação consensual no âmbito da Lei Anticorrupção.
Observa-se que a CGU efetivamente incorporou apontamentos realizados à minuta colocada em consulta pública, de forma que o Termo de Compromisso representa uma construção coletiva a respeito da atuação consensual do Estado.
A título de exemplo, na minuta disponibilizada para opinião pública, havia uma previsão segundo a qual a implementação ou o aperfeiçoamento do programa de integridade era um requisito para a celebração do Termo de Compromisso. Ao mesmo tempo, outra regra dispunha que, de acordo com o caso concreto, a CGU poderia condicionar a celebração do acordo a compromissos relacionados ao programa de integridade da pessoa jurídica. Durante a consulta pública, apontamos que as duas regras, tais como alocadas preliminarmente no texto, poderiam gerar insegurança jurídica.
Na Portaria CGU 155/2024, a questão foi resolvida a partir da manutenção apenas da regra segundo a qual a CGU poderá condicionar a celebração do Termo à adoção de compromisso relacionado ao programa de integridade. Além da clareza, a regra parece conferir mais liberdade avaliativa para a autoridade, considerando, por exemplo, casos nos quais a eventual irregularidade não seja fruto de qualquer falha dos programas internos de conformidade da pessoa jurídica.
Esse processo de diálogo social representa maior transparência na gestão e confere, portanto, maior legitimidade ao instituto recém-criado, que certamente comporá um novo capítulo no histórico de sucesso da adoção de consensualidade na CGU.
<h3>Resultados positivos na adoção de mecanismos consensuais pela CGU</h3>
A cultura da consensualidade na administração pública tem se difundido e aprofundado nos últimos anos. Na política anticorrupção, os mecanismos consensuais têm, dentre outras vantagens, a alavancagem da capacidade investigativa, a restituição de valores significativos aos cofres públicos e o fomento à integridade corporativa.
Sem prejuízo de diversas melhorias e ajustes possíveis, fato é que a estrutura de incentivos hoje posta tem se mostrado atrativa na política anticorrupção. Até agosto de 2024, a CGU divulga já ter celebrado 29 acordos de leniência e informa haver outras 22 negociações em andamento. Em termos de julgamento antecipado, há aproximadamente 49 negociações já deferidas desde a edição da Portaria CGU 19/2022.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
<h3><a href="https://whatsapp.com/channel/0029VaFvFd73rZZflK7yGD0I">Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!</a></h3>
Especificamente com relação ao julgamento antecipado, trata-se de sucesso considerável para instrumento novo no ordenamento jurídico. De qualquer forma, para melhor avaliação do passado, com relação ao julgamento antecipado, e do futuro, agora com o Termo de Compromisso, é possível consolidar e divulgar os indicadores sobre os resultados do instrumento, a exemplo do que já é feito com os acordos de leniência. Tem-se a oportunidade, por exemplo, de tornar público o valor recuperado com o pagamento de multas e ressarcimento de danos, o valor médio da multa aplicada, a quantidade de empresas que implementaram programa de integridade em função da negociação, a fase do processo na qual o julgamento antecipado (e agora o Termo de Compromisso) é proposto com mais frequência, entre outros.
Essas informações serão valiosas para o monitoramento contínuo, tanto das autoridades públicas, como da sociedade civil, acerca da política pública adotada, de forma a permitir o aperfeiçoamento constante dos instrumentos dedicados ao enfrentamento da corrupção e ao fomento da integridade empresarial.
<h3>Conclusão</h3>
O Termo de Compromisso surge em bom tempo e precedido de diálogo social, com o propósito de incorporar as melhorias identificadas na implementação do julgamento antecipado. Revela a capacidade institucional e a disposição da CGU no fortalecimento dos instrumentos de consensualidade relacionados à aplicação da legislação anticorrupção.
Para o futuro, além de avaliar, de forma contínua, a implementação do Termo de Compromisso, a fim de identificar ajustes possíveis, acreditamos ser relevante a difusão de conhecimento e capacidade técnica sobre o enfrentamento e prevenção da corrupção para os demais níveis da federação. Nesse sentido, o julgamento antecipado foi regulamentado pelo Estado de São Paulo<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, mas ainda há Estados e municípios que sequer regulamentaram a Lei Anticorrupção.
A edição da nova Portaria também dá abertura para que se garanta a continuidade do processo de aprofundamento em temas correlatos, como a avaliação dos programas de integridade – cujo formulário de conformidade foi recentemente submetido a consulta pública<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> – que está intrinsecamente relacionada ao resultado dos processos negociais e sancionadores da CGU.
A Portaria CGU 155/2024 é, portanto, consequência do aperfeiçoamento constante dos mecanismos estatais de enfrentamento da corrupção, a partir do debate entre os setores público e privado, a comunidade acadêmica e a sociedade civil. Serve de exemplo para mudanças futuras e revela espaços para avançarmos, cada vez mais, a política anticorrupção brasileira.
_________________________________________________________________
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dados do Diário Oficial da União até 29/08/2024.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Resolução nº 25/2023 da Controladoria-Geral do Estado de São Paulo.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://www.gov.br/participamaisbrasil/formulario-de-conformidade-para-avaliacao-de-programas-de-integridade-no-ambito-da-lei-12846-20131">https://www.gov.br/participamaisbrasil/formulario-de-conformidade-para-avaliacao-de-programas-de-integridade-no-ambito-da-lei-12846-20131</a>.

vinicius cgu

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

CGU dá um importante passo na consolidação de soluções consensuais

Os avanços do Termo de Compromisso na legislação anticorrupção

CGU dá um importante passo na consolidação de soluções consensuais no âmbito da legislação anticorrupção com publicação de portaria