José Antonio Minatel

Independente da concepção que se tenha imaginado para a expressão “balanço” que figura no título desse artigo, seja no sentido contábil de levantamento, de demonstração, de inventário, de apuração, ou mesmo no sentido físico de movimento, de vai e volta, de desequilíbrio, de gangorra, todas essas acepções guardam correspondência com o conteúdo do conceito de “receita”, quando investigado no contexto dos pronunciamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão especializado como Tribunal Administrativo com a nobre missão de dirimir os conflitos, entre Fisco e contribuintes, em matéria tributária.
Epa! Ato falho, ou não, a grafia com letra maiúscula para costumeiramente identificar o Fisco, como uma das partes do litígio, e minúscula para os contribuintes já permite identificar a pertinência de uma das acepções imaginadas para o vocábulo “balanço”.
Sim, a investigação sobre o conteúdo dos pronunciamentos do CARF em torno da elucidação do conceito de “receita”, enquanto materialidade apta a ser tomada como base de cálculo de PIS e COFINS, bem demonstra a ganância do Fisco na tentativa de expandir a base de incidência dessas contribuições, tendência que dificulta o pretendido juízo de neutralidade sobre as possíveis variações de sentido atribuídas para “balanço”.
Numa assertiva, ou noutra, o certo é que no passado era pouca a discussão em torno do conteúdo do conceito de “receita”, até porque essa avaliação tinha em conta somente a possível influência no resultado da pessoa jurídica, apuração que era relevante unicamente para efeito de incidência do IRPJ e da CSLL. Nesse contexto, se a questionada operação econômica era registrada na contabilidade como integrante do grupo de “receitas”, ou, inversamente, como redutora de custos e despesas pela sua natureza intrínseca, esse diferente tratamento não repercutia no resultado da pessoa jurídica, circunstância que escapava das avaliações da auditoria fiscal focada na incidência das contribuições, cuja base de cálculo inicialmente se restringia ao “faturamento”, definido ordinariamente como o produto das vendas de mercadorias e serviços (como exemplo, art. 2º da LC 70/91).
Esse cenário foi alterado com o advento da Emenda Constitucional 20/98, enxerto que teve o deliberado propósito de alargar o campo de incidência das mencionadas contribuições, incluindo-se o gênero “receita” ao lado da espécie “faturamento” que constava na versão original do artigo 195 da Magna Carta. Esse é o marco que passou a evidenciar não só a relevância da arrecadação das contribuições no orçamento federal, como também o aumento dos conflitos provocados pelas divergentes interpretações da caótica legislação tributária que regula a incidência do PIS e da COFINS.
Nessa breve investigação sobre os pronunciamentos do CARF sobre o conceito de “receita”, merece destaque o Acórdão 3302-00.962, com votação unânime realizada em maio de 2011, deliberando a Turma que os valores que só transitaram pelo patrimônio das agências de publicidade e propaganda, mas que eram devidos pelos anunciantes aos veículos de divulgação, não configuram “receita” da agência que “contrata serviços de terceiros, não em seu nome, mas por ordem e conta do cliente anunciante” e, dessa forma, por serem valores que não remuneram a atividade da agência, não integram a base de cálculo do PIS e da COFINS, na mesma linha de precedente do antigo Segundo Conselho de Contribuintes ali indicado como jurisprudência (Acórdão 201-77.363).
É bem verdade que, nessa atividade relacionada com as agências de publicidade, a avaliação tem ficado por conta do conjunto probatório das efetivas operações praticadas em cada caso, como registra o Acórdão 9303-01.595, da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), com deliberação contra o contribuinte adotada por voto de qualidade, em agosto de 2011. Nesse caso, prevaleceu o entendimento no sentido de que os valores repassados aos veículos de divulgação não poderiam ser excluídos da base de incidência do PIS e da COFINS, porque não tinham a natureza de simples repasses financeiros de titularidade de terceiros. Pelo contrário, na forma documentada pela agência, os valores traduziam encargos com natureza de custos e despesas que foram assumidos pela agência para obtenção da totalidade da sua receita.
Confirmando essa assertiva de exame em cada caso, em posterior pronunciamento da CSRF (Acórdão 9303-002.996, em junho de 2014), foi acatado recurso especial do contribuinte por maioria de votos, mediante a deliberação no sentido de que “não integram a base de cálculo da COFINS das agências de propaganda os valores relativos aos serviços de divulgação prestados pelos veículos de divulgação, nos termos da legislação própria do setor de publicidade (Lei nº 4.680/65 e Decreto nº 57.690/66) e das provas coligidas aos autos”.
Matéria ainda relacionada com o reembolso de despesas frente ao conceito de “receita”, merece destaque o julgamento realizado em agosto de 2012 (Acórdão 3803-003.450), com deliberação, por maioria de votos, assegurando que os valores recebidos por escritório de advocacia, a título de reembolso de despesas decorrentes do pagamento de custas processuais, fotocópias e impressões, por não remunerar a atividade que é objeto social do escritório de advocacia, não se qualifica como faturamento e nem “receita”, pelo que não pode integrar a base de cálculo de PIS e COFINS. Não se curvando a esse entendimento, registre-se a interposição de recurso pela Fazenda Nacional que ainda aguarda pronunciamento da CSRF, o que confirma o acirrado litígio em torno do tema.
Nessa mesma matéria, ganhou destaque o pronunciamento de Turma do CARF pelo acórdão 1803-002.463, que diz respeito também ao IRPJ e CSLL, ao deliberar pelo voto de qualidade, em novembro de 2014, que “todos os valores recebidos compõem o preço da prestação de serviços advocatícios, ainda que discriminados em rubricas diversas tais como reembolso de custas e despesas análogas, despesas com advogados correspondentes, despesas com viagens e despesas incorridas na condução do processo”. Há recurso especial do contribuinte interposto contra essa decisão, ainda pendente de avaliação pela CSRF.
A arrecadação e o repasse do valor da chamada “tarifa de pedágio” apresenta-se como controvérsia conexa, cujo deslinde também gira em torno da delimitação da “receita própria”, em oposição a ingressos de titularidade de terceiros que transitam pelo patrimônio da pessoa jurídica que os recebe com o encargo de repassá-los. Em sessão de maio de 2013, deliberou a Turma do CARF, pelo Acórdão nº 3403-002.175, que as contribuições de PIS e COFINS não podem alcançar o ingresso de titularidade de terceiros, devendo incidir unicamente sobre os ingressos que remuneram a atividade da pessoa jurídica, como é a “atividade que proporciona aos usuários um serviço diferenciado de pagamento de pedágio, caracterizando atuação como intermediário, em que o valor do pedágio é recebido do usuário e repassado para a concessionária. O pedágio constitui receita apenas em relação à concessionária”, como consta da ementa do referido julgado.
No mesmo sentido a manifestação relacionada com a arrecadação de “taxa de embarque” por companhia aérea. Por unanimidade de votos, deliberou a Turma do CARF em fevereiro de 2013 (Acórdão nº 3302-001.980) pela não incidência de PIS e COFINS sobre ingresso com natureza transitória, assentando na sua ementa que “o montante arrecadado pela companhia aérea título de taxa de embarque são valores devidos pelos passageiros que utilizam os serviços aeroportuários, cujo montante é totalmente repassado à INFRAERO, não representando receita própria da empresa aérea”. Em que pese a decisão tenha sido unânime, manejou a Fazenda Nacional recurso especial com o objetivo de reforma do referido julgado, recurso que não foi conhecido pela CSRF pelo não cumprimento de requisitos processuais (Acórdão nº 9303-003.390, em janeiro de 2016).
A recuperação de tributos é outro tema que balança na jurisprudência do CARF quando relacionado com o conceito de “receita”, seja no tratamento dos valores indevidamente pagos e recebidos em restituição, como no tocante aos valores registrados como crédito na escrituração para abatimento de outras obrigações tributárias, e até mesmo para ressarcimento em espécie ou compensação.
Para demonstrar as indefinições por idas e vindas na jurisprudência do CARF em torno dessas matérias, registra-se o julgamento pelo Acórdão nº 1803-00.346, em abril de 2010, deliberando pela não incidência de PIS e COFINS sobre o chamado “crédito presumido de IPI”, ao fundamento de que “o crédito presumido de IPI é parcela relacionada à redução de custos e não à obtenção de receita nova, oriunda do exercício da atividade empresarial”. Mais uma vez, há recurso interposto pela Fazenda Nacional que ainda aguarda avaliação pela instância máxima da esfera administrativa (CSRF).
Reiterando esse mesmo entendimento, pelo Acórdão nº 3202-001.478, de fevereiro de 2015, manifestou-se Turma do CARF, em deliberação unânime, no sentido de que “o crédito presumido do IPI trata-se de um mero ressarcimento de tributos (uma recuperação de custos tributários), não podendo ser tratado como se fosse um ingresso de recurso, oriundo da atividade empresarial do contribuinte, inexistindo, por isso mesmo, manifestação de riqueza passível de ser tributada”. Essa diretriz, colocada logo na ementa do referido julgado, vem acompanhada de sintética e induvidosa avaliação aqui reproduzida: “É de concluir-se, portanto, que o ressarcimento de tributos está fora do conceito de receita ou de faturamento!
Curvou-se a Fazenda Nacional aos fundamentos da decisão acima transcrita e, em face da não apresentando de qualquer recurso, registre-se que referido processo já está encerrado e destinado ao arquivo. Todavia, essa concordância da Fazenda Nacional não foi suficiente para alinhar convergência de entendimento nessa matéria, na medida em que são encontrados pronunciamentos mais recentes deliberando em sentido oposto, ao afirmar que “o crédito presumido de IPI sobre a aquisição de insumos não tributados, do qual a empresa é beneficiária por força de tutela judicial, representa ganho que se insere no conceito de receita, sujeitando-se à incidência não-cumulativa da contribuição”, conforme se extrai da ementa do Acórdão nº 3302-002.962, de janeiro de 2016.
Portanto, pelo que se pode notar dos pronunciamentos vertidos nesse breve relatório, a turbulência em torno do conceito de “receita” parece ser a conotação semântica mais apropriada para o anunciado “balanço” perante o CARF.

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JOTA

A turbulência em torno do conceito de “receita” 

O conceito de “receita” no balanço do Carf

A turbulência em torno do conceito de “receita”