Andre Bogossian

Mariana Saragoça

Após meses de intensos debates e controvérsias sobre a regulamentação do setor de saneamento básico, o governo federal optou por revogar os Decretos <a href="https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2023/decreto-11466-5-abril-2023-794023-norma-pe.html">11.466</a> e <a href="https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2023/decreto-11467-5-abril-2023-794024-norma-pe.html">11.467</a>, ambos de 4 de abril de 2023, que geraram insegurança jurídica e divergências em relação à legislação vigente, especialmente ao <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/novo-marco-legal-do-saneamento">novo Marco Legal do Saneamento Básico</a> (Lei 11.445/2007, alterada pela Lei 14.026/2020). 
A revogação desses decretos é um recuo importante e uma sinalização positiva do governo em busca de preservar o setor que vinha até o início do ano ganhando destaque por novos projetos e leilões com resultados expressivos. Apesar disso, apenas a revogação não parece ter sido suficiente para que seja restaurada a segurança e estabilidade do setor.
Ainda há questões importantes a serem enfrentadas tanto em virtude de certas previsões mantidas nos novos decretos quanto pelo fato de que boa parte das discussões mais relevantes estar sub judice em ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>).
O principal problema dos Decretos 11.466 e 11.467 era a incompatibilidade de alguns de seus dispositivos com o novo Marco Legal do Saneamento. Ao contrário de trazerem avanços para o setor, geraram dúvidas e impasses entre os diversos atores envolvidos.
Uma das questões mais polêmicas foi a metodologia do processo de comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços de saneamento. Os decretos revogados permitiam que municípios em situação irregular ou com contratos precários tivessem a oportunidade de regularizar os vínculos jurídicos que balizam a prestação de tais serviços até 31 de dezembro de 2025, o que contraria disposições claras do novo Marco Legal do Saneamento.
Em particular, a diretriz do artigo 10, caput, de que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, nos termos do art. 175 da Constituição Federal, vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária e de seu §3º, que afirma que apenas contratos de programa regulares vigentes permanecem em vigor até o advento do seu termo contratual.
Felizmente, o novo Decreto 11.598 corrigiu esse ponto e eliminou essa possibilidade, trazendo maior clareza e estabilidade para o setor. No entanto, ele não restaurou uma importante previsão presente no Decreto 10.588/2020 que obrigava os municípios a notificarem os órgãos de controle nos casos de operações dos serviços de saneamento em situação de irregularidade. Essa obrigação de notificação era uma ferramenta relevante para pressionar os agentes públicos responsáveis pela gestão da titularidade dos serviços a tomarem as medidas necessárias para regularizar as prestações nas respectivas localidades, sob pena de exercício do controle pelos órgãos competentes.
A falta de restauração dessa obrigação pode comprometer os esforços de combate à insegurança jurídica no setor de saneamento. É essencial que haja responsabilização quando os serviços estão em situação irregular, para que se possa avançar em direção à universalização do saneamento básico.
Outro ponto relevante diz respeito ao Decreto 11.599, que revogou o Decreto 11.467 e tratava da prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico e da alocação de recursos públicos federais. Ele foi questionado por buscar equiparar a prestação por empresa estatal estadual em municípios constantes de estrutura regionalizada à prestação direta pelo próprio titular dos serviços. Tratava-se, novamente, de tentativa de contornar a previsão clara e inafastável de que somente a prestação direta por entidade que integre a administração do titular poderia prestar os serviços de saneamento sem licitação. 
Assim é que, apesar de a revogação dos decretos ser um passo positivo do governo em busca de corrigir os problemas no setor de saneamento básico, ainda há desafios a serem superados. O Decreto 11.599 manteve restrições do Decreto 11.467 à competência da Agência Nacional de Águas (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>) para edição de normas de referência. Isso pode gerar incertezas sobre o alcance da atuação da ANA e como ela irá observar as diretrizes da política federal de saneamento básico estabelecidas pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-das-cidades">Ministério das Cidades</a>, além de limitar-se ao "mínimo necessário" para padronização.
A falta de clareza sobre o que significa, na prática, o estabelecimento de diretrizes pelo Ministério das Cidades e o que seria o "mínimo necessário" para padronização pode resultar em iniciativas do ministério que limitem a atuação legítima da ANA em suas competências de edição de normas de referência, as quais encontram amparo legal na Lei 11.445/2007 e na Lei 9.984/2000.
Concluindo, a revogação dos Decretos 11.466 e 11.467 é um passo positivo na busca por uma regulamentação mais alinhada com o novo Marco Legal do Saneamento e na superação da insegurança jurídica no setor. Contudo, não parece ser suficiente, principalmente em virtude da manutenção de restrições à competência da ANA em normas de referência. É fundamental que o governo atue de forma transparente e aberta ao diálogo com todos os atores envolvidos, buscando aprimorar a regulamentação do setor de saneamento básico em benefício de toda a sociedade e não de interesses de grupos específicos.

marco legal do saneamento

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JOTA

Ainda há um caminho a percorrer para a retomada da segurança jurídica no setor

O recuo do governo federal com a revogação dos decretos do saneamento

Ainda há um caminho a percorrer para a retomada da segurança jurídica no setor do saneamento básico depois da revogação de decretos