Kelly Durazzo

O direito imobiliário é um dos ramos da advocacia que mais avançou nos tribunais superiores nos últimos anos. Impulsionado pelo caos da crise gerada pela pandemia de Covid-19, o setor se viu obrigado a adotar inovações ao mesmo tempo em que questões fundamentais para a segurança jurídica de seus negócios têm sido resolvidas no Judiciário.
É o caso, por exemplo, da decisão recente do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) sobre contratos de aluguéis comerciais, na qual o tribunal reconheceu que é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador nesse tipo de contrato de locação. A decisão se deu na análise do RE 1.307.334 com repercussão geral.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, reconheceu que a possibilidade de penhora do bem não viola o direito à moradia do fiador, que exerce seu direito à propriedade ao oferecer seu imóvel como garantia contratual de livre e espontânea vontade, com plena consciência dos riscos decorrentes de eventual inadimplência no contrato de locação.
Essa decisão encerra a polêmica sobre a interpretação da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm">Lei 8.009/1990</a> que trata da impenhorabilidade do bem de família, mas autoriza a penhora em casos de imóveis dados como fiança em contratos de locação. Na prática, porém, nem sempre a penhora vinha ocorrendo, uma vez que a 1ª Turma do STF havia impedido a penhora do bem de família de um fiador em um contrato de locação comercial no julgamento do RE 605.709 e acabou dando impulso ao surgimento de ações em todo o país buscando a impenhorabilidade.
Agora, no julgamento do RE 1.307.334, o STF analisou um caso no qual o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tjsp">Tribunal de Justiça de São Paulo</a> (TJSP) manteve a penhora do único bem do fiador para quitação do aluguel comercial. Segundo o TJSP, não seria aplicável ao caso a decisão da 1ª Turma do STF de 2018. Por 7 votos a 4, o STF manteve a decisão do TJSP e fixou a tese a favor da penhora.
A decisão tem grande impacto para todo o setor imobiliário, mais especialmente para as micro e pequenas empresas à medida que se sabe que a fiança é a opção de garantia adotada na maioria desses contratos de aluguel. Se a tese fosse fixada no sentido contrário, ou seja, de não autorizar a penhora, essa opção seria naturalmente trocada nos contratos por situações mais onerosas como seguro fiança ou caução.
Outra questão que deverá ser enfrentada pelos tribunais superiores é se os contratos de venda de imóveis que possuem força de escritura pública, apesar de sua forma particular, com cláusula de alienação fiduciária em garantia — onde se transfere a propriedade resolúvel ao devedor fiduciante — devem ser pautados, em caso de desfazimento do negócio, pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou pela Lei 9.514/1997. O debate ocorrerá no âmbito dos recursos especiais (RE) 1.891.498 e 1.894.504 a serem analisados pela 2ª Turma do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça</a> (STJ), que estabeleceu o rito de recursos especiais repetitivos.
A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9514.htm">Lei 9.514/1997</a> dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e regulou o mecanismo de alienação fiduciária de bens imóveis com a consequente execução extrajudicial em casos de inadimplência. Ou seja, o financiamento é concedido, mas o imóvel é dado como garantia pelo pagamento da dívida. Em caso de inadimplência, o financiador pode executar extrajudicialmente o bem junto ao Registro de Imóveis e colocá-lo para leilão.
O STJ terá que decidir se nesses casos prevalece o artigo 53 do CDC ou as disposições contidas nos artigos 26º e 27º da Lei 9.514/1997. Normalmente quando o imóvel é levado a leilão, devem ser realizadas duas tentativas para arrematação do imóvel. Na primeira, é considerado o valor do imóvel estipulado em contrato. Caso não haja sucesso, é feito então um segundo leilão com apenas o valor da dívida e seus acréscimos, conforme parágrafos 1º e 2º do artigo 27 º da Lei 9.514/97. Ou seja, quando a arrematação ocorre na segunda rodada, normalmente não sobra nenhum valor para ser devolvido ao comprador e aqui começa a discussão no STJ.
Os compradores se sustentam no artigo 53 do CDC, que estabelece que é nula cláusula contratual que estipule perda total das prestações pagas pelo devedor e dessa forma exige a devolução parcial dos valores pagos. Já os bancos e financeiras argumentam que a Lei 9.514/1997 foi criada especificamente para normatizar a compra e venda de imóveis com garantia de alienação fiduciária e, por isso, seus artigos 26º e 27º devem se sobrepor ao CDC ao estabelecerem as regras da retomada do imóvel em caso de inadimplência do devedor fiduciante.
Fixar a tese com base na Lei 9.514/1997 é fundamental para dar segurança jurídica ao processo de financiamento imobiliário e, dessa forma, sustentar o desenvolvimento de todo o setor. É preciso que o STJ siga o exemplo do STF e não perca de vista tanto a intenção do legislador ao definir os critérios para resolução desse tipo de contrato bem como o impacto econômico que uma decisão dessas terá em todo o mercado imobiliário ao longo dos próximos anos.

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JOTA

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