Olavo Caiuby Bernardes

Em 2022, o ator norte-americano Johnny Depp ajuizou contra a atriz Amber Heard, sua ex-companheira, um processo de difamação, por matéria escrita<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Após um longo julgamento, o júri o premiou com danos compensatórios e punitivos (compensatory and punitive damages) na ordem de milhões de dólares, pelas alegações trazidas por Heard de ter sofrido violência doméstica durante o período que foi casada com o ator hollywoodiano. As alegações ocorreram em editorial aberto (Op-Ed), publicado pelo Washington Post, que tem sede no estado da Virginia, onde ocorreu o julgamento. Depp, ator conhecido sobretudo pela série Piratas do Caribe, e por sua contribuição próxima com o diretor Tim Burton, em filmes como Edward Mãos de Tesoura, A Fantástica Fábrica de Chocolate, e Alice no País das Maravilhas, perdeu diversos contratos lucrativos na área cinematográfica, como a série Animais Fantásticos, baseado na obra de JK Rowling, devido a essas alegações.
Recentemente, Heard anunciou que teria feito um acordo com Depp e não irá recorrer do veredicto da Justiça Estadual de Virginia (Virginia’s Trial Court), em troca de uma redução da compensação determinada pelo júri (jury award) para um milhão de dólares. Ambas as partes disseram querer seguir com suas vidas e focar em suas famílias e carreiras.
Um julgamento nos EUA é dividido em uma fase de peticionamento (pleading stage), em que as partes protocolam sua petição inicial (initial complaint) e petições de defesa e prequestionamento (motions, em inglês); uma fase pré-julgamento (pretrial stage), em que se dá o processo de conhecimento (discovery), e a busca dos fatos, com depoimentos gravados (depositions), entre outros; uma fase de julgamento (trial stage), com a escolha do júri, apresentação de provas como peritos (expert witnesses), testemunhos a favor do autor e réus, de réplica e impedimento (rebuttal e impeachment witnesses) – o que nos EUA se dá por um processo chamado de inquirição cruzada (Cross-examination) –, deliberação do júri e sentenciamento por um juiz, e uma fase pós-julgamento  (post-trial stage), quando após sentenciamento, podem haver petições para um novo julgamento/reconsideração por aquele tribunal (motions for new trial), ou apelação.
Faz-se importante ressaltar que o ônus da prova (burden of proof) para um processo de difamação (o que, naturalmente, inclui celebridades) é bastante elevado nos EUA. Nesse sentido, o querelante deve demonstrar, conforme estabelecido no famoso caso New York Times Company vs. Sullivan (1964), não apenas que o querelado agiu de forma imprudente, ou negligente quando publicou a informação, mas que ele ou ela sabia que a informação era falsa, e publicou mesmo assim (o chamado “patamar de malícia real” – actual malice standard).<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Isso dá bastante credibilidade à vitória de Depp, que recentemente apareceu em seu primeiro filme após essas alegações, no papel do Rei da França, Louis XIV, lançando no último Festival de Cinema de Cannes.
No entanto, usando como exemplo apenas esse caso, é muito interesse observar que os custos de tribunais nos EUA são muito altos, o que fazem que as partes pleiteantes eventualmente busquem um acordo em todas as etapas do tribunal, incluindo no pós-julgamento. Ademais, casos nos EUA são muito públicos e pleiteantes, sobretudo figuras públicas, que dependem da opinião pública, vão mais provavelmente buscar um acordo para fazer seu processo ficar sigiloso (to have the case records sealed). Ainda nesse sentido, interessante observar que em 2021, quando a atriz hollywoodiana Scarlett Johansson iniciou litígio contra o estúdio Walt Disney Inc., por quebra de contrato e danos pecuniários (breach of contract and damages), devido à perda de receita pela decisão daquela corporação de lançar o filme Viúva Negra diretamente no streaming em paralelo ao lançamento nos cinemas. A estratégia fez a atriz perder dezenas de milhões de dólares em bilheterias, em um acordo de divisão de lucros (profit share agreement), e o litígio terminou em acordo. A Disney, que é uma empresa listada na Bolsa de Valores, com acionistas, não gostaria alongar um processo que iria afetar seu valor de mercado. E Johansson não gostaria de passar a imagem de ser uma atriz não-confiável para outros estúdios ao seguir com litígio com um grande estúdio cinematográfico.
No contexto brasileiro, demandas jurídicas perante o Judiciário normalmente demoram anos (ou mesmo décadas) antes de serem exequíveis. O sistema de recursos no Brasil pode suspender a execução (halt the enforcement) de determinações judiciais por anos/mesmo décadas, antes que todos os recursos e petições possam ser exauridos em tribunais recursais e superiores, tanto em nível federal, quanto estadual, a exemplos dos TJs, TRFs, STJ e STF.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Isso, cumulado com uma verdadeira judicialização da política pós-Constituição de 1988, com temas desde remédios experimentais não aprovados pela Anvisa, até vagas em creche e universidades, terminando no Judiciário. O número de demandas ativas atingia seu pico em 2014 – portanto um ano antes da aprovação do Novo Código de Processo Civil de 2015 – NCPC/2015, que tentou resolver o assunto de precedentes vinculantes /jurisprudência (Case Law) – quando tribunais brasileiros enfrentaram cem milhões de processos pendentes de julgamento. De acordo com o último relatório de Justiça em Números, ao fim de 2022, havia um estoque de 77,1 milhões de casos pendentes de decisões perante tribunais no Brasil.
Observa-se que nos EUA e na maior parte dos sistemas jurídicos da União Europeia, o financiamento de litígio tem sido usado para segurar uma demanda particularmente custosa, tal como uma Ação Coletiva (Class Action) contra um agente econômico importante, dado todo o ônus da prova e custo geral do litígio (visto que todas as provas e perícia são suportadas diretamente pelas partes).  Ainda que o custo de litígio pese para o uso financiamento por terceiros, no Brasil, podemos perceber um fator mais relevante, que é o tempo para litigar. O tempo médio para uma demanda judicial ser resolvida no Brasil é de 8 anos, e mesmo que alguns processos possam ser ainda ser mais duradouros no Hemisfério Norte – demora-se entre 24 e 30 meses, após o processo de conhecimento, para serem decididos nos tribunais do estado norte-americano da Califórnia, por exemplo –, o acordo é altamente encorajado visto os custos de litígio (97% de todos os casos nunca vão para julgamento e são resolvidos na fase pré-julgamento).<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Recursos procrastinatórios, no Brasil, podem ser altamente benéficos em muitas situações, particularmente quando envolvem demandas com o governo.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Esse não é o caso nos EUA, visto os custos de julgamento, tais como testemunhas especializadas, perícia técnica, e publicidade envolvida. Por isso é vantajoso buscar um acordo, mesmo que na fase de pós-julgamento.
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<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nos EUA libel significa difamação por escrito, como no caso em voga, havendo leis estaduais antidifamação (state libel laws). No mais, a forma mais conhecido de medida cabível (available remedy), no direito norte-americano para compensar por referidas violações (injuries) é a compensação pecuniária, conhecida por damages, que nos EUA possuem diversas espécies, sendo os mais conhecidos, danos compensatórios (compensatory damages), para premiar uma parte lesada pelo prejuízo que veio a incorrer, como no caso de Depp danos à sua reputação e perdas de oportunidades profissionais, e danos punitivos (punitive damages), que visam punir a parte condenada, na esfera civil, por conduta de má-fé, improba, ou mesmo ilícita, conforme reconhecido por veredito de júri.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Oyez – New York Times Company vs. Sullivan (1964). Disponível em: &lt; <a href="https://www.oyez.org/cases/1963/39">https://www.oyez.org/cases/1963/39</a>&gt; (em inglês).</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O Novo Código de Processo Civil de 2015 estabelece dois efeitos para recursos, efeito suspensivo – suspendendo a execução de um julgamento, pendente de recursos –, e efeito devolutivo – permitindo a execução provisória de um julgamento, enquanto pendente de recursos –. Normalmente, recursos são recebidos com efeito suspensivo (Artigo 1.012, NCPC/2015).</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Referente a dados de tribunais norte-americanos, recomendamos o Federal Judicial Center – FJC,uma agência independente norte-americana, similar ao CNJ brasileiro. Disponível em: &lt;<a href="https://www.fjc.gov/">https://www.fjc.gov/</a>&gt;.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Um caso interessante em relação a esse assunto foi o contencioso envolvendo a Família Real Brasileira demandando compensação pela perda de propriedade real, após a Proclamação da República, em 1889. O processo foi ajuizado pela Princesa Isabel, ex-herdeira do trono em 1895, e durou 123 anos em tribunais, antes de ser decidido pelo STJ a favor do governo federal.</blockquote>

johnny depp amber heard

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JOTA

As vantagens de um acordo em comparação com o sistema brasileiro

O Caso Johnny Depp vs. Amber Heard e os custos do processo nos EUA

Júri estadunidense premiou Johnny Depp com danos compensatórios e punitivos por alegações trazidas por Heard