Gabriel Pinheiro Chagas

Tema enfrentado sempre com muita cautela nas licitações e contratações públicas, a desclassificação das propostas inexequíveis nos serviços de engenharia é vista com uma certa leniência por parte dos órgãos de controle e demais intérpretes da norma, que deixam de aplicar a regra objetiva identificada no artigo 48, II, §1, alíneas “a” e “b” da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm">Lei 8.666/93</a>, privilegiando uma flexibilidade ou uma presunção de exequibilidade em que, embora determinado licitante tenha ofertado preço 70% menor ao orçado pela administração ou abaixo da média aritmética prevista no texto, ainda assim poderá comprovar a exequibilidade de seu preço em vez de ser desclassificado do certame conforme a regra indicada em seu caput.
Exemplo dessa flexibilização não identificada no texto legal, a súmula 262 do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) estabelece que o critério definido no artigo 48, inciso II, §1º, alíneas "a" e "b", da Lei 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, esvaziando o caráter fechado da norma e conferido à Administração Pública certa discricionariedade para estabelecer novos critérios de apuração da exequibilidade da proposta, além de prolongar o exame da compatibilidade de preços com uma indesejada imprecisão em uma etapa que deve se pautar pela objetividade e pragmatismo.
Conquanto a redação da Lei 8.666/93 tenha sido deturpada no que concerne à inexequibilidade de preço, o princípio do julgamento objetivo da licitação impõe que a aplicação das disposições legais se dê sempre com vistas a observar aquela objetividade. O conceito de julgamento objetivo não deve existir apenas em questões formais como análise de documento ou fixação de requisitos em edital, pois é necessário também que a própria norma seja encarada dessa maneira.
A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm">Lei 14.133/21</a>, ao tratar da desclassificação das propostas inexequíveis, apresenta a mesma objetividade existente no texto anterior e até reafirma esse aspecto, já que retirou a intrincada hipótese prevista na alínea “a” do inciso II, §1, do artigo 48 do antigo texto<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e privilegiou a desclassificação apenas nos serviços de engenharia nos casos em que a proposta for 75% inferior ao valor orçado pela administração<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, tornando o cenário de desclassificação por inexequibilidade ainda muito mais preciso.
Uma breve comparação entre os dois textos indica que não há uma inovação quanto à hipótese de desclassificação por preço inexequível na nova lei. A Lei 14.133/21 não traz um critério inédito acerca desse tema, mas ainda assim apresenta uma importante contribuição para se resgatar a objetividade da norma, já que indica uma hipótese muito mais definida de desclassificação.
O novo texto, em seu artigo 59, III, §4º, é muito direto em determinar a desclassificação das licitantes que não atendam ao percentual mínimo indicado, de maneira que a sua melhor interpretação aponta que, nessas circunstâncias, a exclusão da proposta inexequível implica ato vinculado da administração, não lhe cabendo a faculdade de relativizar o diploma em nome de uma diligência ou alargamento da comprovação da exequibilidade.
A lei não condiciona a desclassificação a outros critérios a serem estabelecidos pela administração e tampouco reduz a inexequibilidade a uma presunção que pode ser desconstituída a partir de uma espécie de dilação probatória. O caráter taxativo e de aplicação imediata do diploma não pode ser mitigado ou até mesmo ignorado, já que isso permitiria o prosseguimento no certame de um preço já reputado como inexequível pela própria legislação.
Essa ideia se confirma se observarmos que um dos objetivos principais da nova <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-licitacoes">Lei de Licitações</a> é justamente evitar a contratação de preços inexequíveis<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e a paralisação de obras e serviços de engenharia, de maneira que a redação do artigo 59, III, §4º visa a dar concretude àquela disposição, bem como dar ao administrador o critério objetivo apto a afastar da contratação de serviços de engenharia as propostas inexequíveis.
Não se desconhece que a lei também traz a possibilidade de diligências e até mesmo positiva uma busca por menos formalismo, mas isso não pode configurar uma inobservância daquilo em que ela é taxativa e direta.
A previsão de diligência deve se dedicar às outras hipóteses de desclassificação apresentadas no artigo 59, mas não pode suplantar o caráter aritmético e objetivo da desclassificação por inexequibilidade do preço, que deve ter a sua essência preservada a bem de se cumprir os propósitos do texto no que concerne à contratação de proposta exequível.
A consolidação da ideia de presunção relativa muito difundida e implementada durante a vigência da Lei 8.666/93 esvaziou o conceito de inexequibilidade e tornou inócua a disposição de desclassificação das propostas extremamente baratas, bem como comprometeu a aplicação prática do julgamento objetivo.
Ainda que a Lei 14.133/21 não tenha inovado nessa matéria, a alteração legislativa que reafirma essa obrigatoriedade nos dá a oportunidade e as condições para que essa disposição seja interpretada e aplicada da forma como o texto legal estabelece: com a desclassificação por inexequibilidade das propostas cujos valores forem inferiores a 75% do valor orçado pela Administração.
O resgate desse ponto central da lei é fundamental para que tenhamos contratações públicas efetivamente vantajosas, sem o risco de que contratações demasiadamente atrativas do ponto de vista financeiro se transformem em barreiras para a boa execução dos contratos de obra e serviços de engenharia.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Súmula 262 do Tribunal de Contas da União. Disponível em: <a href="https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A25753C20F0157679AA5617071&amp;inline=1">https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A25753C20F0157679AA5617071&amp;inline=1</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Art. 48, II, §1º, alínea “a” da Lei 8.666/93: Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% do menor dos seguintes valores: a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela administração
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>Art. 59 da Lei 14.133/21: Serão desclassificadas as propostas que: III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação; §4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% do valor orçado pela administração.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Art. 11, inciso III da Lei 14.133/21: “O processo licitatório tem por objetivos: evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos".

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JOTA

Lei 14.133/21 apresenta uma importante contribuição para se resgatar a objetividade da norma

Nova Lei de Licitações e a inexequibilidade nos serviços de engenharia

Nova Lei de Licitações traz importante contribuição para se resgatar a objetividade do conceito de inexequibilidade na engenharia