Eduardo Molan Gaban

O Governo Federal declarou recentemente intenção de privatizar 17 empresas estatais, dentre elas a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – a ECT. Em louvável iniciativa capitaneada pelo Ministério da Economia (ME), busca-se recuperar décadas de decisões equivocadas na relação entre Estado e economia.
Atua-se em várias frentes ao mesmo tempo: i) pela diminuição dos gargalos burocráticos, ii) aumento de transparência e da eficiência estatal, iii) ampliação da liberdade econômica e iv) adequação do papel do Estado. A ECT se encaixa perfeitamente nesse plano: com faturamento de mais de R$ 18 bilhões em 2018 e prejuízos bilionários no último quinquênio. O melhor caminho é privatizar.
Todavia, é bom se ter cuidado. Dois são os principais problemas da ECT, o monopólio postal e a gestão política. O monopólio elimina os incentivos à inovação e gera um custo econômico e social sem precedentes, o deadweight loss da teoria econômica (no caso da ECT, estima-se mais de R$ 1 bilhão ao ano).
O monopólio postal distorce a concorrência nos mercados de transporte, armazenagem e adjacentes (com R$ 256 bilhões de faturamento, em 2018, segundo o Boletim Economia em Foco da Confederação Nacional do Transporte). A atuação da ECT com o pacote “monopólio + subsídios cruzados” retarda e até elimina o potencial do setor de crescer, inovar e gerar oportunidades de trabalho.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque! 
</a></li>
</ul>
O controle político viabiliza o mau uso da estatal. Exemplos não faltam nesse sentido, a começar pelo famigerado caso do “mensalão” (Ação Penal 470/MG), cujo estopim decorreu de uma gravação de um vídeo envolvendo pagamento de propina para um funcionário da ECT. Diante de situações similares em outras jurisdições, a OCDE publicou em 1999 o estudo Promoting Competition in Postal Services. 
O estudo concluiu que a combinação de monopólio legal e controle estatal é o problema. Privatizando-se, eliminam-se os desvios de finalidade, porém preservam-se os incentivos ao comportamento econômico abusivo, já que este decorre da blindagem à livre concorrência pela reserva legal de mercado e da prática de subsídios cruzados (dos mercados reservados para os livres). A solução: eliminar o monopólio postal e privatizar.
<blockquote class="jota-article__eye">A OCDE acertou. Na Europa, onde surgiu o mercado postal, há provas disso.</blockquote>
O conceito de serviço público para envio de documentos desenvolveu-se, gradualmente, com o desenvolvimento da Europa após a Idade Média. No Século XII, papéis de baixo custo (em substituição ao pergaminho) passaram a ser utilizados. Mercadores venezianos empreendedores, do Século XIV, organizaram um sistema privado de courier para entregar documentos comerciais, ampliando a cobertura de seus serviços para as regiões no interior da Alemanha.
Após muitos anos de repressão, observou-se, no período renascentista, o ressurgimento de trocas de ideias acadêmicas e científicas. Monastérios e universidades, como a Universidade de Paris, passaram a contar com seus próprios sistemas de mensageiros. No Século XV, a disseminação de ideias experimentou uma aceleração em razão da invenção da impressora por pressão com fontes móveis (printing press with movable type). Os primeiros Estados nacionais emergiram durante os Séculos XV e XVI, como França e Inglaterra.
Como parte do processo de consolidação de suas autoridades estatais, as monarquias buscaram eliminar os serviços privados de mensageiros, especialmente os internacionais, passando a adotar o sistema de monopólio postal estatal. Ao mesmo tempo, para viabilizar e apoiar o comércio, serviços estatais de courier (antes de utilização exclusiva por parte dos reis) passaram a ser abertos à utilização privada.
Em razão desse nível de relevância, as empresas estatais de correios chegaram aos anos de 1950 com extrema força política e importância estratégica até que, com a assinatura e implementação do Tratado de Roma (em 1957), passaram a enfrentar questionamentos sobre seu propósito de existência, sobre a necessidade de se preservarem estatais e, principalmente, sobre a pertinência de se manterem protegidas da concorrência por uma reserva legal de mercado. O debate se intensificou nos anos 1980 com a evolução das tecnologias no ramo de telecomunicações, como o telex e o telefone. Em 1989, inaugurou-se o movimento de eliminação do monopólio postal na Europa.
Em dezembro de 1989, a divisão antitruste da Comissão Europeia (CE) analisou um caso de ampliação dos limites do monopólio legal para serviços postais na Holanda, por meio de uma lei nacional de 1988 e de modo a abranger o mercado de express mail (até então aberto à livre concorrência). Caso CE v. Kingdom of Netherlands - PTT Post BV– 90/16/EEC. 
Decidiu-se que referida lei holandesa era incompatível com o Artigo 90(1) e com o Artigo 86, ambos do Tratado de Roma. Basicamente, a lei holandesa contestada pela CE previa que, a partir de dezembro de 1988, seria reservada à PTT Post BV (estatal holandesa de correios) a coleta, transporte e distribuição de itens postais expressos (express mails), com peso de até 500 gramas, e cujos preços não excedessem 5,62 euros (para destinos em Estados-membros) e 8,68 euros (para destinos em terceiros países não integrantes da UE).
Além disso, aqueles agentes privados que pretendessem permanecer no mercado de express mail na Holanda deveriam registrar anualmente suas tarifas perante a autoridade holandesa e deveriam prestar um serviço de qualidade superior à PTT Post BV.
<blockquote class="jota-article__eye">De 1989 até dezembro de 2012, a UE enfrentou abertamente a questão em todas as suas dimensões (jurídica, econômica e política).</blockquote>
Como resultado dos vários litígios e da aplicação das Diretivas do Parlamento e Conselho da União Europeia 97/67, 2002/39 e 2008/06, a UE conseguiu eliminar mais de 95% das reservas legais de mercado (os monopólios postais) em toda a Europa e ver a quase totalidade das empresas estatais de correios passar por um profundo processo de privatização e profissionalização. Resultado: hoje as maiores, mais eficientes e lucrativas empresas de logística globais são europeias.
O mais interessante: durante esses pouco mais de 23 anos, evidenciou-se os principais entraves à aplicação do Tratado de Roma (1957) e, posteriormente, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (2009). 1º. monopólio postal, utilizado como meio de eliminação da concorrência em mercados adjacentes ao tradicional transporte de cartas. 2º. o controle político das empresas estatais de correios, utilizado para desvios de finalidades.
É da biologia o conceito mais representativo da real função do monopólio postal desde os anos 1990 até os dias atuais: a fagocitose. O pretexto usual das estatais de correios para preservar e sempre ampliar o monopólio postal para novos mercados era a custosa e quase sagrada missão de universalizar o serviço postal. Uma falácia. Na verdade, isso não garantiu a universalização, mas viabilizou a “fagocitose” de novos mercados (como o express mail, na Holanda) ou de novas de tecnologias (como o hybrid mail, espécie de e-mail seguido de impressão, no caso CE v. Slovenská Postá, em 2008).
<blockquote class="jota-article__eye">De volta ao Brasil, é importante privatizar a ECT. Assim se eliminará parte do problema: a “doença política”. Agora, é fundamental eliminar-se também a “doença econômica”.</blockquote>
Nesse sentido, há um Projeto de Lei (PL) Nº 4110/2019 em trâmite na Câmara dos Deputados que busca alterar a Lei Nº 6538/1978. O Brasil tem pressa. Para curar o paciente, é preciso eliminar totalmente a doença, tanto parte política quanto parte econômica.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O Brasil tem pressa. Para curar o paciente, é preciso eliminar totalmente a doença, tanto parte política quanto parte econômica

Monopólio postal estatal: um mal desnecessário

O Brasil tem pressa. Para curar o paciente, é preciso eliminar totalmente a doença, tanto parte política quanto parte econômica