Elise Calixto

Valério Salgado

No último dia 2 de agosto, foi sancionada a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14948.htm">Lei 14.948/2024</a>, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/hidrogenio-verde">Marco Legal do Hidrogênio</a>). Em que pese o recente aumento do interesse nacional e internacional sobre esse produto, o debate em torno do hidrogênio como vetor energético de baixo carbono surge no Brasil em meados de 2018.
A atividade legislativa para criação de um marco legal voltado para o desenvolvimento dessa indústria iniciou-se em 2022, com a apresentação do primeiro Projeto de Lei sobre o tema. Mas foi somente a partir do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/161391">PL 2308</a>, apresentado em abril de 2023 na Câmara de Deputados, que o tema voltou à pauta prioritária do Legislativo, sendo finalmente aprovado no último dia 11 de julho.
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O Marco Legal do Hidrogênio prescreve a observância de princípios como neutralidade tecnológica na concessão de incentivos, fomento à competitividade do hidrogênio como agente de descarbonização e previsibilidade para regulamentos e acordos a serem celebrados e servirá de base para o desenvolvimento dessa indústria no Brasil.
Tradicionalmente utilizado como insumo nas indústrias de fertilizantes, metalúrgica, alimentícia e de bebidas, dentre outras, e mais recentemente como parte da cadeia de transporte de energia renovável, o hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus compostos derivados deverão desempenhar papel importante no enfrentamento da mudança climática e na descarbonização da atividade econômica.
Para tal fim, o Marco Legal do Hidrogênio dispõe sobre os derivados de hidrogênio (produtos de origem industrial que utilizam hidrogênio em seu processo produtivo) e também sobre os chamados “carregadores de hidrogênio” (substâncias que conduzem hidrogênio para fins de transporte e armazenagem, liberando-o em sua forma original no local de destino).
Na prática, isso permitirá que a política estabelecida contemple desde o aproveitamento das fontes energéticas renováveis como eólica e solar, como também as atividades de transporte, armazenamento e uso eficiente em mercados ou atividades eletrointensivas.
<h3>Taxonomia do hidrogênio</h3>
Compreendida a relevância econômica do hidrogênio, é necessário também definir o vetor e identificar seu processo produtivo. Para isso, o Marco Legal do Hidrogênio introduz uma classificação do produto considerando a cadeia produtiva e o nível de emissões de gases de efeito estufa (GEE):
<ul>
<li>(a) Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono: hidrogênio combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas e de processos que resultem em emissões de GEE inferiores a 7 kgCO2eq/kgH (quilogramas de dióxido de carbono equivalente por cada quilo de hidrogênio), no ciclo de vida;</li>
<li>(b) Hidrogênio Renovável: Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis, incluindo o hidrogênio produzido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis, bem como hidrogênio eletrolítico, produzido por eletrólise da água, usando energias renováveis, tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo Poder Público; e</li>
<li>(c) <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/hidrogenio-verde">Hidrogênio Verde</a>: hidrogênio produzido por meio da eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis.</li>
</ul>
Segundo artigo publicado pelo World Resources Institute, a produção de hidrogênio a partir de combustíveis fósseis chega a emitir entre 9 e 12 kgCO2eq/kgH, e anualmente são produzidos cerca de 90 milhões de toneladas de hidrogênio provenientes de fontes fósseis.
A definição desse limite de emissão de GEE foi inclusive um dos primeiros pontos de discussão, tendo em vista que no texto original o limite estabelecido era de 4 kgCO2eq/kgH. O aumento do parâmetro de classificação, feito no Senado com anuência no Ministério de Minas e Energia, de fato permite a utilização de outras fontes de energia no processo produtivo, tal como o etanol, por exemplo, mas não impede a valoração diferenciada de processos mais limpos quando da certificação e concessão dos incentivos.
Além disso, é interessante notar que o texto legal prevê a possibilidade de revisão da escala de emissões para o Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono a partir de 31/12/2030. Trata-se de uma técnica legislativa apropriada para que o desenvolvimento tecnologia não fique engessado pelo texto da lei, dando oportunidade para que o regulador revise parâmetros com a evolução dos projetos.
<h3>Regulação</h3>
Além disso, o Marco Legal do Hidrogênio prevê que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anp">ANP</a>) será a principal responsável pela regulação, cabendo a ela autorizar as atividades de exploração e produção de hidrogênio, assim como as atividades envolvidas na armazenagem, movimentação, comercialização nacional e internacional do hidrogênio, seus derivados e carregadores.
Importante destacar que, em todos os casos, a autorização só poderá ser obtida por empresas ou consórcios de empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil.
Considerando a transversalidade do processo produtivo do hidrogênio e o aproveitamento para diversas indústrias, será necessária certa articulação entre a ANP e outras entidades, em especial a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) na etapa de fonte energética e de conexão dos produtores de hidrogênio, enquanto consumidores eletrointensivos, ao sistema de transmissão de energia.
<h3>Certificação</h3>
O Marco Legal do Hidrogênio também institui o Sistema Brasileiro de Certificação de Hidrogênio (SBCH2), de adesão voluntária pelos produtores de hidrogênio.
A certificação do SBCH2 atestará a intensidade de emissões de GEE na produção do hidrogênio nacional, baseada no Padrão Brasileiro para Certificação de Hidrogênio, a ser criado por meio de regulamento, para garantir a integridade ambiental e evitar a dupla contabilização.
A certificação, juntamente com a abundância de recursos energéticos renováveis brasileiros, permitirá a inserção do hidrogênio de baixa emissão de carbono produzido nacionalmente em mercados com alta demanda por ativos de descarbonização da matriz energética.
Um destes mercados, a União Europeia, vem adotando como parte do pacote de medidas para a redução das emissões de GEE em 55% até 2030, o Pacote Fit for 55, ações como expansão do Sistema de Comércio de Emissões e quotas de hidrogênio verde, expandindo assim sua demanda pelo hidrogênio que poderá ser produzido a partir de recursos renováveis brasileiros.
Visando alcançar estes mercados o Marco Legal do Hidrogênio determina que a autoridade reguladora do SBCH2 deverá prever mecanismos de interoperabilidade e de harmonização com padrões internacionais.
<h3>Incentivos</h3>
Além da definição legal regulação e regras de certificação, o estímulo à produção e comercialização do hidrogênio dependia, como toda tecnologia em fase de desenvolvimento, do estabelecimento de incentivos para garantir a competitividade do produto brasileiro frente a outros mercados que já haviam criados benefícios para essa indústria.
Um dos benefícios introduzidos pelo Marco Legal do Hidrogênio é o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), que permitirá a habilitação de produtores de hidrogênio de baixa emissão de carbono, para usufruírem da suspensão de exigibilidade do PIS/Cofins e PIS/Cofins-Importação na aquisição de bens e serviços para utilização e incorporação aos ativos associados à produção do hidrogênio, de forma similar ao que ocorre com projetos habilitados no Reidi.
Também de forma similar, a lei prevê que o Rehidro possibilitará a coabilitação de projetos auxiliares à indústria de hidrogênio de baixo carbono, sendo aqueles destinados (a)ao acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de hidrogênio; (b) à geração de energia renovável utilizada na produção de hidrogênio; e (c) à produção de biocombustíveis utilizados para a produção de hidrogênio.
A lei determina que o regulamento do Rehidro, a ser editado pelo Poder Executivo, deverá estabelecer critérios de percentual de conteúdo local e de investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Esses critérios se alinham aos princípios e objetivos consagrados na lei, como aproveitamento da infraestrutura existente, fomento à pesquisa e desenvolvimento, preservação do interesse nacional, valorização das vocações econômicas nacionais, ampliação do mercado de trabalho, agregação de valor a produtos nacionais e incentivo à cadeia nacional de suprimentos de insumos e equipamentos para a produção de hidrogênio.
Considerando-se que os incentivos tributários do Rehidro terão vigência de cinco anos, a partir de 1º de janeiro de 2025, espera-se que a habilitação e coabilitação sejam regulamentadas pela Secretaria da Receita Federal até o fim de 2024, a fim de evitar discussões sobre a efetivação desse direito.
Os projetos beneficiados pelo Rehidro também poderão ainda optar pela emissão de debêntures incentivadas conforme o artigo 2º da Lei 12.431/2011. Assim, a captação de recursos por meio da emissão de debêntures terá alíquota 0% e 15% do imposto de renda, em rendimentos auferidos por pessoas físicas e jurídicas, respectivamente.
Outro incentivo previsto no projeto de lei que deu origem ao Marco Legal do Hidrogênio era a criação do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), com o objetivo de constituir fonte de recursos para a concessão de créditos ficais da ordem de R$ 18,3 bilhões de 2028 a 2032 incidente sobre a produção ou aquisição de hidrogênio de baixa emissão de carbono e derivados.
No entanto, os artigos correspondentes a esse incentivo foram vetados quando da sanção do Presidente, devido a uma aventada indefinição quanto à natureza e origem dos recursos.
Não obstante, após um acordo entre os Poderes Executivo e Legislativo, foi apresentado, na mesma data da sanção presidencial ao Marco Legal do Hidrogênio, um novo texto na Câmara dos Deputados que tramita sob regime de urgência como o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/165022">PL 3027/2024</a>, no âmbito do qual constam novamente os dispositivos de criação do PHBC, estabelecendo que o incentivo assumirá a forma de créditos fiscais sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). 
Conforme previsto anteriormente, os projetos elegíveis ao benefício do PHBC deverão contribuir com ao menos um dos seguintes requisitos: (a) contribuição na mitigação e adaptação à mudança do clima, (b) contribuição ao desenvolvimento regional, (c) estímulo ao desenvolvimento e difusão tecnológica, e (d) diversificação do parque industrial brasileiro.
De acordo com o texto que já foi aprovado na Câmara e aguarda votação em regime de urgência no Senado, dentre os objetivos do PHBC, foram incluídas metas objetivas de desenvolvimento e suporte à descarbonização de setores industriais específicos e de transporte pesado.
Estes incentivos deverão beneficiar diretamente parcerias já firmadas e novos projetos. Vale lembrar que o Governo do Ceará já firmou mais de 30 memorandos de entendimento para o desenvolvimento de plantas de produção de hidrogênio verde no complexo do Pecém.
Dentre os projetos destacados se encontram a produção de 30 mil toneladas de hidrogênio por ano a partir da eletrólise pela Eneva, Siemens Energy e Cegás; 100 mil toneladas de hidrogênio verde por ano pela Fortescue; e 20 mil toneladas de hidrogênio a partir da geração solar pela TotalEnergies, EDP Renewables e Petrobras.
Em Pernambuco foi firmado acordo entre White Martins e Eletrobras para a produção de hidrogênio verde integrada à infraestrutura portuária do complexo de Suape. Outros estados que despontam como pioneiros no setor são Bahia, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo – este último receberá uma planta de hidrogênio verde da White Martins para uso na produção de vidros da Cebrace.
<h3>Conclusão</h3>
A adoção de políticas voltadas ao hidrogênio de baixo carbono vem se destacando como consenso global. Nos Estados Unidos, o Inflation Reduction Act (IRA) de 2022 estabeleceu incentivos na esfera federal para projetos de hidrogênio verde por meio de extensão de créditos fiscais existentes ou a criação de novos créditos fiscais
Na União Europeia, o European Hydrogen Bank, criado em 2022 para viabilizar investimentos em projetos de hidrogênio verde, aprovou em abril de 2024 a primeira leva de investimentos, totalizando € 720 milhões para sete projetos regionais.
Na China foram anunciados, apenas no primeiro trimestre de 2024, 83 projetos de hidrogênio verde, totalizando um investimento estimado em cerca de 600 bilhões de yuans (US$ 83,75 bilhões).
Assim, a edição do Marco Legal do Hidrogênio representa um avanço inquestionável para a indústria brasileira na medida em que estabelece as bases e oferece a segurança jurídica necessárias para a concretização dos primeiros investimentos nessa tecnologia.
Não obstante, trata-se de um primeiro passo que dependerá de regulação e regulamentação efetivas, que se implementadas de acordo com as diretrizes legais poderão consolidar a posição do Brasil no cenário global como protagonista nas ações de descarbonização da economia por meio da produção do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono.

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JOTA

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