André Luiz Maluf

No final do mês de abril o Procurador Geral da República protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal Representação por intervenção federal (<a href="http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=5177832">IF 5.215</a>) em virtude das condições de funcionamento do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Com a <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=342347">liminar concedida pelo Min. Luiz Fux na ADI 5.698</a> que suspendeu a eficácia do art. 76-A, § 3º, da Lei Complementar nº 63/1990 do Estado, <a href="http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=347032">a Presidente do STF Min. Cármen Lúcia decidiu aguardar o desfecho da Ação Direta antes de decidir a intervenção</a>. Assim, determinou o sobrestamento da Intervenção Federal 5.215 “pelas graves consequências que dele podem advir ao sistema federativo.”
Não é novidade afirmar que a ocorrência de uma intervenção federal é comumente obstaculizada por questões institucionais: a sua decretação inviabiliza a aprovação de emendas à Constituição, o que inexoravelmente prejudica a agenda de reformas governamentais. Apesar das sérias consequências federativas, a possibilidade de uma eventual Intervenção federal não deve ser desconsiderada sob o argumento da preservação da estabilidade institucional.
O instituto possui previsão constitucional e, embora seja essencial uma grande dose de parcimônia na sua utilização, deve ser encarado como um remédio amargo, porém necessário em algumas hipóteses.
Nessa linha, tendo em vista o ineditismo das circunstâncias, não há na literatura jurídica comentários acerca dos limites de atuação do Congresso para aprovação de emendas constitucionais no caso de eventual decretação de intervenção federal.
O Processo legislativo de emendas à Constituição é dividido em quatro fases: i) propositura (art. 60, caput); ii) discussão e votação (art. 60, §2º); iii) aprovação (art. 60, §2º, parte final);e iv) promulgação pelas Mesas da Câmara e do Senado (art. 60, §3º).
A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (art. 60, §1º). Trata-se de limitação circunstancial prevista pelo Constituinte originário. Desde a Constituição de 1934 (art. 178, §4º) existem limitações circunstanciais nesse sentido. As Cartas de 1946 (art. 50, §2º), 1967 (art. 50, §2º) e 1969 (art. 47, §2º) mantiveram a tradição<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Consta nos <a href="http://www.senado.gov.br/publicacoes/GeneseConstituicao/pdf/genese-cf-1988-1.pdf">anais da Assembleia Nacional Constituinte</a> que a previsão dessa limitação circunstancial se fez presente durante todos os trabalhos, ocorrendo apenas uma singela reorganização das três hipóteses mencionadas entre o Substitutivo 2 (18/09/87) – Comissão de Sistematização, e o Projeto           A (24/11/87) – Plenário (início do 1º turno), de modo que a intervenção federal passou do final do dispositivo para o início.
A princípio, por meio de uma interpretação literal do texto do §1º do art. 60, seria possível afirmar que a Constituição de 1988 impede a promulgação de Emendas naquelas situações excepcionais, mas seria perfeitamente viável a deliberação, votação e aprovação pelo Congresso acerca de eventual Proposta de Emenda à Constituição – PEC, já que a Carta afirma que ela “não poderá ser emendada”, o que leva a crer que a vedação seria restrita ao ato final de promulgação. Em outras palavras: as fases de deliberação, votação e aprovação legislativa de PEC durante o período de intervenção federal, estado de sítio ou de defesa seriam possíveis, entretanto, a Constituição proibiria a sua promulgação pelas Mesas do Senado e da Câmara.
Não parece que esta tenha sido a intenção do Constituinte.
Analisando os anais já mencionados, verificamos que nos debates da Subcomissão do Poder Legislativo (pág. 163) envolvendo Emendas à Constituição na vigência de intervenção federal, foi dito pelo Constituinte Lúcio Alcântara categoricamente que “é bem provável que o Congresso não esteja em condições de deliberar sobre uma emenda constitucional” nessa situação.
A limitação circunstancial objetiva, sob um olhar teleológico, a proteção da integridade do texto constitucional em um momento de excepcionalidade institucional. Não são raras as manobras legislativas perpetradas com o objetivo de aprovar medidas antipopulares. No caso de uma intervenção federal a fragilidade é ainda mais evidente, o que justificaria um juízo restrito da atuação do legislativo. Seria perfeitamente factível uma burla à proteção buscada pelo Constituinte através de deliberação, votação e aprovação feita pelo Congresso durante aquele momento de excepcionalidade, com posterior promulgação pelas Mesas após o fim da intervenção.
Entendemos, portanto, que no caso de eventual intervenção federal o Congresso ficaria até mesmo impossibilitado de deliberar sobre Propostas de Emenda à Constituição.
Poder-se-ia argumentar que existem situações excepcionais que exigiriam uma atuação do Congresso no sentido de emendar à Constituição em momentos de crise durante a vigência da intervenção federal. Entretanto, não parecem existir situações mais excepcionais do que aquelas previstas para o estado de sítio (comoção grave de repercussão nacional; declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira) e para o estado de defesa (grave e iminente instabilidade institucional; calamidades de grandes proporções na natureza), sendo estas previstas pelo Constituinte também como hipóteses onde incide a limitação circunstancial.
Por isso, não há que se admitir qualquer exceção que permita sequer a deliberação durante a vigência da intervenção. O mesmo se aplica para os casos de estado de sítio e de defesa.
Em outro viés, não parece que a propositura de proposta de emenda à constituição viole o comando constitucional, desde que não haja andamento da PEC em comissões e que não sejam praticados os demais atos formais do processo legislativo que possam a vir a ser maculados pelo período de excepcionalidade.
Caso o Supremo Tribunal Federal venha a se debruçar sobre o tema é importante que pondere aquilo que foi desejado pelo Constituinte em detrimento de possíveis investidas do Executivo e do Legislativo que certamente apelarão no sentido do engessamento da deliberação solicitando a abertura dessa possibilidade para algumas hipóteses.
O consequencialismo judicial com saídas criativas será sempre sedutor, todavia, assim como na jornada de Ulisses, a interpretação da Constituição mais consentânea com o espírito do Constituinte é o mastro no qual o intérprete deve se agarrar para resistir ao canto das sereias.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>* Agradeço ao caro amigo Matheus Meott Silvestre pelo debate e pertinentes colocações sobre o tema.
[1]SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte : Fórum, 2012, p. 237.

15519477167_1575063ded_k

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A denúncia da PGR e o processo legislativo

Limites da atuação do Congresso na intervenção federal

A denúncia da PGR e o processo legislativo