Fernanda Manzano Sayeg

Medidas climáticas e de sustentabilidade adotadas recentemente pela União Europeia poderão impedir a entrada de exportações brasileiras nos países do bloco ou, no mínimo, encarecê-las.
No último dia 16 de maio, foi publicado o Regulamento UE 2023/956, que instituiu o Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CBAM">CBAM</a>). Em 9 de junho, foi publicado o Regulamento UE 2023/1115, que proíbe a comercialização, importação e exportação de determinados produtos derivados de áreas de desmatamento e/ou degradação ambiental nos países do bloco (Lei Antidesmatamento).
Tanto o CBAM quanto a Lei Antidesmatamento integram o “Green Deal”, conjunto de políticas da União Europeia que objetiva zerar as emissões de gases de efeito estufa nos países do bloco até 2050.
O CBAM, que tem como objetivo diminuir as emissões de carbono pelos países da União Europeia, estabeleceu regras para as importações de mercadorias, com o objetivo de equiparar o tratamento dos produtos fabricados no bloco aos países com políticas ambientais menos rígidas. A partir de 2026, os produtos exportados para os países da UE deverão adquirir certificados cujos preços serão baseados no fechamento médio semanal das negociações das licenças de emissões (preço médio semanal do leilão de permissões do ETS, em €/tonelada de CO2 emitido). Os importadores também deverão declarar anualmente a quantidade de bens importados no ano anterior e as emissões incorporadas a eles, além de entregar o número correspondente de certificados.
Inicialmente, apenas as seguintes indústrias intensivas em energia estão sujeitas ao CBAM: cimento, ferro, aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogênio. Acredita-se que, progressivamente, novas indústrias serão incluídas nessa lista.
Uma importante questão que ainda está longe de ser resolvida consiste no funcionamento do sistema e as regras para o cálculo do carbono em produtos com emissão indireta (relacionadas às emissões produzidas pela eletricidade consumida na produção de determinado bem) serão oportunamente definidas pela Comissão Europeia.
A Lei Antidesmatamento determina que, a partir de 2025, apenas poderão ingressar livremente nos países do bloco europeu produtos originários de terras que não foram desmatadas após 31 de dezembro de 2020 (“produtos livres de desmatamento”). Desse modo, produtos originários de áreas desmatadas terão sua comercialização proibida no bloco, incluindo aqueles que são fabricados com essas commodities.
Os seguintes produtos foram apontados como sendo presumidamente originários de áreas de desmatamento terão seu ingresso proibido na União Europeia: óleo de palma, madeira, café, cacau, carne bovina, borracha e soja, bem como produtos fabricados com essas commodities (como móveis, cosméticos e chocolates). A lista de produtos deve ser revisada e atualizada regularmente, levando em consideração novos dados e mudanças nos padrões de desmatamento.
Um aspecto importante da Lei Antidesmatamento consiste no estabelecimento de um sistema de benchmarking para cada país, que poderá implicar em tratamento diferentes aos países, de acordo com critérios estabelecidos unilateralmente. A Comissão Europeia determinará o nível de risco dos países – alto, médio ou baixo – em razão do grau de desmatamento e degradação florestal, da expansão do uso de terras nas principais commodities e das tendências observadas, com base nos dados disponíveis, alertas de ONGs e outras de fontes.
O CBAM e a Lei Antidesmatamento europeia terão um grande impacto nas exportações brasileiras para a União Europeia, já que a pauta das exportações brasileiras para o bloco inclui várias das commodities mencionadas como proibidas. Estima-se que apenas a Lei Antidesmatamento tenha potencial de impactar em 80% das exportações do agronegócio brasileiro ou 40% do total das exportações para a UE, somando US$ 14,5 bilhões de vendas em 2021 para o bloco<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Acredita-se que as principais consequências da nova legislação serão a proibição de ingresso de diversos produtos exportados do Brasil para o território europeu, já que a Amazônia e o Centro-Oeste poderão ser consideradas como regiões desmatadas para fins do regulamento europeu, bem como o encarecimento do valor do produto exportado do Brasil para a União Europeia, visto que o ônus da prova é do produtor, especialmente para o pequeno e médio produtor.
Ademais, haverá redução ou proibição na concessão de crédito aos exportadores dos produtos mencionados nos Regulamentos ou que utilizam em seu processo produtivo os produtos cujo ingresso será proibido. Em 30 de maio, grandes bancos brasileiros anunciaram um protocolo de autorregulação para a concessão de crédito a frigoríficos e matadouros, com o objetivo de combater o desmatamento na Amazônia. A partir de 2025, os bancos passarão a exigir de seus clientes o rastreamento total da cadeia, para que seja comprovada a não aquisição de gado proveniente de áreas de desmatamento, tanto de fornecedores diretos quanto de fornecedores indiretos<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Outro efeito indireto é o desvio de comércio, já que os operadores interessados em evitar os pesados encargos de conformidade teriam um incentivo para reduzir o comércio com países considerados de "alto risco".
As empresas brasileiras que utilizam em sua cadeia produtiva os commodities cuja entrada será proibida deverão comprovar que os mesmos não são fabricados em áreas desmatadas ou com degradação ambiental. Entre as medidas que precisam ser tomadas, encontram-se:
<ul>
<li>Coletar informações geográficas precisas sobre as terras agrícolas onde as commodities foram cultivadas. O uso de coordenadas de geolocalização é uma maneira mais simples e econômica de obter as informações necessárias para que as autoridades europeias possam verificar se os produtos estão livres de desmatamento e desflorestamento;</li>
<li>Demonstrar que os produtos exportados ou seus insumos foram produzidos de acordo com todas as leis relevantes aplicáveis em vigor no país de produção;</li>
<li>Apresentar uma declaração de due diligence<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, atestando que as mercadorias importadas cumprem as exigências determinadas na nova legislação europeia; e</li>
<li>Confirmar sua conformidade com a regulamentação relevante do país de produção, incluindo aquelas voltadas a direitos humanos e à garantia de respeito à população indígena afetada, inclusive por meio de consentimento livre, prévio e informado.</li>
</ul>
Empresas que já estão alinhadas com a agenda de compliance ambiental certamente terão maior facilidade de continuar exportando para a União Europeia. As empresas que ainda não são sustentáveis devem adotar medidas para contribuir com as políticas públicas para evitar o desmatamento e a degradação florestal o mais rapidamente possível.
Não há dúvidas que esse processo será financeiramente oneroso e de difícil implementação. Não obstante, representará uma grande vantagem competitiva em relação aos concorrentes em outros países não conseguirem cumprir com as exigências.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide <a href="https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/assis-moreira/coluna/brasil-critica-na-omc-medidas-unilaterais-da-uniao-europeia.ghtml">https://valor.globo.com/google/amp/opiniao/assis-moreira/coluna/brasil-critica-na-omc-medidas-unilaterais-da-uniao-europeia.ghtml</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://exame.com/esg/bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/?utm_source=crm&amp;utm_medium=email&amp;utm_campaign=newsletter-esg_conteudo-news_bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/&amp;utm_term=n/a&amp;utm_content=n/a">https://exame.com/esg/bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/?utm_source=crm&amp;utm_medium=email&amp;utm_campaign=newsletter-esg_conteudo-news_bancos-apertam-cerco-a-desmatamento-com-o-que-e-mais-importante-no-esg-criterio/&amp;utm_term=n/a&amp;utm_content=n/a</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Três etapas serão necessárias para a implementação adequada das regras de due diligence, a saber: (i) Coleta de informações e documentos; (ii) Avaliação de riscos ("Risk assessment") na cadeia de produção; e (iii) Mitigação dos riscos ("Risk mitigation") por meio da adoção de mecanismos adequadas e proporcionais, caso não seja constatado risco inexistente ou negligenciável.

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JOTA

A partir de 2025, apenas ingressarão nos países do bloco europeu produtos originários de terras não desmatadas

Legislação europeia coloca exportações brasileiras em risco

Regulamento da UE determina que, a partir de 2025, apenas ingressarão nos países do bloco produtos originários de terras não desmatadas.