Celso Grisi

Giampaolo Marzulli

O tratamento legal do ágio, ou o chamado “Goodwill”, e do deságio no direito brasileiro, teve início com o Decreto Lei nº 1.598/77. Esses consistiam na diferença positiva ou negativa, respectivamente, entre o custo de aquisição de um investimento (e.g., preço) e o valor patrimonial de uma sociedade investida, na proporção adquirida. No contexto do processo de privatização das empresas públicas brasileiras ocorrido na década de 90, foi editada a Lei nº 9.532/97, que tinha o objetivo de estimular a participações de novos investidores no Programa Nacional de Desestatização por meio da previsão da possibilidade de amortização de Goodwill na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Para fins fiscais, era necessário que o Goodwill fosse justificado em perspectivas de rentabilidade futura do investimento. O Goodwill era passível de amortização na base de cálculo do IRPJ e da CSLL nas hipóteses legais. A sistemática de amortização do ágio estava associada ao princípio de emparelhamento de receitas, custos e despesas (i.e., matching principle), segundo o qual há direito à amortização a partir do momento em que estão reunidos, em uma única sociedade, o ágio e as atividades que deram o motivo para o seu pagamento.
A Lei nº 12.973/14 alterou substancialmente o regime tributário do Goodwill e de seu desdobramento via custo de aquisição, aproximando-o do tratamento contábil já previsto nas normas contábeis brasileiras, especialmente com as regras do CPC 15  e ICPC 09, em linha com o padrão contábil internacional (e.g., IFRS).  Após essa lei, os principais requisitos tributários a serem seguidos por uma sociedade para viabilizar o registro de Goodwill aproveitável para fins de IRPJ e CSLL podem ser sumarizados da seguinte forma: (1) desdobramento sucessivo do preço de aquisição em (1.a) valor de patrimônio líquido da sociedade adquirida, proporcionalmente ao percentual de participação; (1.b) diferença entre (1.b.i) o valor justo dos ativos líquidos dos passivos assumidos da sociedade adquirida e (1.b.ii) o respectivo valor contábil; e terceiro, para Goodwill ou Ganho por Compra Vantajosa (GCV); (2) apresentação de laudo suportando o Goodwill a ser apresentado para a RFB ou em Cartório, no prazo de até 13 meses da data da aquisição; e (3) é vedado o aproveitamento de mais-valia de ativos e Goodwill quando decorrente de aquisição entre “partes dependentes”.
Contudo, na prática, a Lei nº 12.973/14 não regulou os efeitos fiscais de todos os eventos passíveis de ocorrer na “nova contabilidade”, mesmo com relação aos métodos e critérios que já estavam em vigor anteriormente à sua edição. Um ponto controverso merece atenção: esse decorre dos comandos do CPC 15 e o ICPC 09 sobre a variação do percentual de participação societária sem perda de controle societário por uma pessoa jurídica controladora. Tais normativos criaram uma ficção contábil e societária para consignar que transações realizadas por um controlador de uma pessoa jurídica com outro acionista da mesma pessoa jurídica deveriam ser tratados como transações entre a própria entidade e seus sócios, a não ser que seja uma alienação de uma investidora que caracterize a perda de controle de sua controlada. Assim, mudanças na participação da controlada devem ser contabilizadas como transações de capital, logo, não poderiam gerar registro de novos Goodwill.
A questão principal é que esse tratamento contábil não foi regulado pela Lei 12.973/14. É dizer que essa restrição ao registro de Goodwill como um ativo, prevista na legislação societária, não encontra previsão legal no ordenamento jurídico tributário. Tanto é assim que, por exemplo, as restrições de apuração de Goodwill em aquisições com partes dependentes presentes na legislação societária foram reproduzidas na Lei 12.973/14, assim como a exigência de um laudo de avaliação.
Contudo, nada há na legislação fiscal acerca da restrição contida no ICPC 09 quanto ao registro de Goodwill. E sobre esse ponto, é oportuno retomar o conteúdo do art. 58 da Lei 12.973/14, o qual dispões que a “modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, (...), que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria”. Dessa forma, quer nos parecer que esse caso seria a hipótese de aplicação do art. 58 da Lei 12.973/14, ao passo que esse conteúdo do ICPC 09 é uma modificação de critérios contábeis decorrente da edição de atos do CPCs posteriores à publicação da Lei nº 12.973/14.
Esse entendimento decorre do próprio princípio da legalidade em matéria tributária, segundo o qual compete apenas à lei, em sentido estrito, definir situações que resultem, dentre outras hipóteses, na majoração de tributos, na definição do fato gerador de tributos e na fixação de alíquotas e base de cálculo, como seria o caso de uma hipotética regra limitativa da dedutibilidade de Goodwill apenas para determinadas operações de aquisições de participações societárias.
Presente um ato de “aquisição”, a norma exige que o adquirente desdobre o respectivo custo de aquisição entre o valor patrimonial do investimento, mais-valia de ativos e Goodwill. Não há menção na Lei 12.973/14 acerca de restrições ao registro de ágio quando a pessoa jurídica já possui controle societário da sociedade investida.

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JOTA

 Lei nº 12.973/14 alterou substancialmente o regime tributário do Goodwill

Goodwill, aquisição complementar e controle societário

Lei nº 12.973/14 alterou substancialmente o regime tributário do Goodwill