Antônio Augusto Souza Dias Júnior

A discussão sobre a relação entre o direito tributário e a contabilidade ganhou novo fôlego após a Lei 11.638/07, que, dentre outras inovações, introduziu o § 5º ao art. 177 da Lei 6.404/76, segundo o qual as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre demonstrações financeiras das companhias abertas devem ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade.
Na mesma direção, a Lei 11.638/07 também incluiu o art. 10-A à Lei 6.385/76, permitindo à CVM celebrar convênio com entidade dedicada ao estudo de normas de contabilidade.
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/degustacao/contato-poder">Você não pode ser pego de surpresa, certo? Com os especialistas e as ferramentas do JOTA PRO, você nunca decide no escuro. Peça uma demonstração!</a></li>
</ul>
Grande parte da doutrina tributária sempre se opôs à ideia de se atribuir efeitos tributários às normas contábeis introduzidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, em consonância com os padrões internacionais de contabilidade e em observância aos art. 177, § 5º da Lei 6.404/76 e 10-A da Lei 6.385/76.
Seguindo essa corrente, o objetivo da contabilidade seria informar o usuário/investidor, não se confundindo com os fins da tributação. Além disso, as normas contábeis não são introduzidas por lei, o que contrariaria o princípio da legalidade tributária.
Recentemente, todavia, alguns tributaristas passaram a defender a aplicação do Pronunciamento Contábil nº 36, que trata das demonstrações consolidadas, nos casos de alienação de ações sem perda de controle.
Segundo o referido pronunciamento e a Interpretação Técnica nº 09/2012 que o interpreta, a alienação de ações pela controladora sem perda de controle (mudança na participação relativa da controladora sobre controlada que não resulte na perda de controle) deve ser registrada diretamente no patrimônio líquido (PL), e não no resultado.
<blockquote class="jota-article__eye">A partir daí, surgiu a tese de que essa alienação de ações sem perda de controle, por ser registrada no PL, não deveria ser tributada, uma vez que não comporá o resultado, e por consequência, não será computada para fins de cálculo do lucro líquido e do lucro real.</blockquote>
Essa construção firma-se ainda na compreensão de que o art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77, ao mencionar que os ganhos de capital a serem computados no lucro real são os resultados na alienação de bens de ativo não circulante, teria se referido ao “resultado do exercício”.
Como a alienação de ações sem perda de controle não seria contabilizada no resultado, segundo o Pronunciamento nº 36, não haveria a aplicação do dispositivo sobre ganhos de capital.
Essa premissa de que há uma equivalência entre “resultado do exercício” e “resultados na alienação de investimentos” configura uma confusão de conceitos, não se sustentando diante de uma interpretação literal e sistemática, como se demonstrará a seguir. Para tanto, é necessário, primeiramente, reproduzir o art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77:
Serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, inclusive por desapropriação (§ 4º), na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo não circulante, classificados como investimentos, imobilizado ou intangível. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014.)
Uma leitura singela do dispositivo acima já impediria a conclusão de que tal norma trata de “resultado do exercício”. Este, que se contrapõe ao patrimônio líquido, é apresentado em uma demonstração contábil, de acordo com o Pronunciamento Contábil nº 26. A Lei 6.404/76, a seu turno, dispõe sobre o resultado do exercício no art. 187, determinando que a sua demonstração deve discriminar a receita bruta das vendas e serviços, as despesas com as vendas, as despesas gerais e administrativas, dentre outros itens.
Ora, esse é o “resultado do exercício”, que se contrapõe ao PL para fins de não tributação da alienação de ações sem perda de controle segundo a tese aqui rejeitada. Já os “resultados na alienação de investimentos” previstos no art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77 constituem uma realidade mais específica, um recorte de operações que não se confunde com a amplitude do universo representado pela expressão resultado do exercício.
O que o art. 31 dispõe é que o resultado na alienação de bens do ativo não circulante será classificado como ganho de capital, e assim tributado. Ou seja, “resultados na alienação” significa produto, resultado de uma equação.
Por isso, o art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77 menciona expressamente “ganhos ou perdas de capital”, uma vez que os “resultados na alienação” podem ser positivos ou negativos.
<blockquote class="jota-article__eye">Há perfeita simetria, assim, entre o sentido de “resultado” como “produto” e o reconhecimento pelo dispositivo de que a alienação pode resultar em ganho ou perda de capital.</blockquote>
Esses “resultados na alienação de investimentos” representam uma forma de obtenção de renda, eis que configuram acréscimo patrimonial, como se vê do ensinamento de Elidie Bifano abaixo:
“A renda, consoante o art. 43 do CTN, é gênero que se desdobra nas espécies lucro, fruto da empresa (capital mais trabalho), rendimento (fruto de capital aplicado, inclusive humano) e ganho (diferença entre preço de aquisição e valor de venda de bens tangíveis ou não).”
O “ganho” acima mencionado é representado pela “diferença entre preço de aquisição e valor de venda de bens tangíveis ou não”, que significa justamente o resultado da alienação, no caso, de ações (investimentos, inseridos entre os bens do ativo não circulante).
Essa exegese é confirmada de forma inequívoca pela Lei 9.430/96, cujo art. 25, § 1º possui a seguinte redação:
§ 1º O ganho de capital nas alienações de investimentos, imobilizados e intangíveis corresponderá à diferença positiva entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)
A expressão “o ganho de capital” acima poderia ser substituída, sem nenhuma alteração de sentido da norma, por “os resultados”, como constou no art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77. Em outras palavras, “resultados nas alienações de investimentos” tem o mesmo significado que “ganho de capital nas alienações de investimentos” (no caso de o resultado ser positivo).
Assim, se os “resultados na alienação de bens do ativo não circulante” não podem ser compreendidos como “resultado do exercício”, cai por terra toda a argumentação de que a alienação de ações sem perda de controle, por não ser registrada no resultado do exercício (mas sim no PL), não poderia ser tributada.
O art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77 não faz qualquer condicionante, para a tributação do ganho de capital obtido na alienação de investimentos, no sentido de que o “resultado na alienação” seja registrado no “resultado do exercício”. O dispositivo sequer menciona “resultado do exercício”, tratando apenas do “resultado na alienação”.
A interpretação segundo a qual a menção a “resultado” na legislação tributária não se identifica com a demonstração contábil “resultado do exercício” é confirmada em outros dispositivos da legislação tributária. O próprio Decreto-Lei 1.598/77, por exemplo, trata de resultados como um ganho obtido pela empresa:
Art 6º - Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária.
(...) § 2º - Na determinação do lucro real serão adicionados ao lucro líquido do exercício:
(...) b) os resultados, rendimentos, receitas e quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que, de acordo com a legislação tributária, devam ser computados na determinação do lucro real.
O dispositivo acima espanca qualquer dúvida, mencionando expressamente “os resultados” (em seu plural, da mesma forma como no art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77), como um item que deve ser adicionado ao lucro líquido, na determinação do lucro real.
Percebe-se assim que o art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77 é justamente uma norma de adição ao lucro líquido, ao determinar a classificação dos “resultados na alienação de investimentos” como ganhos de capital.
Justamente esses “resultados” (no plural, repita-se), são explicitamente tratados no art. 6º do mesmo Decreto-Lei como um componente a ser adicionado ao lucro líquido.
Isso demonstra que não só a interpretação literal do art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77 rechaça a tese de equivalência entre “resultado do exercício” e “resultados na alineação de investimentos”, como também a interpretação sistemática do diploma legal em questão.
Ainda há mais.
Outras leis tributárias tratam o termo “resultado” em sentido incompatível com a compreensão de “resultado do exercício”. Exemplificando, o art. 4º da Lei 12.973/14 dispõe sobre “resultado da operação”, que, da mesma forma que “resultado da alienação”, não se confunde com “resultado do exercício:
Os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 , relativos a cada operação, somente serão considerados na determinação do lucro real no mesmo período de apuração em que a receita ou resultado da operação deva ser oferecido à tributação.
Outra legislação tributária federal que apresenta “resultados” em sentido inconfundível com o “resultado do exercício” é a Lei 9.430/96, que trata, no art. 16, § 1º, de “resultados decorrentes de aplicações financeiras”:
Os resultados decorrentes de aplicações financeiras de renda variável no exterior, em um mesmo país, poderão ser consolidados para efeito de cômputo do ganho, na determinação do lucro real.
Todo esse percurso pela legislação tributária federal infirma a tese de que o “resultado do exercício” se confunde com os “resultados na alienação de investimentos”, tratados no art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77.
O primeiro é uma grandeza contábil que se distingue do patrimônio líquido e que deve ser objeto de demonstração contábil específica, conforme o art. 177 da Lei 6.404/76.
Já o segundo conceito é um ganho de capital, que deve ser adicionado ao lucro líquido na determinação do lucro real a ser tributado. E tal se dá independentemente desse ou daquele registro contábil, diante da constatação de disposição legal expressa a respeito.

cedulas-de-dinheiro-real-moeda-brasileira_1022821

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

O 'resultado do exercício' não se confunde com os 'resultados na alienação de investimentos'

Ganho de capital em alienação de ações sem perda de controle

O 'resultado do exercício' não se confunde com os 'resultados na alienação de investimentos'