Inês Ferreira Dias Tavares

Você fez uma piada ruim naquela festa. Ou um comentário machista. Caiu no chão, bêbado e ridículo. Que bom que ninguém se lembra e que, hoje, você mudou e não pensa e nem age mais daquela forma.
Mas os tempos agora são outros.
A piada, o comentário e o tombo não ficam mais no pequeno mundo da festa: são postados, julgados e viralizados na internet.
A pretensão do presente artigo é refletir sobre como o mundo virtual permite o fortalecimento de sanções denominadas sociais, que, por carecerem de institucionalização, são aplicadas sem observância de direitos como a ampla defesa, o contraditório, o juiz imparcial e a proporcionalidade das penas. São sanções, porém, que possuem consequências virtuais e reais muito severas. Já são muitos os casos de pessoas que perdem o emprego, a carreira, a segurança pessoal ou tiram a própria vida por causa de um ataque virtual.
De fato, nas sociedades reais, concretas, muitas são as formas de controle do comportamento dos indivíduos. As sanções consideradas jurídicas são aquelas que se caracterizam por sua organização e institucionalização. Há sanção jurídica quando normas identificam, de antemão, quais os comportamentos proibidos (roubar, por exemplo), quem irá julgar os casos (o juiz), de que forma (por meio de um processo), qual será a pena (prisão, multa etc.) e assim por diante. Essa institucionalização permitiu, no Estado moderno, que o Direito regulasse o uso da violência e garantisse aos indivíduos proteção contra a força punitiva do Estado, por meio de vários direitos e garantias processuais e materiais.
O Direito, porém, não monopoliza as formas de controle do comportamento. Também há sanção em um olhar enviesado dirigido a alguém que jogou lixo no chão, na exclusão de um indivíduo mal-educado nas reuniões de um grupo de amigos, e em exemplos mais drásticos, como o linchamento. Esse tipo de sanção, denominada social, difere da jurídica em razão da sua desorganização. Não há uma norma clara que defina se uma sanção será sempre aplicada (os amigos podem relevar o mau comportamento), ou por quem (nem todos olharão de forma enviesada para quem joga lixo na rua), nem quando ou onde. Na verdade, mal se sabe o que constitui uma infração.
Pois essas formas de controle, vigilância e sanção sociais migraram para o mundo virtual. Nessa nova esfera de relações, porém, as sanções sociais encontraram um terreno fértil para se desenvolver, por três principais razões.
Primeiro, a estrutura em rede do ambiente virtual. Todos os usuários – sejam indivíduos, governos, empresas, professores, alunos, policiais ou celebridades – estão sob a vigilância e o controle dos demais, ao mesmo tempo que também exercem o papel de vigia. Assim, a sanção pode vir de qualquer lado e contra qualquer um, sem que se saiba quem irá dar o primeiro clique em uma punição virtual. A vigilância não é mais panóptica, como narrado por Foucault, mas sim em rede.
Segundo, o barateamento da tecnologia permitiu que qualquer fato da vida seja registrado e postado. Tudo pode ser objeto de exibição voluntária ou involuntária nas redes. A internet, hoje, é ambiente, e qualquer pequeno ato pode ser alvo de escrutínio social generalizado. Não se sabe de antemão, porém, qual dessas imagens irá causar a revolta dos demais usuários
Terceiro, a atemporalidade das informações inseridas na rede. Por vezes, uma postagem é imediatamente rechaçada, mas, em outros casos, meses e anos se passam antes daquela conduta ser reprovada. Além disso, diferente da vida real, a rede memoriza todos os fatos perfeitamente, e ali os mantém como se tivessem ocorrido agora. O resultado é que certo ato, hoje considerado inocente, poderá ser visto como abominável no futuro. Assim,  um indivíduo passa a se preocupar não apenas com o que os outros pensam agora, mas também com o que poderão pensar no futuro. Outro resultado dessa memória perfeita da rede é o apagamento da possibilidade de perdão e esquecimento. Os fatos continuam aparecendo nos resultados dos mecanismos de buscas muito embora o indivíduo que os praticou tenha se arrependido, amadurecido e mudado.
São novos tempos, mais integrados e informados. Isso, porém, nos roubou a neutralidade jurídica e sua organização e nos deu em troca a vigilância da pequena vila medieval, onde tudo e todos se vigiam. Não é à toa que se fala em Aldeia Global. Nessa aldeia, porém, ninguém esquece, e não há outra vila próxima para onde fugir.

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JOTA

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