Paulo Penteado de Faria e Silva Neto

À memória do Professor Paulo Kol (1960-2015)
Ao cabo de mais de quinze anos de advocacia tributária e de negócios internacionais, nos deparamos, de forma cada vez mais frequente, com construções linguísticas que não eram utilizadas na virada do milênio.
Em lugar de uma pretensa familiaridade com o idioma estrangeiro, o emprego de estrangeirismos e adaptações malfeitas mostra uma subserviência cultural desnecessária.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Não se trata de purismo exagerado ou reação desproporcional à atualização e flexibilização das línguas modernas, cada vez mais permeáveis às influências globais. Despido de méritos, assim, o famigerado projeto de lei do deputado federal Aldo Rebelo (PL nº 1676/1999), que continua vivo, embora numa versão menos radical, consistente no substitutivo aprovado pela CCJ da Câmara dos Deputados em dezembro de 2007.
A questão é que, havendo um termo similar em vernáculo – muitas vezes mais elegante – o uso da expressão tomada indevidamente da língua estrangeira torna-se não só despiciendo, mas uma triste mescla de cafonice e pretensão.
A matéria não é de imposição ou vedação em lei, mas de bom senso e de bom gosto. Caso seja imprescindível valer-se de algum termo estrangeiro, que se o faça, em itálico ou entre aspas, por exemplo.
A antiga (e infundada) crença de que os problemas nacionais se resolvem com uma canetada volta à tona. Mais grave ainda, perdem-se recursos e tempo preciosos com um tema que sequer deveria ser objeto de preocupação legislativa, em face de tantos outros problemas reais e urgentes que assolam o país.
Mas o foco deste artigo é diverso e pretende, de maneira bem-humorada, apontar a bizarrice dessa falsa assimilação de expressões adventícias. Talvez como reflexo dos tradutores online, muitas pessoas tendem a acreditar, piamente, que a tradução em português correta das expressões abaixo deva ser literal.
Entretanto, como determinam os cânones básicos da boa tradução, raramente a versão literal resulta na captura do melhor sentido do texto.
Apresenta-se a seguir essa breve compilação de “pérolas” linguísticas, coletadas no dia a dia da prática jurídica e empresarial, seguida de seus reais equivalentes em português:
<ul>
<li>Condição (condition): por vezes é empregada em português no sentido de doença, disfunção, problema de saúde (“uma condição rara”);</li>
<li>Disruptivo/disrupção (disruptive/disruption): muito em voga no mundo das empresas nascentes (start-ups), que clamam possuir uma tecnologia ou produto revolucionário, inovador, transformador;</li>
<li>Em conexão com (in connection with): prefira com relação a, com referência a, com respeito a;</li>
<li>Em ordem a (in order to): em português deveria ser, simplesmente, “para”;</li>
<li>Endereçar o problema (to address the problem / issue): significa enfrentar, atacar, resolver, lidar com. Endereçar, em português, é apor o endereço do destinatário a um envelope. Já ouvimos até um “adereçar o problema”, versão ainda mais esdrúxula que significaria, em idioma pátrio, enfeitar ou adornar a questão;</li>
<li>Envisionar (to envision): por vezes empregado no sentido de imaginar, antever, projetar;</li>
<li>Espero que este e-mail/esta mensagem lhe encontre bem (I hope that this e-mail/message finds you well): expressão que vem se popularizando a taxas alarmantes. Em português, por que abandonar as usuais e consagradas formas de saudação?;</li>
<li>Eu te deixo saber (I’ll let you know): eu te aviso, informo ou comunico. A recíproca também é verdadeira, na forma “deixe-me saber” (let me know): tradução literal daquilo que poderia ser um simples avise-me, aguardo retorno, me informe ou outro “similar nacional”. Até um francófilo RSVP soaria melhor;</li>
<li>Eventualmente (eventually): em inglês, não quer dizer eventualmente, mas finalmente, ao final;</li>
<li>Evidência (evidence): por influência dos maus tradutores de filmes e seriados norte-americanos (como explica José Maria da Costa em seu Manual de Redação Jurídica), tem-se empregado cada vez mais essa expressão em lugar de “prova”;</li>
<li>Favor encontre (ou queira encontrar) abaixo / anexo (please find below / attached hereto): segue anexo, segue, abaixo, em anexo;</li>
<li>Instância (instance): vem sendo utilizado em lugar de caso, exemplo, ocorrência;</li>
<li>Mandatório (mandatory): por que não usar “obrigatório”, “necessário”, “imprescindível” ou mesmo imperativo (que calha bem aos dois idiomas)?;</li>
<li>Monetizar (monetize): obter receitas, converter em dinheiro, extrair rendimentos, faturar;</li>
<li>Na mesma página (on the same page): deixar duas ou mais pessoas/grupos a par, de acordo, atualizados, concordes, informados, em sintonia; chegar a um consenso;</li>
<li>No fim do dia (at the end of the day): no final das contas, ou, para os mais tradicionalistas, no frigir dos ovos. No fim do dia, em português, nada mais é que o anoitecer;</li>
<li>Performar (perform): usado indevidamente como sinônimo de obter desempenho ótimo, atingir resultados, em suma, mostrar serviço;</li>
<li>Realizar (realize): falso cognato por excelência, não se traduz por “perceber”. Não, você não pode “realizar” que esqueceu suas chaves de casa no escritório;</li>
<li>Recipiente (recipient): evite, sob pena de confundir o pobre destinatário com um vasilhame;</li>
<li>Significante (significant): prefira significativo. Como ensina Saussure, significante é aquilo que, em conjunto com o significado, forma o signo linguístico;</li>
<li>Solução compreensiva (comprehensive solution): solução abrangente, completa, exauriente... Compreensiva é a pessoa capaz de entendimento ou de demonstrar empatia e compaixão;</li>
<li>Tentativo (tentative): preferir provisório, temporário, sugerido.</li>
</ul>

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JOTA

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Espero, tentativamente, que este artigo sobre anglicismo o encontre bem

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