Rutelly Marques da Silva

Bruno Ribeiro Alvarenga

Igor Vilas Boas de Freitas

Parte expressiva da população brasileira movimenta-se entre os nossos estados por meio de ônibus. Em 2019, cerca de 10.200 ônibus estavam habilitados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para prestar o serviço, enquanto 640 aviões faziam o transporte aéreo regular de passageiros. Trata-se de modalidade que atende a todas as classes sociais, seja por ser, em média, mais barata ou por estar em rotas não contempladas pelo modal aéreo. E, além disso, pode ser confortável!
Essa atividade sofreu radical alteração em 19 de dezembro de 2012, quando, por meio da Lei nº 12.743, a permissão deu lugar à autorização como regime de outorga do serviço regular de transporte terrestre coletivo interestadual e internacional de passageiros (TRIIP).
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A licitação deixou de ser exigível e o setor foi aberto à livre concorrência. Essa mudança foi questionada perante Supremo Tribunal Federal (ADI nº 5549), sob a alegação de que TRIIP, sendo serviço público, só pode ser prestado por concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, em função do que dispõe o art. 175 da Constituição. Embora esse debate jurídico seja relevante, a análise da questão deve ir além da hermenêutica e abordar a ótica da regulação.
A Constituição atribuiu à União a competência de explorar alguns serviços, com a prerrogativa de delegá-los a terceiros à iniciativa privada. A possibilidade de o Estado intervir nessas atividades relevantes para a sociedade brasileira cria incentivos para que candidatos se elejam com propostas de mudanças normativas, buscando atender pleitos da população. Obviamente, é esperado e desejável que os candidatos tenham plataformas que espelhem os anseios da população e que, eleitos, cumpram suas promessas. Então, onde está o problema?
A economia é cercada de riscos e incertezas. É impossível prever o futuro e mapear todas as contingências que podem atingir uma atividade econômica. A pandemia de Covid-19 mostrou-nos mais uma vez essa realidade. Por isso, os investidores alocam recursos em um negócio cientes de que algo pode dar errado. O desafio aumenta quando o governo, ao contrário do que se desejaria, se torna fonte de incerteza e risco, alterando regras voluntariosamente e sem ponderar os impactos no longo prazo.
O governante eleito é tentado a agir dessa forma se, com isso, puder obter um benefício imediato, a despeito de possíveis danos ao serviço prestado. A tentação é maior se o prejuízo for de difícil identificação e só se relevar em longo prazo. Ao preverem em contrato a responsabilização do Estado por eventuais prejuízos gerados ao investidor, os regimes de concessão e de permissão ajudam a viabilizar um pacto de longo prazo entre o prestador do serviço e o Estado.
Com isso, são reduzidas as brechas para ações governamentais que miram benefícios artificiais de curto prazo e para condutas abusivas do prestador de serviço. Essas podem surgir, principalmente, quando o serviço é prestado em monopólio ou sob um número máximo de ofertantes.
Essa lógica não nos permite concluir que todas as atividades estratégicas para a sociedade brasileira devam ser prestadas por meio de concessão ou permissão; apenas ilustra que o emprego de um regime jurídico inadequado à atividade que se pretende desenvolver pode comprometer sua viabilidade e gerar prejuízos que a própria população terá de arcar no futuro.
Além disso, a concessão e a permissão não visam a proteger o agente privado de uma concorrência ruinosa ou desleal. Por sua vez, como a autorização não oferece ao prestador do serviço as garantias da concessão ou da permissão, o seu uso é esperado em atividades nas quais o risco de medidas governamentais voluntariosas tem menor potencial de dano ou naquelas em que tal risco é mitigado por outros meios. O uso da autorização é pertinente, sobretudo, quando o serviço pode ser prestado em ambiente concorrencial.
Nessa linha de raciocínio, uma questão regulatória a ser debatida em TRIIP fica clara: há necessidade de uma outorga mais robusta para proteger o prestador do serviço dos danos de medidas voluntariosas do governo? Ao adotar a permissão, o Estado assume o risco de arcar com eventuais prejuízos derivados de decisões unilaterais equivocadas, oferecendo mais segurança ao investidor.
Ao manter a autorização, por outro lado, sinaliza a busca por um ambiente institucional mais maduro, no qual a intervenção estatal daria lugar à saudável concorrência preconizada pela Lei nº 13.874, de 2019, a “Lei da Liberdade Econômica”.
Nesse debate, vale observar o que ocorre com outros setores. O transporte aéreo de passageiros é outorgado por meio de autorização, mesmo com barreiras à entrada, custos afundados e investimentos mais elevados em relação ao TRIIP.
Sendo assim, a opção pela permissão no TRIIP significaria que os riscos de danos de uma ação governamental voluntariosa são previsivelmente maiores do que no setor aéreo? Que características tornam TRIIP mais vulnerável do que o transporte aéreo, a ponto de exigir uma alteração no regime de outorga?
Se comparado ao TRIIP, o risco de danos de intervenções voluntariosas do governo também é menor nos setores ferroviário e de gasodutos, intensivos em capital, e que são objetos de iniciativas legislativas para que a autorização substitua a concessão?
Encerramos com uma última reflexão: a concorrência, potencializada sob o regime de autorização, e um pilar da “Lei da Liberdade Econômica”, não seria uma ferramenta mais eficiente para proteger os agentes privados dos riscos de danos de ações voluntariosas do governo e garantir a prestação do serviço a um preço menor?
Respostas às perguntas formuladas podem ajudar a resolver o dilema vivido pelo serviço de TRIIP e contribuir para que se alcance o melhor desenho regulatório nas várias atividades ainda tuteladas pelo Estado.

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JOTA

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