William Koga

A Economia e o Direito.
 O formalismo e a taxatividade são duas das facetas mais características do Direito. E não à toa. Estas características são reflexo do papel que ele cumpre na manutenção do sistema democrático. A rigidez, precisão e a previsibilidade são elementos indispensáveis para a anulação de atos e medidas que sejam contrárias aos pressupostos legais.
 As normas são elaboradas e encadeadas seguindo uma lógica própria, encaixadas cautelosamente dentro de uma estrutura que garanta coesão ao regulamento, para evitar proibições descabidas ou prever direitos contraditórios. Em razão disto, o Direito fecha-se em suas próprias prescrições, admitindo intervenções de outras ciências apenas dentro de certos limites, como quando um juiz determina a realização de perícia ou aceita a apresentação de pareceres.
 Por mais que este isolamento científico do Direto sirva para manter o sistema normativo ileso de contradições, não se pode ignorar que a aplicação das normas tem efeitos que se fazem sentir em todas as demais esferas da sociedade. Notadamente, nas relações econômicas. Neste contato entre o Direito e a Economia, torna-se evidente a diferença na velocidade de reação de cada uma destas ciências ao cotidiano social.
 A Economia é direcionada à eficiência nas relações entre os agentes. Portanto, rege-se pelo dinamismo. Um modelo ou uma estratégia comercial são rapidamente ajustadas à realidade do mercado. O Direito, por sua vez, procura regulamentar a vida em sociedade e, também, refletir as aspirações da sociedade. Porém, apresenta um dinamismo muito menos acelerado. As mudanças no sistema normativo tendem a ser mais demoradas, pois dependem de um procedimento legislativo que assegure a aprovação democrática das alterações legais e que elas estejam em sintonia com as demais normas do sistema.
 São duas formas muito diferentes de se pensar.
 As leis ineficientes são especialmente atacadas pelos economistas, por não produzirem os melhores resultados, pelo excesso de burocracia ou pelos inúmeros entraves para o desenvolvimento do empreendedorismo. Todavia, quando se pretende que o Direito seja eficiente, tal como se é na Economia, é preciso que se tenha o cuidado de observar como tais propostas econômicas serão recebidas pelo ambiente jurídico.
 Ainda que um estudo econômico possa demonstrar claramente uma ineficiência jurídica, este argumento, por si só, não tem poder para evitar a aplicação da norma no caso prático. Isto é, se as condições fáticas recepcionarem determinada norma, ela será aplicada pelo simples fato de existir no sistema. Independentemente de sua eficiência. 
 A reversão prática deste cenário (sem alteração legislativa) é possível apenas com a seleção cautelosa dos argumentos econômicos que, obrigatoriamente, encontrem-se abarcados nos limites do conteúdo jurídico das normas. É neste estreito espectro de comunicação entre as ciências econômica e jurídica que a interdisciplinaridade tem uma razão de ser. Queira ou não, o Direito será o filtro de aplicação dos argumentos econômicos no caso prático. Afora disto, tudo não passa de mera digressão.
 É preciso ser pragmático quando se pretende perseguir a aplicação da eficiência econômica no Direito. Não se deve atacar a existência da lei, deve-se identificar a sua essência e, a partir das próprias prescrições legais, sugerir a interpretação que seja mais eficiente, seguindo a própria orientação fixada pela norma.
O Princípio da Eficiência no Direito
 Nenhuma outra norma convida tão expressamente a importação de conceitos econômicos como o Princípio da Eficiência, previsto no texto constitucional no artigo 37. Formalizado em meio a um movimento de alteração legislativa, impulsionado pelo reclame social contra a falta de lisura no trato com a coisa pública, denúncias recorrentes de desvios, corrupção, nepotismo, baixa qualidade dos serviços públicos prestados, contratações exageradas e descabidas. À época, esta Emenda à Constituição recebeu o apelido de Reforma Administrativa.
 O Direito vale-se de elementos linguísticos para traduzir intenções normativas em prescrições juridicamente válidas, dentro de uma interpretação lógica da estrutura do ordenamento positivo. Assim, o conteúdo pretendido pelo Princípio da Eficiência merece ser analisado em cotejo com os objetivos que foram pretendidos pela Reforma Administrativa, os quais foram traduzidos para a linguagem jurídica e normatizados na Constituição.
 Da Exposição de Motivos Interministerial no 49 de 1995 fica claro que a dimensão da eficiência, inserida na esfera administrativa pública, teve por objetivo fazer cumprir o preceito de que o ‘aparelho de Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>’. 
 Depreende-se, portanto, que o sentido da eficiência afilia-se, inicialmente, ao postulado utilitarista de criação de um arranjo que permita a geração da maior utilidade (“gerar mais benefícios”) com o mesmo espectro de recursos (“com os recursos disponíveis”).
 Tratando-se de linguística jurídica, é possível aventar a realização de manobras pelo exegeta para restringir ou aumentar o significado de determinado vocábulo e ajustar a aplicação da norma aos fins que lhe parecerem mais convenientes. É possível analisar a semântica da eficiência em seu sentido linguístico mais comum, sinônimo de eficácia. O que denota uma preocupação finalista. De modo que ser eficiente equivale a obter os resultados que se espera da Administração ao menor custo e no melhor tempo.
 É preciso, de largada, reconhecer que (na prática) a eficiência é uma dotação qualitativa que unicamente pode ser atribuída após um comparativo empírico entre uma pluralidade de amostras ou previsões firmes. Isto é dizer, não há uma fórmula prévia que possa ser tida como sempre eficiente. A atribuição desta qualidade (eficiência ou ineficiência) a determinado ato administrativo somente será possível após a verificação comparativa dos custos de implementação e dos resultados gerados pelas demais opções disponíveis ao Administrador Público. Apenas após este cotejo fático entre dois ou mais paradigmas é que se pode coroar um deles com o título de eficiente. 
 A eficiência, em decorrência dos seus aspectos econômicos, é, portanto, identificada somente ex post. 
 Esta comparação para apuração da eficiência não cuida do mérito dos fins pretendidos pelo ato administrativo, em seu aspecto material. A eficiência mede-se pelos resultados gerados por determinada medida, orientando-se pela finalidade previamente definida. Na formação do ato administrativo agem todos os demais princípios e somente na fase de execução que o atendimento ao Princípio da Eficiência pode ser verificado. Em outras palavras, se a eficiência é naturalmente apurada ex post, conforme a lógica econômica, o cumprimento do Princípio da Eficiência apenas pode ser verificável ex post. 
 Por mais que a ciência econômica ofereça com fartura fundamentos teóricos para a conceituação mais ajustada da eficiência e dos métodos de sua avaliação, uma filtragem é necessária para importar à interpretação da norma constitucional do Princípio da Eficiência apenas as ferramentas que tenham relação com o conteúdo jurídico prescrito. Neste caso, tem-se que a norma preza por uma eficiência na aplicação de recursos no empenho a um determinado objetivo – o qual, por sua vez, não está sujeito ao crivo de validade do Princípio de Eficiência, visto que é formulado e regula-se pelos demais princípios como o da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade.
 Qualquer ação, latu sensu, orientada para um fim especifico, é considerada eficiente se os resultados produzidos forem os melhores possíveis, considerando os recursos disponíveis. A comparação entre uma pluralidade de ações possíveis, cujos resultados sejam previamente conhecidos ou que se possam estimar com confiança, permite que apenas uma delas seja considerada eficiente (em atenção ao objetivo perseguido). Não se admite, então, um forma de eficiência parcial. 
 Nesta medida, importa verificar que sendo a eficiência um fenômeno tipificado juridicamente no Princípio da Eficiência, suas respectivas características econômicas são naturalmente incorporadas pelo conteúdo da norma constitucional. Ora, se a eficiência não admite parcialidade na sua apuração, certamente, também, o princípio da eficiência não pode, igualmente, ser executado gradativamente. 
<a name="_GoBack"></a> Identifica-se, então, uma divergência entre a interpretação do comando prescrito pelo Princípio da Eficiência e a sua própria nomenclatura (princípio), dado que carrega características que se afiliam a uma aplicação na medida do ‘tudo ou nada’, atributo hermenêutico típico das regras jurídicas. Normativamente, o Princípio da Eficiência é uma regra jurídica e não propriamente um princípio. Isto, por sua vez, tem sérias implicações sobre a forma de aplicação da norma.
 A maior evidência está no fato de que a norma que prevê a eficiência não pode comportar uma execução em graus. Há uma total incompatibilidade entre a lógica interpretativa dos princípios com o conteúdo jurídico da norma do Princípio da Eficiência. Sendo assim, a saída é a sua interpretação como regra jurídica desencadeando efeitos relevantes no âmbito prático (i.e. com a possibilidade de anulação de atos administrativos ineficientes). Vale ressaltar uma vez mais, que não se pode atacar a finalidade do ato administrativo com o Princípio da Eficiência, visto que a eficiência não cuida do mérito ou dos propósitos do ato, tão somente da averiguação da adequação do ato na concretização de um fim já determinado. 
 Sinaliza-se, então, que há, aqui, uma importante área de intersecção entre o Direito e a Economia, que permite (enfim) a recepção selecionada de conceitos econômicos na aplicação legal e promove, consequentemente, uma modificação prática na interpretação da norma, fornecendo um instrumento apto para a concretização da eficiência na Administração Pública.
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