Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Não devemos julgar os fatos de um passado remoto com o critério por que nos dirigimos nos nossos dias.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Barão do Rio Branco</footer>
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<footer>O exercício sincero da memória, tanto no plano individual quanto no plano coletivo, é uma busca por localização. Trata-se, em verdade, de um esforço confessional, que traz o benefício de situar uma pessoa ou um povo no tempo e no espaço, colocando na perspectiva correta fatos e ações, cuja significação frequentemente está distorcida pelas paixões e pela proximidade.Recordar é viver, já dizia o ditado. Ao longo do tempo, a humanidade desenvolveu estratégias e mecanismos para facilitar esse forço confessional, entre os quais se destaca a redação de efemérides, isto é, de um registro organizado de fatos e datas importantes ocorridas em um determinado ponto de uma tabela astronômica ou calendário, para que não se percam nas brumas do tempo.
A data de hoje, 5 de fevereiro, por exemplo, registra algumas efemérides significativas ao longo da história, cuja lembrança nos recorda que o momento presente não é tão singular quanto nos parece e que, também, alguns sucessos se devem ao cultivo de valores que não devem ser esquecidos.
Temperança e prudência são os resultados do esforço de recordação. No dia correspondente ao de hoje no ano 146 a.C., por exemplo, Cartago era destruída pelos romanos, selando o fim das Guerras Púnicas (264 -146 a.C.). Roma, a partir desse dia, tornava-se a potência hegemônica do Mediterrâneo e os cartaginenses seus escravos. Durante o cerco a Cartago destacou-se o gênio militar do estadista romano Scipio Aemilianus (185-129 a.C.), quem o historiador grego Polybius relata ter chorado abertamente a destruição completa de seus inimigos, “ao compreender que todas as cidades, nações, e autoridades devem, como os homens, encontrar a sua ruína”. Cartago delenda est.
Em nossa Terra Brasilis, por sua vez, ninguém foi um maior e mais meticuloso colecionador de efemérides do que o nosso José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. Em 1891, o conselheiro Rodolpho Dantas fundou o Jornal do Brasil no <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://www.jota.info/tudo-sobre/rio-de-janeiro">Rio de Janeiro</a> e convidou Paranhos para escrever uma coluna diária, com os principais acontecimentos da nossa história naquela data específica. Nasciam aí as famosas Efemérides Brasileiras, a principal e mais erudita referência dos principais acontecimentos de nossa trajetória nacional. Os textos da coluna compõem o volume VI das "Obras Completas do Barão do Rio Branco", <a style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/6-1-obras_do_barão_do_rio_branco">disponíveis gratuitamente em versão digital no site da Fundação Alexandre de Gusmão</a>.
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<footer>Para o dia 5 de fevereiro, as Efemérides do Barão do Rio Branco trazem alguns acontecimentos muito significativos, dos quais destaco dois para a leitora. O primeiro deles se deu no ano de 1836, com a constituição do segundo gabinete da Regência Una do Padre Diogo Antônio Feijó (1835-1837). Foi um período muito difícil de nossa história nacional, na qual o Regente encontrava-se fisicamente enfermo e tentava governar com uma oposição feroz dos conservadores. A polarização política era imensa, com a eclosão de uma série de revoltas regionais, como a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835-1845) e a Cabanagem no Pará (1835-1840).Com a saúde abalada e sem apoio político, Feijó renuncia em 19 de setembro de 1837, indicando o seu sucessor Araújo Lima, “o rei constitucional que Feijó não soube ser, mas soube escolher”, na famosa designação de Octávio Tarquínio de Sousa. A crise das regências desaguaria ao final no Golpe da Maioridade (1840). A polarização política em nosso país não é propriamente uma novidade.
O segundo evento registrado por Rio Branco ocorreu em 5 de fevereiro de 1895 e foi a publicação do laudo arbitral do presidente dos EUA, Grover Cleveland, que deu ganho de causa ao Brasil no litígio pelo território de Palmas contra a Argentina. O advogado brasileiro era ninguém menos do que o próprio Rio Branco. A efeméride, para além da importância óbvia para a formação e consolidação do território nacional, tem um significado particular para os juristas, porque é um exemplo concreto de um trabalho consistente de séculos de diplomatas-juristas luso-brasileiros de consolidação do território nacional.
Como bem ensina o professor Arno Wehling, a construção do território brasileiro foi uma obra genial da articulação de um princípio de direito material, o do uti possidetis, recuperado por Alexandre de Gusmão, por um meio de direito processual específico, a arbitragem internacional, cujo domínio foi elevado ao mais alto nível pelo trabalho incansável e meticuloso do Barão do Rio Branco. A consolidação do corpo da pátria foi uma obra jurídica inédita, construída ao longo de séculos por diplomatas-juristas que se mantiveram firmes na construção de uma tradição sólida de culto ao direito. Trata-se de não da obra de um homem apenas, mas de uma construção institucional que merece ser lembrada, celebrada e, acima de tudo, preservada.
A recordação de efemérides, por fim, tem o condão de nos situar no tempo e no espaço, colocando os anseios e desafios do momento presente em uma perspectiva mais realista. Guerras, destruição, polarização política e os sucessos da genialidade jurídica da diplomacia luso-brasileira são alguns dos elementos que marcaram o dia de hoje ao longo da história. Como a leitora atenta bem pode apreciar, nada de novo sob o sol. Timendi causa est nescire.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A causa do temor é a ignorância.
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JOTA

Guerras, destruição, polarização e o gênio jurídico da diplomacia luso-brasileira

Efemérides do dia 5 de fevereiro

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