Luciana Yeung

Leonardo Maciel Benedete

O Brasil tem experimentado um forte crescimento no mercado de seguros nas últimas décadas, com um aumento de cerca de 1.800% em prêmios diretos entre 2001 e 2022<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Esse crescimento exponencial tem gerado impasses entre os agentes econômicos envolvidos, como seguradoras, consumidores, corretores de seguros, terceiros, sociedade civil, órgãos governamentais e órgãos de fiscalização.
Nesse contexto, uma das discussões mais interessantes que se tem observado no Poder Judiciário é a competência para analisar contratos formalmente celebrados sob a modelagem da corretagem de seguro (entre corretor e seguradora), bem como a declaração, pela Justiça do Trabalho, da existência de vínculo empregatício<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
O conhecimento do contrato, de forma originária, pela Justiça do Trabalho, pode afetar negativamente a expansão do mercado securitário no Brasil, uma vez que internaliza nas relações entre seguradores e corretores – sendo estes o principal motor da expansão do setor<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a><a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> – um custo que originariamente não estava previsto: o custo do litígio em outra esfera que não a decorrente da aplicação do princípio do juiz natural.
Tal aumento dos custos diretos e os de transação, naturalmente, gera uma redução da concorrência no setor de corretagem e fragiliza a confiança entre os players do mercado, em decorrência da falta de enforcement dos contratos pelo Judiciário.
O baixo enforcement dos contratos pelo Judiciário, sabe-se, gera um peso morto na produtividade do país de pelo menos 5%<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, o que equivale a R$ 500 bilhões, 2,5 vezes mais que todo o orçamento da saúde do país e 5 vezes o orçamento do Judiciário, caso consideremos o mesmo percentual de redução do PIB nacional.
Uma vez que um mercado de seguros mais desenvolvido tem impactos positivos sobre o crescimento econômico dos países, na medida em que podem reduzir a incerteza e os riscos associados às atividades econômicas, aumentar a confiança dos investidores e estimular a inovação e o empreendedorismo, tais impactos não podem ser considerados irrisórios, do ponto de vista econômico e, tampouco, podem ser desconsiderados nas decisões judiciais, em razão do dever de análise das consequências das decisões judiciais, sempre que o Judiciário relativizar um contrato, cf. exige o art. 21, caput, da LINDB.
Em caso específico que houve a declaração de vínculo empregatício entre o corretor de seguros e uma seguradora pela Justiça do Trabalho, que foi objeto da Reclamação Constitucional 58.333/SP, o ministro André Mendonça, em decisão referendada pela 2ª Turma do STF, suspendeu a decisão da Justiça do Trabalho, justamente por a referida Justiça especializada não ter observado a ordem de atribuição de competência fixada nos precedentes vinculantes do STF, quais sejam, a ADPF 324, da ADC 48, da ADI 3.961, da ADI 5.625, bem como o Tema 725 da Repercussão Geral.
Isso porque, no julgamento, afirmou o relator, seguido à unanimidade, que a decisão objeto daquela reclamação contrariou precedentes vinculantes e ainda não considerou “a complexidade vinculada ao regime de oferta de seguros no Brasil, e o fato de que o beneficiário em questão, autor da reclamação trabalhista, não era apenas o corretor de seguros, mas sim sócio controlador da sociedade empresária de seguros, que firmou o contrato de franquia com a ora reclamante”.
Por fim, destacou que a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-liberdade-economica">Lei da Liberdade Econômica</a> prevê que “interpretam-se em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas”, para fins de se “tutelar a boa-fé nas relações contratuais”, não sendo possível a presunção de fraude, especialmente em se tratando de contratos contratados hipersuficientes.
Decisões como a cassada pelo STF, nas quais há a declaração de vínculo empregatício entre corretor de seguros e seguradora, podem levar a um aumento de custos para as seguradoras, que terão que arcar com encargos trabalhistas e previdenciários, além de reduzir a concorrência no setor de corretagem.
Além disso, a declaração de vínculo empregatício pode gerar um efeito cascata, com outros corretores de seguros buscando a revisão do contrato pela Justiça do Trabalho, em detrimento da competência legal para se conhecer de contratos de natureza comercial, mesmo que inexista o preenchimento dos requisitos legais, em razão dos incentivos ao comportamento oportunista.
Isso tem fortes reflexos, gerando subdesenvolvimento econômico e seleção adversa do setor, além de um spillover effect, prejudicando os consumidores de seguros no Brasil – tanto com o encarecimento das apólices, como com a consequente redução do número geral de segurados<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Como uma relação contratual tem que ser composta por propostas de comportamentos críveis e previsíveis (tutela da confiança), para os corretores e para as seguradoras deve ser racional cumprir o contrato, do contrário, a equalização da relação jurídica idealizada pelas partes desequilibra-se ou fica suscetível ao risco moral, comportamento ex post que visa, de forma unilateral, desvirtuar ou descumprir o que fora estabelecido entre as partes.
No mesmo sentido, haverá perda de peso morto (alocação sub-ótima de recursos), quando, por exemplo, os corretores sofrerem com a precificação, por parte da seguradora, dos custos e riscos decorrentes de ações judiciais que visem corromper a relação comercial entre corretor e seguradora. Isto é, quando buscam extrair renda após a extinção do contrato, utilizando-se de critérios jurídicos que não aqueles livremente pactuados pelas partes – que ocorre, por exemplo, quando uma parte de uma relação comercial busca a configuração de emprego na Justiça do Trabalho.
Quando há margem para a busca de relativizações da relação jurídica por alguns corretores e, não tendo as seguradoras a capacidade de individualizar o risco ex ante, haja vista que o comportamento acontece ex post, todos os corretores arcarão com a precificação do risco na relação comercial.
Suponha-se que, em um cenário de previsibilidade do comportamento ex post dos corretores, a relação comercial entre seguradora e corretor de seguros gere X de benefício para a seguradora e que, dentro do cálculo econômico de viabilidade do negócio, o que inclui o lucro esperado, é possível transferir X-C para o corretor, sendo C o custo da operação individualizado por relação comercial.
Uma vez que haja a possibilidade de o corretor se comportar ex post de forma contrária à boa-fé e aos termos contratados, a seguradora deixa de ser capaz de distinguir a qualidade dos corretores.
Assim, torna-se impossível a individualização do custo e a seguradora precisa precificar, em todo contrato, o risco de estar contratando com um corretor que, ex post, tentará descumprir os termos contratuais.
Logo, as seguradoras não estarão mais dispostas a pagar X-C, cenário de funcionamento ideal do mercado, e pagarão apenas X-(C+Y x P), sendo Y o custo adicional que a seguradora terá caso o corretor aja contrário à boa-fé, ajuíze ação trabalhista predatória e obtenha sucesso na demanda e P a probabilidade de êxito na perseguição de renda adicional através de conduta oportunista.
Como haverá uma disposição sub-ótima de recursos para a transação corretor – seguradora, aqueles corretores com capacidade de obtenção de ganhos maiores na alocação second best de seu tempo, reputação e recursos maiores que X-(C+Y x P), mas menores que X-C, serão expulsos do mercado pelos corretores de má-fé, o que implica em um subdesenvolvimento do setor de corretagem.
E pior, em um cenário de captura de recursos por um único corretor, há incentivos para a generalização do referido comportamento para a maximização dos seus benefícios individuais de curto prazo, mesmo que um ambiente de tragédia dos comuns, ao fim e ao cabo, implique no completo colapso do mercado de corretagem<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a><a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Todos os corretores acabarão, no longo prazo, sofrendo prejuízos, mas, haja vista que os incentivos são para o comportamento de má-fé, para a minimização dos prejuízos decorrentes do comportamento de terceiros, a tendência é que um comportamento que tenha razoável probabilidade de sucesso fomente diversos outros comportamentos semelhantes, mesmo que em detrimento de lei especifica e da ordem econômica constitucional do país.
Há outra externalidade negativa tão ou mais importante do que a anterior: a perda da confiança entre consumidor e corretor. A legislação específica é expressa e categórica em proibir o vínculo trabalhista entre o corretor e a seguradora, vez que aquele precisa de independência funcional e autonomia com as fornecedoras de produtos de seguros para agir no melhor interesse do segurado ao reduzir a assimetria informacional e os custos de transação do mapeamento, escolha e contratação do seguro que melhor atende às necessidades do cliente.
Não se ignora que há uma sub-expansão do setor de seguros em função da desconfiança existente entre consumidores, seguradoras e corretores, sem mencionar o desconhecimento, por grande parte da população, do funcionamento dos produtos de seguros. Portanto, o papel do corretor de seguros é central nesta relação tripartite e para o desenvolvimento setorial, agindo, como dito, como representante de seus clientes junto aos players seguradores, para ofertar o melhor produto na ótica de seus representados.
E repise-se: isso deve ser feito de forma autônoma, independente, sob pena de aumentar as desconfianças dos consumidores, que se verão representados por agentes (leia-se, corretores) capturados, ignorando seus deveres legais – e éticos.
Assim é que, quando um corretor recorre à Justiça do Trabalho – em detrimento de seu contrato comercial de corretagem – e requer o reconhecimento de vínculo de emprego, a Justiça especializada deve decidir não só com base no caso individual, mas sobretudo com uma visão consequencialista.
No entanto, se esse pleito é conhecido pela Justiça trabalhista, em vez de remetê-lo para a Justiça Comum, e, pior, concedido, contrariando a lei e os precedentes mais recentes do Supremo<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a><a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, está-se criando um cenário de incentivos ao comportamento oportunista e de seleção adversa, haja vista a estratégia dominante não cooperativa, qual seja, de judicializar o contrato na Justiça do Trabalho, independentemente de qualquer outra variável decorrente da relação entre as partes.
Importante reiterar que o mero conhecimento do contrato, de forma originária, pela Justiça do Trabalho, imputa custo à seguradora, aos demais corretores e, em última análise, aos clientes segurados, gerando efeito de retração setorial.
Portanto, a responsabilidade dos magistrados trabalhistas frente às demandas judiciais perante o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego é muito mais larga do que individualizada (visão de árvore e não de floresta). Os juízes do trabalho estão também tutelando a confiança entre consumidor e corretor e interferindo nos custos e precificação dos produtos de seguros comercializados no país.
É essencial que a Justiça do Trabalho passe a levar em consideração os incentivos criados e as consequências de suas decisões, a fim de evitar efeitos negativos sobre o cumprimento das leis e dos contratos de forma generalizada.
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Luciana Yeung já prestou consultoria em treinamentos à franquia de serviços de seguro Prudential do Brasil. Leonardo Benedete presta serviços administrativos e de consultoria à franquia de serviços de seguro Prudential do Brasil.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> DA SILVA, Fabiana Lopes; PERIS, Renata Wandroski; CHAN, Betty Lilian; BORELLI, Elizabeth. Evolução do mercado segurador e crescimento econômico no Brasil. Redeca, Revista Eletrônica Do Departamento De Ciências Contábeis &amp;Amp; Departamento De Atuária E Métodos Quantitativos, v, 2, n. 2, pp. 21–36, 2016.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei 4.594/64: Art. 17. É vedado aos corretores e aos prepostos: a) aceitarem ou exercerem empregos de pessoa jurídica de direito público, inclusive de entidade paraestatal; b) serem sócios, administradores, procuradores, despachantes ou empregados de emprêsa de seguros. Parágrafo único. O impedimento previsto neste artigo é extensivo aos sócios e diretores de emprêsa de corretagem.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Estudo “Para onde caminha o seguro na América Latina?” realizado pela Confederacion Panamericana de Productores de Seguros, 2016. Disponível em &lt; <a href="https://www.fenacor.org.br/download/EstudoCopaprose2016.pdf">https://www.fenacor.org.br/download/EstudoCopaprose2016.pdf</a> &gt;. Acessado em 21.08.2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Ibdem, pp. 18/19.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> BOEHM, Johannes; OBERFIELD, Ezra. Misallocation in the Market for Inputs: Enforcement and the Organization of Production. The Quarterly Journal of Economics, v. 135, n. 4, pp. 2007-2058, 2020.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> YEUNG. Luciana (2015) “Algumas Lições Econômicas para a Judicialização da Saúde”. In: Marco Villas Boas; José Cechin. (Org.). Judicialização de Planos de Saúde: Conceitos, Disputas e Consequências. 1ed.Palmas: Esmat, 2020, v. 1, p. 293-311, Seção 5.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> AKERLOF, George A. The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics, v. 84, n. 3, Agosto, 1970, pp. 488-500. Disponível em: &lt; <a href="https://doi.org/10.2307/1879431">https://doi.org/10.2307/1879431</a> &gt;. Acessado em 23.08.2023.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> EINAV, Liran; FINKELSTEIN, Amy; FISMAN, Ray. Risky business: why insurance markets fail and what to do about it. Londres: Yale University Press, 2023.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert H.; PICKER, Randal C. Game Theory and the Law. Boston: Harvad University Press, 1998.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> NASH, John. Non-Cooperative Games. The Annals of Mathematics, Second Series, Volume 54, Issue 2 (Sep., 1951), 286-295.

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