Pedro Marinho Abreu

Gabriel Demetrio Domingues

O BNDES lançou, no dia 16 de março, edital de <a href="https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/mercado-de-capitais/chamada-publica-aquisicao-de-creditos-de-carbono">chamada pública para a aquisição de créditos de carbono</a> no mercado brasileiro, projeto piloto com orçamento de R$ 10 milhões.
A chamada em curso fundamenta-se na premissa de que os créditos de carbono constituem importante mecanismo para a redução de emissões e para a captura de gases de efeitos estufa (GEE) na atmosfera, ao gerarem os incentivos econômicos corretos voltados à preservação e à restauração ambiental, bem como ao desenvolvimento de tecnologias menos poluentes.
Embora a estratégia principal dos países para a diminuição de GEE na atmosfera deva ser a efetiva redução das emissões desses gases, viabilizada pelo desenvolvimento tecnológico e pela mudança de hábitos da população mundial, a compensação de emissões por meio de créditos de carbono constitui alternativa relevante para ajudar a criar uma economia neutra em carbono enquanto não se atinge a necessária maturidade tecnológica para reduzir significativamente a emissão dos gases.
Nesse sentido, o desenvolvimento do mercado de créditos de carbono no Brasil — por meio da diminuição de assimetrias informacionais, da chancela de metodologias e padrões de certificação, da melhoria dos ambientes de negociação e do aumento da demanda por novos créditos — tende a gerar um virtuoso incremento do número de projetos emissores desses créditos, com impacto positivo na redução da emissão e na captura de GEE.
Além disso, como o comércio de créditos de carbono é global, o desenvolvimento de novos projetos no Brasil pode incrementar o fluxo de capital para o país e gerar benefícios econômicos para todos os agentes envolvidos nos projetos e para a sociedade brasileira como um todo.
De todo modo, o fato é que o Brasil ainda não dispõe de um mercado regulado de créditos de carbono, isto é, de um mercado em que seus participantes compram créditos por exigência regulatória, para atender a determinados limites máximos de emissões estabelecidos pelo poder público. As premissas para a criação de um mercado regulado desses créditos no país estão sendo debatidas pelo Congresso Nacional no âmbito do <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2270639">Projeto de Lei nº 528/2021</a>.
Assim, a operação ora estruturada pelo BNDES será realizada no denominado mercado voluntário, que já existe no país e engloba as negociações realizadas por pessoas físicas e jurídicas de forma independente de sistemas jurídicos de regulação de emissões de GEE. No mercado voluntário, agentes privados adquirem créditos e compensam sua pegada de carbono movidos por interesses diversos, que incluem desde o simples senso de dever de neutralizar suas emissões e combater as mudanças climáticas até a expectativa de obterem um retorno positivo decorrente da valorização de sua imagem e marca.
Ao longo da chamada pública, o BNDES analisará e selecionará créditos de carbono resultantes de projetos de reflorestamento, preservação ambiental (REDD+), geração de energia a partir da captura e combustão do gás metano, uso de biomassa de origem renovável para geração de energia, aumento da eficiência energética e substituição de combustíveis não renováveis com alta emissão de GEE por fontes energéticas de menor emissão desses gases.
Ainda, poderão ser selecionados para compra créditos de carbono já emitidos (que já concluíram o processo de verificação por auditor independente) e créditos a serem emitidos (que ainda serão objeto de verificação no futuro). Em todo caso, os créditos de carbono deverão ser emitidos em conformidade com os padrões de certificação Verra e Gold Standard, internacionalmente reconhecidos no mercado voluntário.
É importante destacar também que a chamada pública em curso busca tratar três pontos sensíveis e usualmente abordados no debate público sobre a emissão e a negociação de créditos de carbono. São eles: (i) a análise acerca da adicionalidade dos projetos geradores de créditos de carbono; (ii) a importância da participação de populações tradicionais em projetos ambientais de preservação ambiental; (iii) a preocupação com o risco de não permanência de projetos florestais.
Em primeiro lugar, a adicionalidade é conceito segundo o qual os créditos de carbono somente podem ser emitidos caso se demonstre que sua emissão efetivamente gera um efeito positivo na redução de emissões ou na captura de gases de efeitos estufa, quando em comparação com o cenário de não emissão dos créditos (linha de base). A importância da adicionalidade está em garantir que a emissão dos créditos de carbono realmente implicará uma alteração do quadro fático da quantidade de GEE na atmosfera.
O critério da adicionalidade também foi ratificado nas negociações travadas na COP26 — realizada em Glasgow, em novembro de 2021 —, por meio das quais se regulamentou o parágrafo 4º do artigo 6º do Acordo de Paris, que cria regras básicas para o mercado global de créditos de carbono. Na ocasião, os países estabeleceram certas regras sobre contabilidade, linhas de base e requisitos de adicionalidade, de modo que somente poderão gerar créditos para o novo mercado de carbono centralizado atividades de redução ou remoção de GEE fora do business as usual.
Nessa linha, caso se demonstre, por exemplo, que um projeto de eficiência energética, nas condições normais de mercado, já é economicamente viável, gera um retorno positivo e se justifica mesmo sem o incentivo econômico gerado pela emissão de créditos de carbono, tal projeto não poderá ser elegível à geração de tais créditos, por lhe faltar o requisito da adicionalidade.
Já nos projetos de preservação ambiental (REDD+), a adicionalidade está diretamente relacionada com a pressão por degradação e desmatamento existente na região e no entorno da área que receberá o projeto. Assim, na hipótese de se verificar a existência dessa pressão e o cenário base indicar um real risco de a área vir a ser degradada ou desmatada caso não seja realizado o projeto de preservação, restará caracterizada a adicionalidade, a autorizar a emissão dos créditos de carbono.
Em segundo lugar, a efetiva participação das populações tradicionais em projetos de preservação ambiental reduz os riscos de eventual violação dos direitos dessas populações e de um possível alijamento delas dos benefícios econômicos gerados com os projetos. Essa participação efetiva também é exigida pela Convenção 169 da OIT, que prevê a necessidade de consentimento livre, prévio e informado dos povos tradicionais em relação às atividades desenvolvidas nos territórios que ocupam.
Nesse sentido, o edital da chamada pública lançada pelo BNDES prevê que, quanto aos projetos de REDD+ que envolvam territórios de comunidades tradicionais, deverá ser informado se o projeto foi desenvolvido: (i) respeitando o conhecimento e direitos dos povos indígenas e membros de comunidades locais, levando-se em consideração as obrigações internacionais relevantes, leis nacionais e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas; e (ii) com participação plena e efetiva das partes interessadas, em particular de povos indígenas e comunidades locais.
Além disso, o edital prevê que serão priorizados pelo BNDES projetos que contemplam certificação de cobenefícios em conformidade com os padrões “Climate, Community &amp; Biodiversity” ou “SocialCarbon”, isto é, projetos em que é certificada não apenas a captura de GEE ou a redução de emissões, mas também a promoção de outros benefícios socioambientais.
Em terceiro lugar, a chamada pública lançada pelo BNDES busca tratar a indagação usual sobre o que ocorre com os créditos de carbono emitidos de um projeto de preservação florestal (REDD+) nas hipóteses em que o projeto é descontinuado e a floresta é eventualmente derrubada ou queimada, ou seja, nas hipóteses em que se materializa o chamado risco de não permanência do projeto e o carbono capturado é liberado na atmosfera.
Neste ponto, a primeira medida a ser adotada pelo BNDES para mitigar esse risco de execução é a realização de uma diligência sobre o proponente. O propósito é verificar, a partir da qualificação técnica de sua equipe, de sua governança e do track record de projetos já desenvolvidos, sua aptidão para desenvolver projetos ambientais de longo prazo, que usualmente se estendem por mais de 30 anos.
Outra medida é a própria escolha dos padrões de certificação voluntários definidos no edital (Verra e Gold Standard), que contemplam mecanismo destinado especificamente às hipóteses de descontinuidade de um projeto florestal e de materialização do risco de não permanência. Trata-se da obrigação, estabelecida pelos gestores dos padrões, de parte dos créditos verificados em cada projeto serem destinados a um buffer pool único, que opera como um seguro e garante a higidez do sistema. A partir daí, caso se materialize o risco de não permanência em um projeto específico, as unidades de créditos de carbono já emitidas desse projeto não são canceladas, e o carbono liberado com o evento de desmatamento ou queimada é compensado por meio do cancelamento de uma quantidade equivalente de créditos que ficaram depositados naquela reserva técnica (buffer pool).
Por fim, a chamada pública lançada pelo BNDES no último dia 16 de março integra o ecossistema de esforços para acelerar a agenda da descarbonização e posicionar o Brasil na dianteira do combate às mudanças do clima. Por se tratar de uma operação realizada com ampla transparência e publicidade de dados (verdadeiro projeto open source), o conhecimento e as boas práticas a serem disseminados tendem a constituir bons insumos para as demais entidades do setor público e do mercado que planejam conduzir suas jornadas de descarbonização. O propósito é difundir um modelo ambientalmente robusto e empiricamente testado, que possa inspirar as melhores práticas para o setor como um todo.
Esse objetivo dialoga com o conceito de benefícios de transação, explorado em contraposição ao conceito de custos de transação por Daniel Markovits. Segundo esse autor, os benefícios de publicidade de uma transação — externalidade positiva que se busca gerar com a chamada pública em curso — surgem especificamente quando os termos e condições de uma transação eficiente, porém inédita ou pouco usual, tornam-se públicos e conhecidos por outros agentes, de modo a auxiliá-los em casos semelhantes ou mesmo de forma a aprimorar o sistema jurídico como um todo<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A chamada pública em curso é apenas o primeiro passo do BNDES no mercado brasileiro de créditos de carbono. A estrada é longa e há muito a fazer.
*** Este artigo é de responsabilidade exclusiva de seus autores e não reflete necessariamente a visão do BNDES sobre o assunto.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> MARKOVITZ, Daniel. Transaction Benefits. Yale Journal on Regulation, 2021.

Rio de Janeiro – Edifício sede do BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

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JOTA

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