Arby Ilgo Rech Filho

Em 2020, no âmbito do projeto Inovamos, realizado pelo Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Instituto Tellus, foi identificado que um dos principais gargalos para a administração pública brasileira inovar é o “medo do controle”, que ficou caracterizado como o medo dos gestores públicos serem mal interpretados e penalizados por iniciativas inovadoras.  
Apesar dessa constatação, os órgãos de controle, em especial o TCU, têm incentivado o processo de inovação na administração pública. Entre as formas de atuação da corte nesse sentido, mencionam-se:  
<ul>
<li>1) processos de controle externo relacionados com o tema “inovação”. Exemplos: Levantamento de utilização da inteligência artificial na administração pública federal (APF) – Acórdão 1.139/2022-Plenário, relator ministro Aroldo Cedraz; e Auditoria no sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&amp;I) do Brasil – Acórdão 1.237/2019-Plenário, relatora ministra Ana Arraes;  </li>
<li>2) auxílio às entidades públicas no aperfeiçoamento dos projetos de inovação. Exemplos: Projeto Inovamos e apoio à Encomenda Tecnológica da Agência Especial Brasileira pelo Laboratório de Inovação do TCU; </li>
<li>3) compras públicas do próprio TCU. Exemplo: Encomenda Tecnológica para aquisição de solução de inteligência artificial para apoiar a instrução de denúncias e representações. </li>
</ul>
Nos casos dos processos de controle externo, a atuação do TCU ainda está muito voltada à avaliação das políticas públicas de incentivo à inovação, como os exemplos mencionados no subitem 1 acima. Afinal, a prática comum da APF é a realização de compras tradicionais, sem buscar a inovação de processos ou produtos no setor público e sem realizar parcerias com o setor privado com vistas a obter soluções inovadoras para os problemas que atingem os cidadãos. 
Devido a esse modus operandi dos gestores públicos federais, poucos casos concretos de tentativas de inovação na APF foram levados para análise do TCU, de maneira que há pouquíssimas decisões daquele órgão a respeito do tema – aquisição ou desenvolvimento de soluções inovadoras pela ou para a administração pública. 
Apesar disso, uma decisão de grande relevância para o incentivo da inovação em todo o setor público foi prolatada por aquele órgão de controle em 27 de julho de 2022, mas teve pouca repercussão entre os agentes do setor de inovação (empresas privadas, startups, pesquisadores, compradores públicos, especialistas no tema, acadêmicos, entre outros). 
Trata-se do Acórdão 1.716/2022-Plenário, de relatoria do ministro Augusto Nardes, que tratou de representação, com pedido de medida cautelar, a respeito de possíveis irregularidades em um Pregão Eletrônico, cujo objeto era “a prestação de serviços técnicos especializados em estruturação de dados, arquitetura, desenvolvimento e sustentação de soluções de tecnologia da informação para automatização de processos de negócio, utilizando metodologias e equipes ágeis”. 
O fato relevante nesse processo é que após a análise de memoriais trazidos pelo órgão licitante e reuniões com os técnicos desse órgão, o relator do processo, em seu voto, concluiu que se tratava de um “processo inovador com vistas a aperfeiçoar as contratações de Tecnologia da Informação (TI) no âmbito da administração pública federal”. 
Em outro trecho de seu voto, o relator ressaltou expressamente que aquela contratação se referia a uma solução inovadora e que o TCU deveria apoiar a inovação no Brasil: 
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) 40. Conforme afirmei anteriormente, este processo trata de uma inovação para as contratações de prestação de serviços de desenvolvimento e sustentação de soluções de TI na administração pública federal e, no meu entendimento, este Tribunal deve ser um indutor dos processos inovadores na esfera federal, de maneira a torná-la mais eficiente, eficaz e efetiva, possibilitando, assim, a entrega de melhores produtos e serviços para os cidadãos. (...)”.</blockquote>
Outro trecho de relevância para o incentivo à inovação no Brasil refere-se à possibilidade do insucesso ou do retrocesso no futuro com relação a essa contratação inovadora, in verbis: 
<blockquote class="jota-article__citation">“(...) 41. Como todo projeto inovador, há o risco de insucesso ou retrocesso no futuro. Em que pese esse risco, a nova modelagem de contratação e execução pode vir a constituir boa prática a ser disseminada perante a Administração Pública ou, no mínimo, um novo caminho a ser trilhado rumo ao aperfeiçoamento das contratações. (...)”.</blockquote>
De acordo com a citação acima, verifica-se que o TCU, pela primeira vez, abordou em suas decisões o conceito de risco tecnológico[1], importante para qualquer processo de inovação.  
Cabe ressaltar que, para a aprovar a continuidade da contratação, aquele tribunal levou em conta o bom planejamento realizado pelo órgão contratante, o qual “englobou 18 meses de trabalho, com o envolvimento de 15 unidades daquela entidade, inclusive, do seu corpo dirigente; 21 servidores públicos de diversas áreas da organização; incorporação de sugestões encaminhadas por intermédio de consulta pública realizada; validação junto à uma empresa de consultoria externa; e alinhamento com as diretrizes do corpo diretivo da agência e com o Planejamento Estratégico da instituição”. 
Além disso, tendo em vista o risco inerente de qualquer solução inovadora, o TCU exigiu do órgão contratante que: identificasse os benefícios de utilização da nova solução; verificasse os riscos e oportunidades de melhoria; desenvolvesse indicadores de desempenho relacionados com esse novo modelo; e fizesse um acompanhamento concomitante dos resultados de sua implementação ao longo do próximo ano de vigência do contrato. 
Por fim, recomendou que a área técnica autuasse processo de fiscalização com vistas a realizar análise mais aprofundada do novo modelo de contratação, a fim de que fosse identificado de que tratar-se-ia ou não de boa prática da modelagem na contratação dos serviços de TI.   
Como se vê, o Acórdão 1.716/2022-TCU-Plenário, de relatoria do ministro Augusto Nardes, é de grande relevância para o incentivo à inovação no Brasil e pode servir de referência para futuros processos de desenvolvimento de soluções inovadoras que envolvam recursos públicos federais e que forem levados àquela Corte de Contas.
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A opinião do autor não reflete necessariamente a opinião do órgão em que trabalha.
<hr />
[1] “Risco Tecnológico: Possibilidade de insucesso no desenvolvimento de solução, decorrente de processo em que o resultado é incerto em função do conhecimento técnico-científico insuficiente à época em que se decide pela realização da ação.” (Art. 2º, inciso III, do Decreto 9.283/2018)

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JOTA

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