Rodrigo Carvalho Quequin

Brasil,1966. O país era governado pelo então presidente Humberto Castelo Branco, o primeiro chefe de estado do regime militar. A Constituição Federal de 1946 estava parcialmente suspensa pelo Ato Institucional nº 1 e logo foi substituída oficialmente pela “nova” Constituição em 1967.
O cruzeiro, fragilizado pela inflação, ainda se mantinha como a moeda oficial. No futebol, a seleção brasileira ostentava somente dois campeonatos mundiais (1958/1962). Naquele ano, a equipe protagonizava uma das piores participações em copas do mundo, com eliminação na primeira fase do torneio disputado na Inglaterra.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>A revista Auto Esporte, em sua primeira premiação, divulgava como “carro do ano” o utilitário Jeep-Willys. Estreava na tevê brasileira – com transmissões em preto e branco – o programa dominical de Hebe Camargo. No cinema, A Noviça Rebelde ganhava a estatueta do Oscar de melhor filme. Entre as músicas mais tocadas no rádio, liderava outro sucesso do “rei” Roberto Carlos – Quero que vá tudo para o inferno.
A informática dava seus primeiros passos em terras tupiniquins. Computadores que ocupavam uma sala inteira eram privilégios de alguns setores do governo e de raríssimas empresas privadas. Reinavam nos escritórios e repartições públicas as máquinas datilográficas Remington e Olivetti. Já a internet estava em fase embrionária nos Estados Unidos. Em 1969 seria registrado o primeiro envio de um e-mail entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de Pesquisa de Stanford. No Brasil, a rede mundial de computadores aterrissaria somente no final da década de 80.
Nesse contexto, no dia 25 de outubro de 1966, nascia o Código Tributário Nacional (Lei 5.172), idealizado pelo jurista Rubens Gomes de Souza. Tornava-se o primeiro regulador do direito tributário brasileiro. Dentre muitas inovações, o novel código trazia o prazo de cinco anos para delimitar a decadência, a prescrição e a restituição de tributos.
O prazo decadencial foi previsto em dois dispositivos legais: art. 150 § 4º<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> e art. 173<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a>, com diferença apenas em relação ao termo a quo. Já o prazo prescricional incorria no art. 174<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>. Por fim, o art. 168<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> fixava o prazo de 5 anos para o contribuinte exercer o direito à restituição de tributos.
No relatório apresentado pelo prof. Rubens Gomes de Souza na Comissão Especial do Código Tributário Nacional, constava como motivo para a fixação dos prazos decadencial e prescricional a refutação da tese da imprescritibilidade dos créditos fiscais e, principalmente, o interesse público na estabilidade das relações jurídicas<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a>.
A promulgação do CTN deu-se na época em que todos os registros fiscais e contábeis eram realizados de forma manual. Não existiam ferramentas eletrônicas como ERP`s, Excel e banco de dados. As fiscalizações ocorriam sempre in loco, à base do conhecido “lambe-notas”.
Além disso, no poder judiciário, petições e documentos eram datilografados. Processos “físicos” transitavam via malotes entre procuradorias e tribunais. Citações de partes e testemunhas aconteciam, tão somente, por oficial de justiça.
Nesse contexto, portanto, o lapso temporal de cinco anos para o lançamento tributário e para a cobrança do crédito mostrava-se adequado e razoável para garantir a segurança jurídica das relações tributárias. Tal cenário se manteria praticamente o mesmo até o início dos anos 90.
Porém, com o advento da internet em órgãos públicos e nas empresas privadas, começou a transformação nas relações fisco-contribuinte, principalmente no que diz respeito aos deveres instrumentais.
Em 1995, foi instituído o Convênio ICMS nº 57/95, estabelecendo as primeiras regras relativas à utilização do sistema eletrônico de processamento de dados para emissão e escrituração de documentos e livros fiscais, com aplicação em todo o território nacional.
No ano seguinte, o Estado de São Paulo editou a Portaria CAT 32/96. Tornava-se obrigatória aos contribuintes paulistas a confecção de um arquivo magnético com todas as informações de suas operações. O fisco passava a utilizar o famigerado “arquivo Sintegra” para realização de auditorias por meio de software especializado. Rapidamente, a geração e entrega de arquivos magnéticos se tornariam obrigatórias em todos os estados da federação e nos grandes municípios. Não parou por aí.
A Emenda Constitucional 42/2003, ao introduzir o inciso XXII no art. 37 da Constituição Federal, explicitou a essencialidade das atividades realizadas pela administração tributária, com determinação de recursos prioritários para esse fim, inclusive autorizando a atuação integrada entre as três esferas governamentais, com o compartilhamento de cadastros e informações fiscais realizáveis por meio de lei ou convênio<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>:
A partir desse comando constitucional, surgiriam importantes avanços na legislação tributária em matéria de deveres instrumentais, como a criação da nota fiscal eletrônica em 2005 (Ajuste SINIEF 07/05) e, principalmente, a instituição do Sistema Público de Escrituração Digital – SPED, em 2007 (Decreto nº 6.022/2007).
A criação do SPED foi, sem dúvida, o mais representativo avanço da integração entre as administrações tributárias da União, dos estados e dos municípios, e em sua relação com outras 16 instituições, como órgão públicos, conselhos de classe, associações e entidades civis.
A implementação do SPED possibilitou a substituição de documentos fiscais e contábeis tradicionais (emitidos em papel) para o formato digital, com várias informações de interesse dos fiscos captadas de três grandes bases de dados:  Escrituração Contábil, Escrituração Fiscal e Nota Fiscal Eletrônica.
Atualmente, além do SPED (ICMS/IPI), existem outras tantas obrigações acessórias que podem, exemplificativamente, ser citadas: GIA (Guia de Informação e Apuração – ICMS), EFD – Contribuições, ECD – Escrituração Contábil Digital, ECF – Escrituração Contábil Fiscal etc.
<blockquote class="jota-article__eye">Cabe aqui um parêntese: grande parte dos custos para implementar todas essas mudanças nas chamadas obrigações acessórias foi, e ainda é, suportado pelas empresas.</blockquote>
Em recente artigo, o professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, Luís Eduardo Schoueri, discorreu sobre o fato de os deveres instrumentais terem se tornado uma espécie de carga tributária escondida, em razão dos custos de conformidade (compliance costs) consumirem até 1,2% do faturamento das empresas, ou seja, o dobro da alíquota do PIS, que no sistema cumulativo é 0,65% do faturamento<a href="#_edn7" name="_ednref7">[7]</a>.
Com efeito, a partir da emissão da nota fiscal eletrônica, o fisco já detém grande parte das informações fiscais das empresas, que são complementadas mensalmente com a transmissão do SPED, possibilitando o início de qualquer procedimento de fiscalização imediatamente à ocorrência do fato imponível tributável.
Importante mencionar que todas essas informações fiscais, contábeis e financeiras dos contribuintes são manuseadas pelos fiscos por meio de poderosos Big Datas, que possuem funções avançadas de análises de dados e integração de sistemas, e ainda realizam auditorias complexas ao comando de alguns cliques.
Diante de toda essa evolução tecnológica, ocorrida de 1966 até aqui, fica a seguinte questão:
O prazo decadencial de cinco anos ainda oferece segurança jurídica?
A nosso ver, a diminuição do prazo decadencial seria uma razoável e proporcional contrapartida aos contribuintes que suportam todos os deveres instrumentais que, inegavelmente, deram maior agilidade e eficácia na arrecadação tributária. Além disso, o estreitamento do prazo para o lançamento tributário estimularia a eficiência dos serviços da administração pública.
Outra mudança legislativa simples, capaz de atingir positivamente a segurança jurídica, seria a fixação de um único termo a quo para a contagem do prazo decadencial, a fim de estancar as diversas interpretações sobre a aplicação do art. 150 § 4º ou do art. 173 do CTN, que se arrastam em tribunais administrativos e judiciais.
Seguindo o mesmo raciocínio, com base na evolução tecnológica que também ocorre nas Procuradorias e Tribunais com a informatização de procedimentos e processos, a redução do prazo prescricional seria, do mesmo modo, uma medida adequada. Por fim, de maneira coerente e, pelos mesmos fundamentos, o prazo para o contribuinte pedir a restituição de tributos pagos indevidamente mereceria igual redução.
A bem da verdade, o estreitamento do lapso temporal da decadência, da prescrição e da restituição de tributos traria maior estabilidade para todos os atores das relações jurídico-tributárias:
Para o contribuinte, a segurança jurídica se efetivaria no menor período sob o escrutínio arrecadatório do fisco, levando-se em conta toda a complexidade inerente ao nosso sistema tributário. A longevidade empresarial poderia ser buscada com um pouco mais de previsibilidade.
Já para o fisco, a mudança legislativa ajudaria, por exemplo, a conter as buscas desesperadas por modulações do efeito de sentenças contrárias ao interesse dos entes tributantes, com o fim de evitar rombos nas contas públicas oriundos de restituição de tributos de cinco anos passados.
No Poder Judiciário, a diminuição do prazo desses institutos certamente atenuaria o contencioso tributário e o consequencialismo econômico das decisões em defesa das fazendas públicas.
Infelizmente, porém, embora estejam em tramitação propostas amplas de reforma tributária (PEC nº 110/2019, do Senado Federal, PEC nº 45/2019, da Câmara dos Deputados e PL nº 2.337/2021), em nenhuma delas há a previsão dessa alteração.
Em relação ao PL nº 2.337/2021, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente (1/9) o texto-base que altera as regras de tributação do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), que já conta com a resistência de estados, municípios e grande parte do setor privado.
Sobre as PECs 45/2019 e 110/2019, além da sensível questão sobre a violação do pacto federativo, ambas propõem alterações significativas no sistema tributário brasileiro, aproximando-se de verdadeiras revoluções sociais.
Nesse ponto, cabe lembrar Popper, um dos maiores filósofos do século XX, que já alertava para os perigos das grandes transformações sociais, fenômeno denominado por ele de engenharia social holística/utópica:
“...na prática, o método holístico revela-se impossível; quanto maiores as transformações holísticas buscadas, maiores as repercussões indesejadas e inesperadas, as quais impõem ao engenheiro holístico recorrer ao expediente da improvisação gradativa. Esse expediente é mais característico do planejamento centralizado ou coletivista que da intervenção paulatina mais modesta e cuidadosa, e leva repetidamente o adepto da engenharia utópica a fazer coisas que não pretendia, ou seja, leva ao conhecido fenômeno do planejamento não planejado.” <a href="#_edn8" name="_ednref8">[8]</a>
Por esse e por outros motivos, as referidas PECs são alvos de resistência da União, dos estados, municípios e de parte do empresariado.
Num cenário político desfavorável à aprovação das reformas tributárias em pauta, alterações específicas no CTN, como a redução dos prazos decadencial, prescricional e de restituição de tributos pagos indevidamente, podem ser alternativas viáveis para trazer mais segurança jurídica ao sistema tributário nacional.
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<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
(...)
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
 I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp118.htm#art3" target="_blank" rel="noopener noreferrer">(Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)</a>
 II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, pg. 230. Disponível em: &lt;<a href="http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/511517">http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/511517</a>&gt;.. Acesso em 31/08/2021.
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras especificas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
<a href="#_ednref7" name="_edn7">[7]</a> Disponível em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/obrigacoes-acessorias-do-interesse-da-fiscalizacao-a-mera-comodidade-26032021" target="_blank" rel="noopener noreferrer">'Obrigações acessórias': do interesse da fiscalização à mera comodidade | JOTA Info</a>. Acesso em 01 de setembro de 2021.
<a href="#_ednref8" name="_edn8">[8]</a> Popper, Karl Raimund, Sir, 1902-1994 – Textos escolhidos/Karl Popper; organização David Miller; Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro. Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010 – p. 302/303.

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JOTA

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