Henrique Arake

Gladston Mamede

A IN DREI/ME 88/22 alterou o Anexo IV da IN DREI/ME 81/20 para esclarecer que o exercício do direito de retirada do sócio de sociedade limitada por prazo indeterminado é irretratável. Tal disposição, contudo, não é pacífica, sendo nosso objetivo contribuir para a discussão. Para tanto, é necessário que delimitemos o assunto discutido à primeira parte do caput do art. 1.029 do Código Civil:
<blockquote class="jota-article__citation">Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de 60 dias [...].</blockquote>
Para fins deste ensaio, não aprofundaremos a conhecida controvérsia acerca da aplicação do referido dispositivo legal às sociedades limitadas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e assumiremos a posição jurisprudencialmente dominante<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> de que a despeito de estar geograficamente situado para as sociedades simples, ele também se aplica às sociedades limitadas.
Desse modo, os sócios de sociedade limitada de prazo indeterminado têm o direito potestativo de denunciar a sociedade motivada (art. 1.077/CC ou outra justa causa provada judicialmente) ou imotivadamente e dela se retirar “mediante notificação aos demais sócios” com antecedência mínima de 60 dias, podendo os demais sócios deliberarem pela sua dissolução total no prazo de 30 dias contados do recebimento dessa notificação (art. 1.029, p.u., do CC).
A dúvida que se coloca é a seguinte: uma vez notificados os demais sócios, o sócio retirante pode arrepender-se<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>? Se observarmos o texto da primeira parte do art. 1.029/CC, vemos que a lei é expressa na forma (modus) exigida para o exercício do direito de retirada, a saber: notificação aos demais sócios com antecedência mínima de 60 dias.
Como sabemos, o direito potestativo é um “poder de produzir efeitos jurídicos mediante declaração unilateral de vontade do titular [...] constituindo, modificando ou extinguindo relações jurídicas” ao qual “não corresponde um dever, mas uma sujeição”, i.e., “a necessidade de alguém suportar os efeitos do exercício do direito potestativo” <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> <a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, in casu, o da dissolução parcial da sociedade.
Assim, em se tratando de direito potestativo, aos sócios remanescentes e à sociedade rescindenda, não cabe resistir a essa pretensão<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>, mas apenas se submeter aos efeitos dessa manifestação inequívoca de vontade (art. 107/CC)<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>. Trata-se, portanto, de declaração unilateral e receptícia<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a> que se aperfeiçoa no momento que “chega ao conhecimento do sujeito passivo”<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>, i.e., dos sócios (que terão 30 dias para deliberar sobre a dissolução total da sociedade) e da sociedade, que suportará o custo do reembolso dos haveres e a redução do capital social, caso os sócios remanescentes não supram o valor da quota liquidada do sócio retirante (art. 1.031, §1º, do CC).
Há, contudo, quem defenda que o exercício do direito de retirada somente produziria efeitos após o arquivamento da alteração contratual correspondente no registro competente. Nesse sentido, Campinho &amp; Pinto<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a> defendem a possibilidade de retratação do sócio retirante a qualquer tempo até que a alteração seja arquivada, posição da qual, com todas as vênias, discordamos.
É a própria lei quem determina o modus de exercício do direito de retirada, a saber, a manifestação unilateral e inequívoca do retirante do desejo de se retirar da sociedade. Sociedade que, nos termos do art. 981/CC<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, é um contrato entre os sócios e que, portanto, rege as relações intra societárias.
Por sua vez, nos termos do art. 997, p.u., do CC<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, o arquivamento no registro empresarial competente não é elemento essencial para eficácia de atos entre sócios, mas apenas para que esses atos jurídicos possam produzir efeitos perante terceiros não sócios.
A manifestação do sócio retirante, portanto, não está sujeita a nenhuma condição para que produza efeitos internos à sociedade, mas aperfeiçoa-se no momento que é recebida pelos sócios remanescentes. Até mesmo porque, em sendo a sociedade um contrato em que os sócios se comprometem, mutuamente, a contribuir para a execução do objeto social (art. 981/CC), a manifestação inequívoca do retirante de se desligar da sociedade importa em que não mais pretende contribuir para esse desiderato, razão pela qual há autores<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a> que defendem, inclusive, que o status socii é extinto com a notificação.
Todavia, não chegamos a tal extremo, nos parece evidente que, se a data-base para apuração dos haveres se dá em 60 dias da notificação, o sócio retirante pode (e deve) manter o seu status socii até essa data, pois há evidente interesse em acompanhar/fiscalizar a sociedade, o que só terá legitimidade em fazê-lo na condição de sócio<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a> <a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>.
Em conclusão, entendemos que a notificação de interesse de se retirar da sociedade de prazo indeterminado é irretratável e denota o aperfeiçoamento do exercício do direito potestativo de qualquer sócio denunciar a sociedade nessas condições.
*
Este ensaio se originou do debate entre (em ordem de discussão) dos professores  Henrique Arake, Gladston Mamede, José Assis de Almeida, Giovani Magalhães, Fabrício Oliveira, Alexandre Cateb, Paulo Palhares, Sílvia Cohim e Marcelo Lauar sobre a possibilidade de retratação da notificação do exercício de retirada em sociedade limitada por prazo indeterminado.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Por todos os argumentos favoráveis à aplicação do dispositivo às sociedades limitadas, veja TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. v.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2022, p. 169.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Por todos os argumentos contrários à aplicação do dispositivo às sociedades limitadas, veja BORBA, José Edwaldo T. Direito Societário. São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 153.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Sobretudo em razão do julgado REsp 1839078/SP.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Para fins de delimitação do escopo, assumiremos que a notificação exarada pelo sócio retirante não deixa dúvidas quanto à sua intenção, i.e., estamos tratando de uma manifestação inequívoca do desejo de exercer o seu direito de retirada.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 301.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Em sentido semelhante, PINTO, Carlos Alberto da Mota, Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 183.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Sob pena, inclusive, de terem de arcar com ônus sucumbenciais, caso o façam (art. 603, p.u., do Código de Processo Civil – CPC).
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Cfr. ABRÃO, Nelson. Sociedades limitadas. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 88; VENOSA, Sílvio de S. Direito Empresarial. São Paulo: Grupo GEN, 2020, p. 141, dentre vários outros autores.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> AZEVEDO, Erasmo Valladão e VON ADAMEK, Novaes França Marcelo Vieira. Direito Processual Societário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 81-82.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> CAMPINHO, Sérgio e PINTO, Mariana. A sociedade limitada na perspectiva de sua dissolução. São Paulo: Editora Saraiva, 2022, p. 134.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Art. 997. [...]
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> RETTO, Marcel Gomes B. Sociedades limitadas. Barueri: Editora Manole, 2007, p. 149.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> No entanto, também é evidente que o sócio retirante permanece sob o auspício do art. 1.072, §2º, do CC que veda a deliberação em matéria que lhe diga respeito, bem como ao dever geral de lealdade à sociedade e aos seus interesses.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> O professor Fabrício Oliveira registra a crítica de que a solução do CPC gera o inconveniente de manter o status de sócio àquele que manifestou o direito potestativo de se retirar, podendo influenciar as decisões da sociedade da qual se retirará e, além disso, a depender das circunstâncias, determinar a alteração do seu projeto jurídico-econômico.

sócio sociedade limitada

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Instrução normativa do Ministério da Economia dá mais força a direito de retirada do sócio de sociedade limitada

Da irretratabilidade do sócio retirante

Instrução normativa altera anexo prévio para dar mais força a direito de retirada do sócio de sociedade limitada