Vinicius Jucá

Erlan Valverde

Bruno Rodrigues Teixeira de Lima

Conforme amplamente noticiado, em 24/04/2018 foi publicada importante decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.221.170 (proferida no regime dos repetitivos), por meio da qual a Corte reconheceu a ilegalidade de restrições impostas pela Receita Federal do Brasil (RFB) ao direito dos contribuintes de apropriarem créditos de PIS e COFINS no regime não cumulativo. Apesar de a decisão ser recente, as balizas estabelecidas pelo STJ começam a ser aplicadas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em favor dos contribuintes.
O tema é objeto de discussões há quase 16 anos, desde a instituição do regime não cumulativo para o PIS (em 2002, pela Medida Provisória nº 66/2002, convertida na Lei nº 10.637/2002) e para a COFINS (em 2003, pela Medida Provisória nº 135/2003, convertida na Lei nº 10.833/2003).
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A Constituição Federal é clara ao indicar que o legislador apenas poderá definir quais os setores da economia estarão sujeitos à apuração não cumulativa das contribuições, mas não atribui ao legislador a prerrogativa de limitar essa não cumulatividade: “A lei definirá os setores da atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas” (artigo 195, § 12).
Não deveria haver dúvidas de que o direito ao crédito precisa ser interpretado de forma ampla, para preservar a não cumulatividade. Apesar disso, existem 3 interpretações sobre extensão desse direito ao crédito.
Segundo a primeira interpretação (ou interpretação ampla), à qual nos filiamos, os contribuintes deveriam ter direito de apurar créditos de PIS e COFINS com relação a todos os pagamentos que fazem, desde que essas despesas sejam usuais e necessárias à atividade da empresa. Se as contribuições incidem sobre todas as receitas da empresa (e a materialidade desses tributos é “receita”), logo também deve haver crédito com relação a todas as despesas (usuais e necessárias à atividade) que estão sujeitas ao PIS/COFINS.
Ora, é preciso ter em mente que o regime não cumulativo quase triplicou a alíquota combinada de PIS/COFINS (de 3,65% para 9,25%). Esse aumento só poderia vir acompanhado da concessão de crédito amplo, sob pena de se configurar inaceitável confisco, desrespeito à capacidade contributiva e tratamento desigual com relação aos contribuintes que permanecem na apuração cumulativa (3,65% de alíquota combinada), agravando o efeito cascata desses tributos, o qual a instituição do regime da não cumulatividade visava afastar (negar o crédito amplo também vai de encontro à própria teleologia das Leis nºs 10.637 e 10.833).
A RFB, por meio das Instruções Normativas (INs) nºs 247/2002 e 404/2004 (reiteradas por diversos atos administrativos e, mais recentemente, pela Solução de Divergência COSIT nº 7/2016), introduziu uma segunda interpretação (ou interpretação restritiva) do conceito de insumo, que determina vinculação direta da despesa à receita tributada pelas contribuições para que o crédito seja admitido. Trata-se de uma interpretação importada da legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – por exemplo, na fabricação de mercadorias somente dariam direito a crédito as matérias-primas, os produtos intermediários, materiais de embalagem e quaisquer outros que sofram alterações físicas durante o processo produtivo em função do contato com o produto (materiais de limpeza usados por uma indústria de alimentos não dariam direito a crédito nesse mesmo exemplo, pois seriam materiais de uso e consumo, que não entram em contato direto com o produto final).
Nessa interpretação restritiva ficariam de fora, por exemplo, as despesas com serviço de publicidade incorridas pela indústria ou comércio. Ora, não existe dúvida de que a publicidade é indispensável – em alguns setores, o custo de publicidade é equivalente ao custo de produção da mercadoria. Não fazer publicidade, para esses setores, significa desaparecer. Apesar disso, e a despeito dos custos de publicidade estarem pesadamente onerados pelo PIS/COFINS, a RFB expressamente nega o direito de as indústrias tomarem créditos com relação a essas despesas (Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 7.020/2016), sem analisar a essencialidade e a relevância no caso a caso.
O STJ proferiu importante decisão no regime dos repetitivos, dando parcial provimento ao Recurso Especial nº 1.221.170, para consolidar uma terceira interpretação, em linha com decisões anteriores do CARF e do próprio STJ (por exemplo, REsp. nº 1.246.317/MG, rel. min. Mauro Campbell, DJe 29/06/2015, que deu crédito de PIS/COFINS sobre materiais de limpeza usados por uma indústria de alimentos, por entender que eram essenciais).
Essa terceira interpretação (também conhecida como interpretação intermediária) do conceito de insumos determina que, para a tomada de crédito do PIS e da COFINS, é necessário comprovar a essencialidade ou relevância do insumo aplicado no processo de produção de bens ou serviços. 
De maneira objetiva, no REsp. nº 1.221.170 restou decidido pelo STJ que:
<ol type="i">
<li>
"É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas instruções normativas da Receita 247 e 404 porquanto compromete a eficiência do sistema de não cumulatividade da contribuição do PIS e da Cofins, tal como definida nas leis 10.637/02 e 10.833/03."
</li>
</ol>
<ol start="2" type="i">
<li>
"O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”
</li>
</ol>
Especificamente em relação à essencialidade, o voto condutor da decisão deixa claro que deverão ser caracterizadas como insumos essenciais as despesas de que os bens ou serviços dependam, intrínseca e fundamentalmente. Quanto à relevância, o voto da ministra Regina Helena Costa definiu o quanto segue:
"Por sua vez, a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual - EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço. Desse modo, sob essa perspectiva, o critério da relevância revela-se mais abrangente do que o da pertinência.”
Trata-se, portanto, de importante precedente que finalmente traz um critério mais claro para os contribuintes industriais, comerciantes e prestadores de serviço envolvidos na discussão quanto à conceituação de insumo há mais de uma década.
Mesmo depois do julgamento do REsp. nº 1.221.170 (mas antes da publicação do seu acórdão), em 10/04/2018, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF julgou contra o contribuinte, aplicando a interpretação mais restritiva. A relatora Vanessa Marini Cecconello votava por aplicar o entendimento consolidado no STJ (interpretação intermediária) e negar provimento ao Recurso Especial da Fazenda, mas foi vencida (Acórdão nº 9303-006.596, sessão de 10/04/2018). Apesar de ainda haver precedentes desfavoráveis, a nosso ver, a tendência é que as decisões do CARF acompanhem o entendimento consolidado no STJ.
Nos termos do artigo 62, § 1º, inciso II, alínea “b”, do Regimento Interno do CARF, os conselheiros do CARF devem observar as decisões tomadas pelo STJ e STF no regime de repetitivos. Nesse contexto, no dia seguinte a essa decisão citada no parágrafo anterior, a mesma 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF aplicou o conceito de insumo delineado no REsp nº 1.221.170. Dessa vez a relatora Vanessa Marini Cecconello conseguiu prevalecer, concluindo que, pela peculiaridade da atividade econômica que exerce, são imprescindíveis à indústria fonográfica a aquisição de direitos autorais para a produção de suas obras, razão pela qual devem ser reconhecidos como insumos. (Acórdão nº 9303-006.604, sessão de 11/04/2018). A peculiaridade desse caso é que esse direito a crédito específico também já havia sido reconhecido pela Solução de Consulta COSIT nº 99.019/2017 – por tal motivo, os conselheiros do Fisco não resistiram, como o fizeram no caso do parágrafo anterior.
O julgado em questão também é um importante precedente para reconhecer que o conceito de insumo é extensível aos pagamentos por intangíveis, o que nos leva a crer que o precedente do STJ não deveria ser aplicado apenas a bens ou serviços utilizados como insumo, mas sim a toda e qualquer despesa essencial e relevante no processo produtivo. A discussão se torna particularmente interessante em razão da evolução do ambiente de negócios desde a criação da não cumulatividade e crescente digitalização da economia. 
Em sessão realizada em 22/03/2018, uma das turmas aplicou as conclusões do REsp. nº 1.221.170 para concluir que uma rede de restaurantes que permite o uso da sua marca por terceiros mediante franquia tem direito a tomar créditos de PIS/COFINS sobre as despesas de “assessoria, marketing, consultoria, informática, intermediação, representação, publicidade e propaganda”. (Acórdão nº 3402005.101, 2ª Turma/4ª Câmara/Terceira Seção).
Mesmo sem citar expressamente o REsp. nº 1.221.170, decisões recentes do CARF adotam as suas conclusões, consolidando a interpretação intermediária do conceito de insumo para crédito de PIS/COFINS. Nesse contexto, em julgamento realizado em 18/04/2018, uma das Turmas do CARF deixou claro que “o conceito de insumo para fins de creditamento da contribuição em apreço não guarda correspondência com o extraído da legislação do IPI (demasiadamente restritivo) ou do IRPJ (excessivamente alargado). Em atendimento ao comando legal, o insumo deve ser necessário ao processo produtivo (custo de produção) e, consequentemente, à persecução da atividade empresarial desenvolvida pela empresa. Precedentes deste CARF.” (Acórdão nº 3402-005.141. 2ª Turma/4ª Câmara/3ª Seção. Julgamento de 18/04/2018).
Esse cenário reforça a importância de as empresas comprovarem, para fins de crédito de PIS e COFINS, a essencialidade ou relevância das suas despesas, por meio de estudos que passam pela análise caso a caso, cotejando os valores despendidos com a atividade econômica praticada pelo contribuinte. Isso é imprescindível inclusive nos casos que estão em andamento. 
Nesse sentido, a análise jurídica de risco quanto à tomada de créditos deverá ser preferencialmente acompanhada de opiniões de especialistas na atividade do contribuinte (e.g. laudos, pareceres, estudos econômicos) demonstrando a relevância do insumo à produção de bens ou serviços de forma não apenas jurídica, mas também técnica de acordo com o setor. A opinião de especialista se torna, portanto, uma importante ferramenta dos departamentos fiscais das empresas brasileiras para a tomada de créditos de PIS e COFINS. 
Diante de todo o exposto, é inegável o avanço interpretativo trazido pela decisão proferida nos autos do REsp nº 1.221.170, que fixou os critérios de essencialidade ou relevância para apropriação dos créditos de PIS e COFINS para todos os setores da economia. Apesar de a decisão do STJ ser recente, já vem sendo aplicada pelo CARF para reconhecer créditos de PIS e COFINS dos contribuintes com base nos critérios fixados no regime dos repetitivos.

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JOTA

A influência imediata da decisão do REsp nº 1.221.170 na jurisprudência do CARF

Créditos de PIS e COFINS não cumulativos

A influência imediata da decisão do REsp nº 1.221.170 na jurisprudência do CARF