Paulo Ayres Barreto

Ao dividir as competências para a instituição de tributos entre os diversos entes federativos, a Constituição Federal de 1988 utilizou-se de classificações diversas. Relativamente aos impostos e algumas contribuições sociais, a Lei Maior circunscreveu competências mediante a indicação de materialidades tributáveis. Trata-se da competência federal para a instituição de imposto sobre a “renda e proventos de qualquer natureza” (art. 153, III) e da competência municipal para a instituição de imposto sobre “serviços de qualquer natureza” (art. 156, III), por exemplo. No tocante a outros tributos, como taxas, contribuições em geral e empréstimos compulsórios, a Constituição não estabeleceu materialidades tributáveis. Contudo, firmou os limites de cada uma dessas espécies tributárias, que, assim como fazem as materialidades em relação aos impostos, circunscrevem o exercício da competência tributária.
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Especificamente no tocante às taxas, o Sistema Constitucional Tributário jungiu-as à sua finalidade contraprestacional. Com efeito, consoante determina a Constituição Federal de 1988, as taxas são cobradas “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição” (art. 145, I) e não podem “ter base de cálculo própria de impostos”. Na mesma linha dispõe o art. 77 do Código Tributário Nacional.
Conforme destacou o ministro Carlos Velloso, adotando as lições de Geraldo Ataliba, as taxas são regidas pelo “específico princípio da retribuição ou remuneração. Cada um consome uma certa quantidade de serviço público e remunera o custo daquela quantidade”<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Nessa linha, a doutrina enuncia o princípio da retributividade, em matéria de taxas, conforme o qual esses tributos devem pautar-se pela “retribuição dos custos das diligências necessárias ao exercício [do poder de polícia], motivo pelo qual deve ser individualizado, permitindo precisar o custo relativamente a cada usuário”.<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Trata-se, em outras palavras, da necessária equivalência entre o custo da atuação estatal, que pode consistir em um serviço ou no exercício do poder de polícia, e a arrecadação proporcionada pela taxa, da “relação proporcional entre a atuação estatal e o valor a ser pago<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Diferentemente do que ocorre com o controle de constitucionalidade de impostos e das contribuições sociais que potencialmente desbordem das materialidades previstas na Constituição, o controle da equivalência, proporcionalidade ou retributividade das taxas demanda o exame dos efeitos concretos da norma, especialmente em matéria de arrecadação.
<blockquote class="jota-article__eye">É necessário perquirir se a arrecadação efetiva ou potencial efetivamente guarda relação de equivalência, proporcionalidade e retributividade em relação ao serviço prestado ou ao poder de polícia exercido.</blockquote>
Trata-se de controle relativamente ao qual não tem se furtado o Supremo Tribunal Federal (STF), no exercício de sua função de guardião da Constituição (CF/88, art. 102). Precedente recente que bem representa esse controle é encontrado na ADI 5.374 (DJ 12/03/2021), em que o Tribunal, por unanimidade, julgou inconstitucional a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização de Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos (TFRH), do Estado do Pará, tendo fixado a tese de que “viola o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício, a instituição de taxa de polícia ambiental que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização”. O voto condutor, de lavra do Min. Luís Roberto Barroso, demonstra que o tribunal cotejou a arrecadação proporcionada por esta taxa com os custos incorridos pelo Estado com a fiscalização da atividade de utilização de recursos hídricos (poder de polícia que a justificava), tendo concluído pela sua manifesta desproporcionalidade. Veja-se:
(...) para que seja assegurada a natureza de taxa, é essencial que o custo da atividade estatal também guarde razoável equivalência com o valor cobrado do contribuinte. Em última análise, é o custo/benefício que valida a sua instituição e cobrança. Assim sendo, se a exação tributária excede de forma desproporcional/excessiva os custos da atividade estatal, haverá a descaracterização da própria natureza contraprestacional da taxa, violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício – princípio da equivalência –, bem como o princípio da proporcionalidade, decorrentes do inciso II do art. 145 da Constituição.
Em breve decidirá o Supremo Tribunal Federal também sobre a constitucionalidade das chamadas taxas minerárias (ou Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários - TFRM) criadas ao final de 2011, quase que concomitantemente, pelos Estados de Minas Gerais (Lei nº 19.976, de 27 de dezembro de 2011), do Pará (Lei nº 7.591, de 28 de dezembro de 2011) e do Amapá (Lei nº 1.613, de 30 de dezembro de 2011), questionadas, respectivamente, nas ADIs 4.785, 4.786 e 4.787.
Essas taxas foram criadas sob a justificativa de que visariam a custear os dispêndios de cada um dos respectivos Estados com as atividades de controle, acompanhamento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerários. Trata-se, portanto, de uma taxa de polícia, cuja arrecadação visará a custear atividades de fiscalização e controle do uso dos recursos minerais. Nesse passo, as suas alíquotas foram firmadas em valores monetários por tonelada de minério extraído. Ainda que, in abstrato, fosse possível divisar uma relação entre o custo estatal com a fiscalização e a quantidade de minério extraído pelos contribuintes, o exame concreto da arrecadação dessas exações demonstra total e completa desproporcionalidade entre a medida estatal que justifica a taxa e sua arrecadação. No caso da Taxa Minerária do Estado do Pará, estudo acostado aos autos da ADI 4.786 demonstrou que a arrecadação do tributo correspondeu, no último ano, a mais de 5.000% do valor despendido com o órgão de fiscalização cujas atividades deveriam ser custeadas pela taxa. No caso de Minas Gerais, arrecada-se entre 300% e 600% dos custos de fiscalização.
Esses números demonstram, de forma inequívoca, que as taxas em questão não respeitam o critério de equivalência, proporcionalidade ou retributividade, que a Constituição exige para a instituição regular de uma taxa de polícia (CF/88, art. 145, II e § 2º). Qualquer outra justificativa que se pretenda aduzir para suportar a manutenção dessas cobranças é impertinente. A teor da Constituição, as taxas visam a remunerar o exercício do poder de polícia ou do serviço público específico e divisível para o qual instituídas. Nada mais.
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<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> RE 416.601, Relator: Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 30-09-2005.
<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. Linguagem e Método. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2013. p. 791.
<a href="applewebdata://85B9F5D1-7524-495F-88F1-AA24542829B4#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ÁVILA, Humberto. As Taxas e sua Mensuração. In. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 204. São Paulo: Dialética, 1995. p. 39.

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JOTA

Controle da equivalência, proporcionalidade ou retributividade de taxas demanda o exame dos efeitos concretos da norma

Competência tributária e taxas minerárias: o critério da equivalência

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