Eduardo Mercadante

Kenneth Shadlen

É necessário um equilíbrio fino para que o sistema de patentes de fato alcance seu objetivo de promover o processo dinâmico da inovação e aumentar o bem-estar social. Assim, a política pública deve ter atenção redobrada para evitar medidas que possam gerar desigualdade competitiva e exacerbar as assimetrias de informação. Nesse sentido, cabe analisar a adequação da recente proposta do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inpi">INPI</a>) para os prazos de tramitação de pedidos de patentes no Brasil. Neste texto, é sugerido que, apesar de aparentemente pontual, a proposta pode gerar consequências negativas expressivas para o sistema patentário brasileiro.
Primeiramente, um resumo sobre os prazos de tramitação de pedidos no INPI. A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) determina que o pedido será mantido em sigilo por 18 meses após o depósito (art. 30). Quando passados dois meses da publicação, o pedido está apto para ser examinado (art. 31, Parágrafo Único). No entanto, a LPI exige que o depositante requeira o exame, o que pode ser feito em até 36 meses do depósito (art. 33). Durante esse prazo, o titular pode fazer alterações ao pedido, desde que limitadas à matéria original (art. 32). Em paralelo, da publicação do pedido até o fim do exame, qualquer interessado pode apresentar subsídios ao exame (art. 31 caput).
Além disso, o Brasil é signatário do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), por meio do qual são trazidos ao país pedidos de patente depositados no exterior. Segundo dados do INPI, 70% dos pedidos são depositados no Brasil por meio do PCT. Um depositante internacional tem até 30 meses para trazer o seu pedido para o Brasil, entrando na chamada “fase nacional”. O prazo para requerimento de exame para pedidos PCT é 36 meses do depósito internacional.
Em 14 setembro de 2023, o INPI publicou no Diário Oficial da União o Aviso de Tomada Pública de Subsídios 01/2023. Em resumo, essa tomada se refere à <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/pagina_consultas-publicas/TPSPATENTES_3233_LPIINPIRev1.pdf">proposta</a> de alteração dos prazos, determinando que o requerimento de exame aconteça já no depósito do pedido, e permitindo que o depositante faça alterações no pedido até que seja iniciado de fato o exame. Essa medida vai na esteira do Planejamento Estratégico 2023-2026 do INPI, que tem como meta passar a decidir os pedidos de patente em até 24 meses contados do depósito. A seguir, são apresentadas reflexões para cada uma das propostas e uma conclusão.
<h3>Requerimento do exame</h3>
Focando na proposta atual, a primeira mudança é a supressão do prazo para requerimento de exame, sob a justificativa de antecipar o início do exame. Obviamente, isso só seria necessário se o INPI conseguisse começar a examinar pedidos em menos de 36 meses. Segundo as <a href="https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/relatorios-gerenciais">estatísticas preliminares</a> para 2023, o primeiro exame ocorre 59 meses (quase cinco anos) após o depósito. Então, há um longo caminho até lá. Ademais, há diversas críticas que podem ser feitas à estratégia de acelerar a tramitação à custa da qualidade do exame. Não obstante, há três críticas à supressão do prazo para requerimento.
Primeiro, isso geraria um desequilíbrio contra os inventores nacionais. Se o prazo para o requerimento for eliminado, o depositante nacional teria de requisitar o exame já no momento do depósito do pedido. Para depositantes internacionais, o requerimento seria feito junto à entrada na fase nacional. Portanto, segue havendo um prazo de 30 meses entre o depósito internacional e o requerimento do exame. Assim, a proposta reduziria o prazo para requerimento de exame de 36 meses a 30, para depositantes internacionais, e a zero, para depositantes nacionais.
Aqui é importante entender que o prazo é um limite para a proatividade do depositante. Se aprovada a mudança, o depositante internacional poderia dar entrada na fase nacional e requerer o exame juntamente ao depósito internacional, abdicando dos 30 meses caso fosse estrategicamente interessante. No entanto, o depositante nacional não teria capacidade de fazer uma escolha estratégica entre antecipar ou adiar o exame. Segundo a fundamentação do próprio INPI para a proposta, essa escolha de adiar o exame é a regra no Brasil, com o requerimento sendo feito normalmente após 33,5 meses.
Essa decisão estratégica de antecipar ou adiar o exame é influenciada, em grande medida, pela linha do tempo da pesquisa e desenvolvimento (P&amp;D). Em indústrias como a farmacêutica, pedidos de patentes são depositados em fases muito iniciais, quando há muita incerteza sobre a invenção. Com o tempo, é possível que o inventor já tenha uma melhor ideia, por exemplo, sobre qual forma farmacêutica é mais eficaz, estável ou segura. Nesse sentido, os depositantes internacionais teriam mais tempo que os nacionais para avaliar a viabilidade e atratividade comercial de suas invenções, podendo focar nos pedidos mais interessantes. Logo, depositantes nacionais estariam em desvantagem em relação aos internacionais.
A segunda crítica à proposta seria por sobrecarregar o exame de patentes e desperdiçar recursos do INPI. Desde a introdução da LPI, o despacho do INPI que indica o arquivamento definitivo por falta de requerimento do exame foi publicado para cerca de 74 mil pedidos de patentes. Nesses casos, os próprios depositantes perceberam que seus pedidos não necessitavam exclusividade no Brasil ou tinham inadequações que levariam ao indeferimento. Com isso, pouparam os recursos do INPI, que puderam ser aplicados no exame de pedidos que de fato mereciam atenção, e evitaram a concessão de patentes para invenções sem relevância comercial. Assim, separar o depósito do requerimento de exame promove eficiência na alocação de recursos do INPI e liberdade na concorrência econômica.
A terceira crítica se refere à praticidade da proposta. Como explicado, o exame de patentes no INPI não pode começar antes de passados pelo menos 60 dias da publicação do pedido de patente. Se a publicação ocorrer exatamente quando terminar o período de sigilo padrão, 18 meses, isso significa que o exame não começará em menos de 20 meses do pedido de patente.
Portanto, não há sentido prático em exigir que o exame seja requerido antes desses 20 meses, a não ser que o INPI passe a examinar pedidos antes mesmo de sua publicação, ou que não seja mais garantido ao titular 18 meses de sigilo e à coletividade dois meses para se inteirar do pedido antes de o exame começar. Como a proposta do INPI felizmente não sugeriu nenhum desses dois cenários, a conclusão é a de que a proposta é impraticável.
Pelos motivos expostos acima, não há sentido em exigir que o exame seja requerido antes de 20 meses do depósito nacional. Além disso, não deve ser criado um desequilíbrio entre depositantes nacionais e internacionais. Portanto, um prazo mínimo para uma eventual redução seria 30 meses, que corresponde ao período do PCT. Com esse prazo, seria possível antecipar o requerimento em seis meses mantendo o equilíbrio no sistema e sem criar prazos impraticáveis.
<h3>Alterações no pedido</h3>
Atualmente, o prazo para os depositantes alterarem seus pedidos está atrelado ao requerimento do exame. Há duas décadas, existe um embate entre o INPI e o Ministério Público Federal quanto à possibilidade de o titular alterar o pedido após o requerimento de exame desde que somente reduzindo o escopo. Não obstante essa discussão jurídica sobre alterações restritivas, este texto se debruça sobre a atual proposta que engloba todas as alterações permitidas pelo art. 32, inclusive ampliando o escopo do pedido.
Considerando um cenário em que o requerimento do exame aconteceria já no depósito, o INPI propôs que os pedidos pudessem ser alterados até a primeira ação de exame. Como apontado acima, os pedidos que receberam o primeiro exame em 2023 foram depositados, em média, em 2018. Portanto, seria ampliado o prazo para alterações com base na duração atual da tramitação de patentes. No entanto, esse prazo varia significativamente dependendo da indústria, da complexidade do pedido e do número de examinadores qualificados para lidar com determinado tipo de invenção.
Mais do que quanto tempo o depositante possui para fazer alterações, a raiz do problema está em determinar um prazo flexível. Quando não existe um prazo fixo para alterações no pedido, é possibilitada uma situação de “pedidos de patente submarino”. “Patentes submarino” é um termo tradicionalmente usado para definir os pedidos que só são publicados quando a patente é concedida. Neste caso, são pedidos sem um prazo fixo e estabelecido a priori para a alteração de seus escopos. Portanto, isso inclui a permissão de alteração até o início do exame, por exemplo.
Existem dois efeitos nocivos da não fixação de um prazo. Em primeiro lugar, um elemento crucial do sistema patentário brasileiro são os subsídios por terceiros interessados, que seriam significativamente comprometidos se não houvesse clareza sobre o escopo do pedido.
É importante ter um prazo fixo para que a coletividade (tanto a concorrência industrial quanto os órgãos públicos e a sociedade civil interessada) possa avaliar a necessidade de oferecer subsídios, o que inclusive promove eficiência na tramitação ao alertar o examinador para possíveis problemas no pedido. Ademais, enquanto o pedido estava pendente, muitos concorrentes podem ter despendido esforços significativos para o desenvolvimento de invenções que subitamente seriam inutilizadas pela concessão da patente. Se eles já tivessem conhecimento do teor dos pedidos, tais desperdícios poderiam ser evitados.
Nesse sentido, ter um prazo fixo para alterações reduz a assimetria de informações, promovendo o funcionamento dos mecanismos de autocontrole do sistema patentário e aumentando a eficiência coletiva dos esforços inovativos. Portanto, a ausência de um prazo fixo poderia levar a mais conflitos entre pedidos de patentes, exacerbando a insegurança jurídica e enfraquecendo o sistema de patentes brasileiro. Em última instância, isso poderia desincentivar o investimento no Brasil.
<h3>Conclusão</h3>
Com base nesses motivos, as duas propostas são inadequadas. Por um lado, antecipar o requerimento do exame para o depósito a entrada na fase nacional: a) cria uma situação de desigualdade competitiva desfavorável para os depositantes nacionais, dados os prazos do PCT; b) promove o desperdício de recursos do INPI com exame de pedidos que os próprios depositantes reconheceriam como pouco interessantes comercialmente ou de baixa qualidade; e c) é impraticável dado o prazo de 20 meses para o sigilo e a publicidade do pedido. Logo, se o INPI quiser promover celeridade no exame e evitar desequilíbrios entre depositantes, o menor prazo para requerimento de exame seria de 30 meses do depósito ou da fase nacional.
Por outro lado, não estabelecer a priori um prazo fixo para as alterações do pedido, podendo ser feitas até o início do exame, compromete o funcionamento dos freios internos ao sistema de patente por prejudicar o fornecimento de subsídios ao exame, além de aumentar a probabilidade de conflitos entre patentes e desperdícios de esforços inovativos.
Por fim, deve ser louvada a iniciativa de abrir uma tomada pública de subsídios para a discussão das mudanças nos prazos. É curioso, no entanto, que não tenha sido feito o mesmo para a meta de decidir os pedidos em até 24 meses ou para o Plano de Combate ao Backlog, por exemplo. Certamente, a sociedade teria importante contribuições e alternativas a propor. Foi assim no caso do projeto de deferimento sumário dos pedidos de patente em 2017, quando a reação negativa foi tão contundente que a proposta foi abandonada. Não obstante, é louvável que o INPI tenha aberto o debate para que, como estas, outras reflexões possam ser enviadas até o próximo dia 29 de outubro neste <a href="https://epesquisa.inpi.gov.br/index.php/513652/lang-pt-BR">link</a>, a fim de auxiliar o desenho da política pública.

Inpi

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JOTA

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