Humberto Cestaro Teixeira Mendes

No âmbito do Direito Penal, é uníssona a compreensão de que o princípio da intervenção mínima restringe e orienta a criminalização de comportamentos pelo Estado.
O Direto Penal é tido como a última alternativa estatal (ultima ratio) para a proteção de determinado bem jurídico, ou seja, a persecução criminal somente é adequada se outras formas de controle social não forem suficientes à tutela daquele bem.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Essa noção está intrinsecamente ligada a garantias constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade dos direitos à liberdade, à segurança e à propriedade. Como a imposição da sanção criminal limita tais garantias constitucionais, a intervenção do Direito Penal apenas se legitima quando for estritamente necessária para remediar ameaça ou violação a bem jurídico.
Nada obstante a compreensão acima, observa-se que, nos últimos anos, algumas leis têm estendido esse atributo de subsidiariedade a um sub-ramo jurídico: o Direito Administrativo Sancionador.
Tais normas – ainda que de forma não ordenada ou premeditada – direcionam a Administração Pública à adoção de outras medidas de controle ou da consensualidade, em substituição à persecução sancionatória, caso se revelem mais adequadas à proteção do interesse público do que a imposição de um ato unilateral decorrente de um processo punitivo.
O presente artigo tem por objetivo analisar brevemente esse movimento legislativo que parece determinar a utilização secundária do poder punitivo pelo administrador, de modo a avaliar a sua adequação.
Em uma perspectiva mais geral, verifica-se um evidente fomento à consensualidade com o advento da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que alterou o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), para incluir dispositivo que autoriza a autoridade administrativa à celebrar compromisso com interessados “[p]ara eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público” (art. 26).
O legislador, expressamente, estabelece que a celebração de compromisso é apta a substituir a persecução punitiva e, o que é mais relevante, confere uma competência consensual a toda a Administração Pública, pois, a rigor, o art. 26 da LINDB autoriza que qualquer entidade administrativa celebre acordo com o administrado, para os fins indicados no dispositivo.
Ao abordar a adoção da consensualidade pelo administrador, Diogo de Figueiredo Moreira Neto<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> pontua com precisão que ela “não estará destinada a substituir as formas tradicionais de ação imperativa do Estado, mas, sem dúvida, já representa uma mudança substancial em inúmeras modalidades de atuação, concorrendo para a redução do arbítrio e da conflitualidade, sempre mais frequentes na atuação predominantemente unilateral do Estado”.
Um exemplo mais específico de norma que atribui um caráter subsidiário à ação punitiva estatal é a Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017, que dispôs sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do Banco Central do Brasil (BCB) e da Comissão de Valores Mobiliário (CVM).
A atuação punitiva do BCB, em especial, foi drasticamente alterada, visto que a lei o mune de importantes instrumentos de caráter não punitivo, como a possibilidade de aplicação de medidas coercitivas, a possibilidade de celebração de acordo administrativo com infratores e de firmar termo de compromisso, de modo a sanar irregularidades.
Ademais, o art. 19, § 1º, da Lei nº 13.506, de 2017, confere ao BCB a prerrogativa de não instaurar o processo administrativo sancionador, caso considere haver baixa a lesão ao bem jurídico por ele tutelado, devendo, nesses casos, utilizar outras medidas de supervisão que julgar mais efetivas, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da eficiência.
A Lei nº 13.506, de 2017, atesta, portanto, que o modelo sancionador tradicional pode assumir um papel secundário na atuação do BCB. Ao passo em que tal norma estrutura e aprimora a atuação administrativa punitiva, com a inclusão de severas penalidades e com um rito processual próprio, a lei parece não descuidar do fato de que o modelo até então predominante é anacrônico e pode ceder frente a instrumentos alternativos ou de caráter consensual, que garantam eficazmente o saneamento de irregularidades, reparações porventura devidas e, sobretudo, o atendimento do interesse público.
Previamente, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com redação inicialmente dada pelo Decreto nº 3.995, de 31 de outubro de 2001, já indicava o surgimento desse espírito normativo, ao prever que a CVM, na apuração de infrações, deveria priorizar as de natureza grave – o que pode ser encarado como um comando que restringe ou inibe a atuação administrativa sancionatória (art. 9, § 4º).
Vale mencionar, também, que a referida lei já munia a CVM da possibilidade de firmar termo de compromisso com investigado, em substituição a persecução punitiva (art. 11, § 5º).
Assim como a sanção criminal, a imposição de uma penalidade administrativa pode acarretar uma grave limitação de garantia constitucional, como o livre exercício de atividade econômica (art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal), por exemplo, o que justificaria limitar a intervenção do Direito Administrativo Sancionador às situações em que for estritamente necessário para tutelar bem jurídico.
Ademais, é notório que a tradicional atuação repressiva, concretizada em processos administrativos sancionadores, é usualmente marcada por onerosidade, ineficiência e morosidade, seja pela costumeira ausência de estrutura adequada das entidades públicas, pelo excesso de ocorrências a serem apuradas ou pelos usuais entraves para a célere resolução de uma situação conflituosa (excesso de manifestações, interposições de recursos, adoção de diligências, entre outros fatores).
<blockquote class="jota-article__eye">A tardia aplicação da sanção, em seu turno, tende a elidir o seu caráter pedagógico, na medida em que o infrator ou a coletividade pode considerar que o Poder Público não se posiciona de forma oportuna e diligente frente a irregularidades.</blockquote>
Some-se, ainda, a baixa possibilidade de recuperação de ativos afetados pelo ilícito, uma vez que o processo administrativo sancionador, ordinariamente, não tem um viés reparatório.
Todos esses fatores parecem fomentar um movimento legislativo em prol da intervenção mínima do Direito Administrativo Sancionador. Deve-se ter em vista que a restrição da atuação administrativa punitiva às situações em que outros instrumentos disponíveis na legislação não sejam aptos a tutelar determinado bem jurídico diminuiria a carga processual e, assim, permitiria a condução mais célere e adequada dos procedimentos existentes, a redução dos custos atrelados à atividade punitiva e do extenso tempo gasto pelo administrador na condução dos processos.
Ademais, no que concerne especificamente à consensualidade, a sua adoção, quando cabível, permite a desejada indenização de prejuízos ou reparações devidas, de forma mais oportuna.
É importante ressaltar, também, que um Direito Administrativo Sancionador mínimo não representaria o enfraquecimento do poder punitivo do administrador. Ao contrário, esse poder tende a se fortalecer, na medida em que se criará as condições necessárias para que o seu uso seja mais confiável.
Nessa via, a melhor condução dos (efetivamente necessários) processos sancionadores, em especial, garantiria menos intervenções judiciais, a possibilidade de o administrador ter controle e observar os seus próprios precedentes, bem como de proferir decisões mais equânimes e isonômicas.
Considerando tais premissas e o fato de que a Administração Pública deve maximizar a satisfação do interesse público, é salutar que a legislação continue a fomentar a adoção de instrumentos de caráter não punitivo pelo administrador, quando esses mecanismos forem aptos a regularizar uma ocorrência ou a sanar um conflito existente, de maneira adequada e eficaz.
Ao se concretizar essa forma de atuação administrativa, ter-se-ia, em certa medida, a extensão do princípio da intervenção mínima para o âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
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Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 16. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
GARCÍA, Alejandro Nieto. Derecho Administrativo Sancionador. 4ª edição. Madri: Tecnos, 2006.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Quatro paradigmas do Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. 14ª edição. Rio de Janeiro: 2006.
PRATES, Marcelo Madureira. Sanção Administrativa Geral: Anatomia e Autonomia. Coimbra: Edições Almedina, 2005.
Notas
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> In “Quatro paradigmas do Direito Administrativo”. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 118/ 119.

Os limites do NJP na Execução Fiscal

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JOTA

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