Thiago Ferreira Almeida

Nas vésperas do natal de 2020 foi concluído o acordo comercial entre o Reino Unido e a União Europeia (UE). Conforme as previsões do acordo de retirada do Reino Unido da comunidade europeia, aprovado em 31 de janeiro de 2020, as partes teriam um período de transição para definir regras comerciais específicas e de outros setores correlatos. No final de 2020, portanto, foi alcançado o referido acordo comercial. O prazo final para o período de transição era de 31 de dezembro de 2020, em que seriam retomadas as barreiras comerciais entre as partes. Caso não se chegasse a um acordo (um cenário de no deal), aplicar-se-iam as regras comerciais da Organização Comercial de Comércio (OMC).
O cenário do no deal poderia gerar filas de caminhões de ambos os lados nas entradas do Eurotúnel, uma vez que inexistiria com o Reino Unido a aplicação da liberdade de circulação de bens, capitais, pessoas e serviços, que correspondem aos quatro pilares historicamente aplicados na União Europeia. Com o receio da contaminação da nova variante do coronavírus, que foi identificada no sul da Inglaterra, a França fechou temporariamente as suas fronteiras com o país inglês, inclusive para o trânsito de cargas. As imagens de filas de caminhões aguardando a liberação na cidade de Dover, na Inglaterra, tornou-se vívida na mente dos europeus em um cenário de não-acordo.
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O principal tema em discussão para o acordo comercial foram os produtos pesqueiros. Com a saída do Reino Unido da comunidade (Brexit), as águas territoriais inglesas, escocesas e da Irlanda do Norte deixariam de pertencer à UE. Tratam-se de zonas estas ricas em produtos pesqueiros que impediriam a pesca por empresas de outras nacionalidades da comunidade europeia. A aprovação do acordo comercial dependeu, portanto, da finalização dessa disputa. Ao final, o texto aprovado concede a possibilidade dos europeus pescarem no mar territorial do Reino Unido, com a condição de que 25% do valor pescado seja pago ao governo britânico. Dessa forma, a UE continua a pescar em águas britânicas. Esse acordo possui prazo até 2026, quando as partes deverão retomar novas tratativas de comércio.
O cenário de que muitos acreditavam (ou defendiam) que o Brexit seria um retorno a um Reino Unido totalmente desvencilhado da União Europeia, indicando que Londres seria uma "Cingapura sobre o Tâmisa”, acabou não se concretizando. As relações comerciais britânicas ainda são bastante ligadas com a União Europeia e diversos setores demandam cooperação próxima com a comunidade europeia, como segurança, cooperação judicial, pesquisa e saúde (principalmente no atual cenário de pandemia do Covid-19).
O Brexit atua em sentido inverso às recentes investidas em acordos regionais sobre comércio e investimento. A partir do Tratado de Lisboa, assinado em 2008, a União Europeia centralizou a temática de acordos sobre comércio e investimento com terceiros países. Desde então, a UE celebrou acordos comerciais e de investimentos com a Coreia do Sul, Japão e Canadá. Em junho de 2019, a UE e o Mercosul aprovaram o texto final de um acordo de livre-comércio. O instrumento jurídico segue para aprovação no Parlamento Europeu e nos parlamentos dos respectivos países membros das duas regiões.
<blockquote class="jota-article__eye">Com a saída do Reino Unido, inclusive tendo assinado um acordo comercial específico com a UE, a relação da comunidade se altera em relação ao Brasil e aos demais países membros do Mercado Comum do Sul?</blockquote>
Ainda é recente para tecer comentários sobre eventuais prejuízos ao comércio brasileiro ou dos integrantes do Mercosul. Em linhas gerais, a saída do Reino Unido significa um menor fluxo de transações comerciais entre os blocos, uma vez que o país britânico era uma das principais economias do bloco europeu. Além disso, pode-se inferir certa perda de apoio político no Parlamento Europeu para a aprovação do acordo, já que o governo britânico era favorável à celebração do instrumento internacional. As nações europeias contrárias ao acordo são aquelas que possuem parcela de sua produção no setor primário e o tratado permitiria maior competição dos produtos agropecuários do Brasil e Argentina.
Uma solução seria a possiblidade de assinatura de um novo acordo comercial entre o Mercosul e o Reino Unido, a permitir condições mais vantajosas de comércio e investimento entre as partes. Essa mesma possibilidade deve ser cogitada pelos ingleses em relação aos Estados Unidos. Contudo, o próximo governo democrata pode dar maior espaço para as relações com a União Europeia, uma vez que a Administração Obama havia iniciado as tratativas para a celebração da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (Transatlantic Trade and Investment Partnership – TTIP).
Todavia, novos arranjos regionais configuram-se também na Ásia e Pacífico, frente ao posicionamento protecionista da Administração Trump. Com a retirada dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica entre os Estados Unidos da América e mais 11 países da Ásia e Américas (Trans-Pacific Partnership – TPP), fomentado pela Administração Obama e concebido como uma forma de competir com a China em sua região do entorno, houve uma movimentação forte do governo chinês em alterar esse cenário. Em 2020 foi assinada a Parceria Econômica Compreensiva Regional (Regional Comprehensive Economic Partnership - RCEP), que envolve os países integrantes da ASEAN, China, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia. O RCEP promove, portanto, uma reconfiguração nas relações comerciais e de investimentos internacionais na região asiática e do Pacífico.
Ciente que a conjuntura na Ásia e Pacífico é diferente da observada no Cone Sul e Europa, é necessário observar o andamento do longo processo de ratificação do acordo Mercosul-UE. Outro ponto importante é analisar de forma pormenorizada, se as disposições jurídicas presentes no acordo entre Mercosul e União Europeia seriam realmente benéficas para a promoção comercial e de investimentos. É necessária a crítica jurídica sobre quais condições esses acordos regionais foram negociados e quais seriam as repercussões jurídicas no Direito Internacional e nos ordenamentos nacionais dos Estados envolvidos.
O governo brasileiro, em conjunto com os demais membros do Mercosul, devem analisar quais seriam as melhores estratégicas e instrumentos jurídicos existentes para a promoção comercial e atração de investimentos. A assinatura de acordos de livre-comércio não significa um efeito direto na promoção do desenvolvimento e crescimento econômico. A análise pormenorizada dos dispositivos vinculantes, das obrigações das partes e das regras de solução de controvérsias, bem como dispositivos de responsabilidade corporativa social de empresas estrangeiras e regras de defesa dos Direitos Humanos e meio ambiente são essenciais em cada acordo internacional. O que se defende na assinatura de um tratado comercial e de investimentos é que estes possam, em alguma medida, promover a proteção ao investidor e o acesso a mercados. Contudo, deve-se considerar um equilíbrio em relação ao respeito de regras de proteção social e ambiental.
Dessa forma, acordos de livre-comércio, tão defendidos nas décadas de 1980 e 1990, devem ser negociados com a devida cautela sobre quais condições esses acordos seriam capazes de promover maior acesso de bens, serviços, tecnologia e investimentos e quais seriam as contrapartidas que o Brasil e os demais membros do Mercosul deveriam atender.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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Brexit e o acordo comercial entre o Reino Unido e União Europeia

O que muda para o Brasil e o Mercosul?