Carina Quirino

Giovana Carneiro

Rafael Wanderley

Desde a Consulta Pública 72/2019, realizada pelo Banco Central do Brasil, que sugeria normativas para o "Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento", os sandboxes regulatórios popularizaram-se no Brasil. De lá para cá, instituições federais e municipais, como a Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>) e os municípios de Foz do Iguaçu (PR) e Rio de Janeiro (RJ),<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> publicaram suas iniciativas para permitir, a testagem de soluções inovadoras não só para os nichos regulados, mas também para a maior eficiência na entrega do serviço público nas cidades.
Com o robustecimento do debate, a ideia de sandbox vem ganhando corpo e se firmando como uma importante ferramenta no discurso de promoção de inovações. Um olhar mais atento para o debate no cenário nacional revela, no entanto, que há uma profusão de estruturações de sandboxes que não estão necessariamente ligados à função regulatória do ente regulador. Em outras palavras, a ferramenta sandbox pode ter usos e significados diversos, diferentes daquele que se popularizou nas discussões sobre poder público e inovação.
Propõe-se neste ensaio dois objetivos: (i) recapitular a definição de sandbox regulatório; e (ii) mapear outros usos atribuídos a sandbox, identificando seus pontos estruturantes que se diferenciam do sandbox regulatório.
<h3>Começando pelo início: o que é sandbox regulatório</h3>
O sandbox regulatório é a forma pela qual o Estado autoriza, por período delimitado, a testagem de uma solução inovadora que não poderia ser livremente desempenhada.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Em regra, a iniciativa privada pode testar produtos de acordo com a legislação aplicável, sem necessitar de um ato autorizativo estatal. Algumas atividades, no entanto, fogem ao regime da livre iniciativa justamente pelo caráter inovador do empreendimento, podendo gerar riscos consideráveis e/ou esbarrar em normas jurídicas já existentes ou ainda em discussão.
Nessas atividades, o sandbox regulatório surge como uma oportunidade de teste da solução inovadora em um ambiente controlado pelo poder público competente. Ao menos quatro características compõem a ferramenta: (i) o afastamento das regras e normas infralegais aplicáveis para a testagem de determinado produto ou serviço, se existentes; (ii) a delimitação do escopo da testagem; (iii) a delimitação temporal da testagem; e (iv) a observação e avaliação constante dos resultados.
Após o período de testagem, será possível avaliar a viabilidade regulatória do produto ou da atividade, compreendendo se (i) ele pode continuar sem qualquer nova regulação, se (ii) são necessárias novas regras para garantir o desenvolvimento seguro do empreendimento ou, em último caso, se (iii) deve ser descontinuado.
Compreendido o que é o sandbox regulatório, vamos compreender o que ele não é.
<h3>O que não é</h3>
Sandbox
É o sandbox como surgiu na iniciativa privada. Ele descreve a testagem de modelos de negócios e produtos antes de qualquer ação mercadológica. Se uma empresa, no âmbito de sua atividade, pretende lançar um novo produto, pode executar um sandbox. Trata-se de um ambiente de testagem, em que, na área da programação, desenvolvedores utilizam plataformas para testar funcionalidades, sem alterações na versão pública e em funcionamento do produto. Nesse caso, inexiste o elemento “regulatório” em seu sentido estrito (como conceito de presença estatal), ocorrendo inteiramente na iniciativa privada.
O chamado sandbox educacional pode ser outra possibilidade de aplicação do termo. O Sandbox MIT, vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), por exemplo, consiste em um programa de capacitação em empreendedorismo e desenvolvimento de projetos de tecnologia criados por estudantes e graduados do instituto. O projeto conta com financiamento e apoio especializado desde a idealização até o lançamento de um produto inovador,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> sem envolvimento de um ente regulador.
Laboratórios de inovação
Relatório elaborado no âmbito de um programa do Laboratório de Inovação em Governo (GNova) da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e publicado em 2020 identificou 43 laboratórios de inovação em atuação nos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> São hubs de inovação vinculados a diversas instituições, que não necessariamente promovem ou executam qualquer sandbox regulatório.
Essa diferenciação deixa claro que nem toda inovação pública será um caso de sandbox regulatório. Longe de buscarmos uma discussão sobre o conceito de inovação, muitas outras atividades públicas podem ser executadas de maneira inovadora. A inovação pode beneficiar a gestão de servidores, a forma de organização de um time, ou mesmo a concessão de serviços públicos.
Sandbox que precede a compra pública de inovação.
O Marco Legal das Startups (Lei Complementar 182/2021) inovou no ordenamento jurídico brasileiro em vários pontos. De um lado, apresentou definição expressa em lei do sandbox regulatório, em seu artigo 2º, II, que define ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório) como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado".
De outro, buscou facilitar o processo de compra pública de inovação, por meio de procedimento para o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI). Apesar de existir, no Marco Legal das Startups, uma definição para sandbox regulatório, ele não é uma etapa obrigatória para viabilização do CPSI.
O sandbox, como ambiente de testagem, pode ser uma etapa prévia ao CPSI – mas não necessariamente o é. Com os resultados colhidos a partir de um ambiente regulatório experimental, é possível mitigar a assimetria informacional em inovação e gerar insumos para a tomada de decisão dos gestores públicos durante o processo de contratação de solução inovadora.
É o caso, por exemplo, do movimento “Esquadrão de Inovação e Transformação Aberta (E.I.T.A!)” do Recife, que convocou “empresas, startups, universidades, alunos, profissionais e pesquisadores de TI para desenvolver modelos de negócios inovadores, testar técnicas e tecnologias experimentais para encontrar soluções de problemas públicos com ações criativas”.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Esse movimento, como parece indicar o projeto, seria anterior à contratação de uma solução inovadora, justamente para compreender quais soluções poderiam ser desenvolvidas para o enfrentamento de determinados desafios identificados pelo poder público. Aqui, o sandbox é facilitado pelo poder público, mas não depende dele: particulares poderiam, caso assim quisessem, pensar e desenvolver “soluções” para problemas públicos. No caso do E.I.T.A, isso se deu de maneira facilitada e impulsionada pela Prefeitura. Inexiste, contudo, um sandbox regulatório propriamente dito, em que iniciativas já deslumbradas pela iniciativa privada são testadas, sem prescindir de qualquer relação temática, via de regra, com a pauta da gestão em exercício ou com a melhoria da prestação de serviços públicos.
*
Nem tudo que se chama sandbox tem finalidade regulatória e atentar para isso é essencial diante do efusivo momento de debates sobre novas tecnologias. Qualquer utilização do termo diferente para o que inicialmente nasceu pode significar uma insegurança no entendimento da ferramenta.
Há certa banalização que, em curto e médio prazo, poderá prejudicar o entendimento do gestor público e dos demais atores do ecossistema de inovação. Como a ferramenta será estruturada de acordo com seu objetivo final, mencionar somente como sandbox não trará a informação completa aos atores desse macrossistema empreendedor. Seja para testar uma inovação "para dentro" (no caso da etapa prévia à CPSI), para testar uma inovação "para fora" (no caso do sandbox regulatório), ou para conectar partes do ecossistema e estimular a inovação em sentido macro (no caso dos laboratórios de inovação), é preferível especificar.
Algumas dessas diferenças podem parecer óbvias, mas em verdade têm gerado muita confusão na viabilização de sandboxes regulatórios. Seja por puritanismo do termo, seja pela necessidade de se reordenar o debate, é preciso alinhar para que não haja confusões sobre a ferramenta. Do contrário, ameaça-se seu potencial descritivo e possivelmente se perderá de vista seus benefícios e, como todo entusiasmo deve vir acompanhado de uma dose de ceticismo, seus possíveis riscos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Comissão de Valores Mobiliário (CVM): Instrução CVM 626/2020 e Resolução CVM 29/2021;
Foz do Iguaçu (PR): Decreto 28.244/2020; Rio de Janeiro (RJ): Decreto 50.697/2022, ver mais em: <a href="https://sandboxrio.com.br/">https://sandboxrio.com.br/</a>, Acesso em 9 mar. 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> MENDONÇA, José Vicente de. Qual a natureza jurídica dos sandboxes regulatórios? Jota, 03/03/2020. Disponível em: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/qual-a-natureza-juridica-dos-sandboxes-regulatorios-03032020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/qual-a-natureza-juridica-dos-sandboxes-regulatorios-03032020</a>, acesso em 9. mar. 2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> MIT Sandbox Innovation Fund Program. Disponível em: <a href="https://sandbox.mit.edu/what-is-sandbox">https://sandbox.mit.edu/what-is-sandbox</a>. Acesso em 10 mar. 2023.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> É preciso reconhecer, no entanto, que a pesquisa empírica realizou um recorte e filtro do que seria considerado, para seus afins, como “laboratório de inovação”: “O levantamento identificou 63 iniciativas que adotam a denominação de laboratório de inovação e estão vinculadas a órgãos e entidades da administração pública, nos três Poderes e no Ministério Público, nas três esferas de governo e em todas as Regiões do país. Porém, a partir da definição de laboratório de inovação no setor público adotada para esta pesquisa – e até mesmo pela literatura selecionada –, 20 iniciativas foram excluídas (…).” SANO, Hironobu. Laboratórios de inovação no setor público: mapeamento e diagnóstico de experiências nacionais. Brasília: Enap, 2020. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/5112/1/69_Laboratorios_inovacao_governo_completo_final_23062020.pdf, acesso em 9. mar. 2023, p.21.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Ver mais em: https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/eita-recife

sandbox regulatório

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JOTA

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