Thiago Priess Valiati

Desde a sua entrada em vigor, a Nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei n.º 13.655/2018), por meio de disposições voltadas à segurança jurídica e à eficiência nas relações entre Estado e sociedade, vem promovendo expressivas mudanças no Direito Público. Com efeito, a aplicação prática das inovações trazidas pelos dispositivos legais tem impulsionado uma verdadeira transformação no plano da responsabilidade estatal, especialmente em suas esferas controladora e judicial. 
No âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), as disposições da Lei n.º 13.655/2018 vêm sendo aplicadas em casos práticos, a exemplo do Acórdão n.º 1.628/2018, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler. No caso, o TCU decidiu que: “a conduta culposa do responsável que foge ao referencial do ‘administrador médio’ utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação caracteriza o ‘erro grosseiro’ a que alude o art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), incluído pela Lei 13.655/2018”.
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<a name="_GoBack"></a> Por um lado, é verdade que a LINDB continua a permitir um amplo espaço de atuação para o TCU definir o que configura um “erro grosseiro” e permite decisões como a do Acordão n.º 1628/2018, que limitam a capacidade de inovação do gestor público (afinal, se tudo pode ser enquadrado como “erro grosseiro”, o administrador não age e não inova na gestão pública).
Por outro lado, o próprio TCU (inclusive, em Acordão de mesma relatoria), em decisão distinta e mais recente, preocupou-se com o estabelecimento de parâmetros mais concretos sobre a responsabilidade dos gestores públicos que decorre do artigo 28 da LINDB. Segundo os termos do Acórdão n.º 2.391/2018: “o erro leve é o que somente seria percebido e, portanto, evitado por pessoa de diligência extraordinária, isto é, com grau de atenção acima do normal, consideradas as circunstâncias do negócio. O erro grosseiro, por sua vez, é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. Dito de outra forma, o erro grosseiro é o que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave”.
Denota-se, pois, um pequeno avanço da Corte de Contas em relação à definição dos parâmetros conceituais sobre o erro grosseiro (a definição, inclusive, vem sendo aplicada pelo TCU em outros julgados, como é o caso do Acórdão n.º 11.762/2018, de relatoria do Ministro Marcos Bemquerer); porém, a decisão continua a incorrer em equívocos no que toca à responsabilização de agentes públicos, porquanto condenou gestor para indenizar os cofres públicos, embora tenha admitido expressamente que o administrador não agiu com dolo e nem com culpa grave. Segundo o TCU, o agente público no caso em tela “deve ser condenado em débito, mas, diante da ausência de culpa grave, deve ser dispensado da aplicação da multa”.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> Vale dizer, o TCU aplicou o disposto no artigo 28 tão somente no tocante à aplicação da multa, mas não em relação à indenização do débito, embora o dispositivo não apresente qualquer diferenciação ou limitação na aplicação de sanções. Se não agiu com dolo e nem com erro grosseiro, deveria então ser isento de qualquer condenação.
Tem-se, assim, um paradoxo: de um lado a Lei n.º 13.655/2018 procura evitar a aplicação desmedida de conceitos jurídicos indeterminados por intermédio do seu artigo 20; de outro, todavia, com o veto presidencial realizado ao parágrafo primeiro do artigo 28 – que previa que não se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais –, acabou por gerar a existência de um conceito indeterminado e que permite ainda uma ampla esfera de atuação dos controladores. 
O TCU, portanto, precisa continuar avançando para o fim de incrementar a motivação de sua jurisprudência, sobretudo no que toca à maior previsibilidade de suas decisões sancionatórias (diminuindo, assim, a discricionariedade de suas decisões), a fim de valorizar o administrador de boa-fé e possibilitar a existência de medidas governamentais inovadoras no âmbito da Administração Pública. 
Para além do artigo 28, os demais dispositivos da LINDB também vêm sendo aplicados pelos Tribunais de Contas, como é o caso dos artigos 20, 21, 22, 23 e 24. Todos os citados artigos possuem o objetivo de impor parâmetros mais precisos para a decisão na esfera do controle e, assim, proporcionar um estado de maior previsibilidade no âmbito da decisão pública. 
Veja-se, por exemplo, o julgado no Acórdão n.º 1.643/2018. No caso, a Corte de Contas utilizou o artigo 22 da LINDB para absolver de multa os titulares dos Ministérios da Educação e do Planejamento em relação à suposta má-gestão dos recursos orçamentários do FIES, pelo reconhecimento dos obstáculos reais dos gestores públicos em questão. Em outro caso, o TCU determinou a suspensão cautelar de processo licitatório, indicando os artigos 20 e 21 da LINDB (Acórdão n.º 1.746/2018). Segundo a mencionada decisão, caso a concorrência pública para a contratação das obras da linha leste do metrô de Fortaleza/CE fossem mantidas, haveria elevado risco para a mobilidade urbana e de novas paralisações em razão de eventual contratação mal sucedida.
Também no contexto estadual, os Tribunais de Contas dos Estados vêm aplicando a LINDB. Veja-se o caso da Corte de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) que, no âmbito do Acórdão n.º 3615/18, aplicou o artigo 24 da LINDB e considerou as “orientações gerais da época” em favor da segurança jurídica. O mesmo dispositivo foi aplicado pela referida Corte de Contas no Acórdão n.º 2832/18, que obstou a invalidação de prática administrativa consolidada com base em mudança posterior de orientação geral. Ademais, em relação ao TCE/PR, registre-se que a Lei Estadual n.º 19.811/2019, que criou o Programa Parcerias do Paraná (PAR) e estabeleceu normas para desestatização e contratos de parceria no âmbito estadual, reforça o dever imposto no artigo 20 da LINDB. A legislação estadual prevê em seu artigo 27 que o TCE/PR deverá considerar as consequências jurídicas e econômicas de intervenções eventualmente propostas pela Corte de Contas.<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>
Fato é que, apesar das críticas dos órgãos de controle, sobretudo no período prévio à sanção presidencial, os dispositivos Lei n.º 13.655/2018, como visto, vem sendo aplicados pelos Tribunais de Contas, tanto pela Corte de Contas da União, quanto no âmbito estadual. 
Finalmente, o Poder Judiciário também vem aplicando a nova legislação. É o caso, por exemplo, da decisão monocrática proferida pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, no RE nos EDcl no AgRg no AREsp n.º 50.729. O julgado em questão trata de Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, no qual que sustentou a adequação da decisão recorrida ao entendimento do STF acerca da atualização monetária nas condenações emergentes de relações jurídicas não tributárias impostas à Fazenda Pública (entendimento exarado no Recurso Extraordinário 870.947/SE). Porém, pende, até o momento, de julgamento pela Suprema Corte (por meio de embargos de declaração opostos no referido recurso), controvérsia relativa à modulação dos efeitos da decisão proferida no julgamento do Tema n.º 810. Assim, a Ministra Relatora decidiu, de forma monocrática, que eventual modulação de efeitos no caso em questão poderá resultar em prejuízos/benefícios de natureza patrimonial de grande impacto para ambas as partes da avença. Segundo a decisão: “os efeitos práticos da decisão são elementos a serem ponderados pelo julgador, conforme disposto nos arts. 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em recente alteração promovida pela Lei nº 13.655/2018”.
Com efeito, a Nova LINDB estabeleceu novos parâmetros para aprimorar a responsividade das decisões proferidas no âmbito do Direito Público, de modo a aproximá-las da realidade concreta da prática administrativa. A contribuição da Lei n.º 13.655/2018, assim, consiste justamente no reforço do sistema de controle externo. A sua aplicação, tanto nas esfera controladora quanto na judicial, já vem possibilitando uma melhora da segurança jurídica e da eficiência nas relações de Direito Público e, consequentemente, um ambiente jurídico favorável à concretização dos negócios. Mas é preciso avançar. Espera-se que, em prol da segurança jurídica e da eficiência, os incessantes debates em torno da LINDB contribuam com a crescente (e cada vez mais aprimorada) aplicação da Lei n.º 13.655/2018 pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Judiciário.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Se, por um lado, o artigo 28 já serviu de fundamento para a absolvição de gestores públicos ao pagamento de multa por parte do TCU, por outro lado, veja-se que o referido dispositivo também vem sendo considerado na fundamentação para a penalização dos agentes públicos. É o caso do Acórdão n.º 3.354/2018, do TCE/PR. No julgado em questão, a Corte de Contas decidiu pela presença do erro grosseiro e responsabilização de advogados que emitiram pareceres jurídicos em processo de dispensa de licitação sem os cumprimento dos requisitos da Lei n.º 8.666/1993. Segundo o TCE/PR: “no caso em concreto os procuradores não foram penalizados em razão de interpretações jurídicas diversas, mas em razão de erro grosseiro na análise dos pressupostos da dispensa de licitação por situação emergencial, de que trata o art. 24, IV, da Lei no 8.666/93, e pela ausência dos documentos que, nos termos do parágrafo único do art. 26 da mesma lei, integram obrigatoriamente o processo de dispensa de licitação”. (TCE/PR – Recurso de Revista: 787157/17, Relator: Ivens Zschoerper Linhares, Data de Julgamento: 07/11/2018, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DETC 13/11/2018). 
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> “Art. 27. As análises realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná acerca dos projetos integrantes do PAR e quanto ao conteúdo dos contratos de parceria, aos seus atos de execução e aditivos eventualmente formalizados ao longo do prazo de execução, deverão considerar as consequências jurídicas e econômicas de intervenções eventualmente propostas, nos termos do art. 20 do Decreto-Lei Federal nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal nº 13.655, de 25 de abril de 2018”. 
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JOTA

Apesar das críticas dos órgãos de controle, nova LINDB vem sendo aplicada por Tribunais de Contas e Judiciário

A aplicação da LINDB pelas esferas controladora e judicial

Apesar das críticas dos órgãos de controle, nova LINDB vem sendo aplicada por Tribunais de Contas e Judiciário