Rosana Pilon Muknicka

Em uma interpretação majestosa, Meryl Streep interpretou uma personagem icônica chamada Miranda Priestly no filme O diabo veste Prada. Nele, Miranda exerce um tipo de gestão autoritária dos seus subordinados. O medo da chefe, o excesso de competitividade gerado entre os colaboradores, a falta de motivação e o não reconhecimento dos esforços do time são as marcas da sua gestão. Este era o padrão de gestão corporativo aceito e muito adotado no início dos anos 2000, quando foi escrito o livro que inspirou o filme.
Contudo, este modelo de gestão ainda é aceitável no mundo atual, onde preceitos como Corporate Social Responsability (CSR), <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">ESG</a> ou compliance com normas de assédio moral ganham maior força e destaque a cada dia?
Há uma grande preocupação por parte das empresas que atuam, de uma forma geral, observando as regras de compliance e previnem o assédio moral e sexual em todos os seus departamentos, inclusive, no jurídico. Contudo, nos escritórios de advocacia, há um enorme tabu para a discussão sobre o assédio moral no ambiente de trabalho e as doenças mentais decorrentes de uma rotina onde há excesso de trabalho, necessidade constante de atualização sobre a legislação e jurisprudência, grande oferta de mão de obra (que traz o sentimento de que o profissional é descartável e substituível a qualquer momento), prazos exíguos e, muitas vezes, conflitos éticos e morais nas tomadas de decisão. Somadas a estas dificuldades há, ainda, grande corporativismo que blinda a categoria.
Em um estudo publicado em fevereiro de 2023 no Jornal Healthcare, denominado “Stressed, lonely, and Overcomitted: Predictors of lawyers suicide risk”, constatou-se que entre 10% a 12% dos advogados dos Estados Unidos já pensaram em cometer suicídio. Este dado é extremamente elevado quando comparado aos 4,2% dos adultos acima de 18 anos, que exercem outras funções, e que também cogitaram o suicídio. Neste estudo, ainda, diagnosticaram que, dentre os 13000 advogados pesquisados, 28% apresentavam depressão, 19% ansiedade, 21% apresentavam problemas de abuso no consumo de bebidas alcoólicas e 11% utilizavam drogas ilícitas.
No Brasil, a situação não é diferente. No entanto, por vezes, a OAB, o Poder Judiciário e o próprio Ministério Público fazem vistas grossas e ignoram o problema. Pressupondo uma autonomia e independência do profissional na relação mantida com os escritórios de advocacia que, na maioria dos casos, inexiste por completo, advogados e estagiários, sem a proteção jurídica cabível e adequada, passaram a se socorrer das redes sociais para expor casos graves de assédio moral ocorridos, inclusive, em grandes e renomadas bancas de advogados.
Contudo, em razão do crescimento da divulgação dos casos de assédio praticados, principalmente, em escritórios de advocacia, em uma tramitação bastante acelerada (de pouco mais de um mês), foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2355991">PL 1852/23</a> que foi sancionado pelo presidente da República no último dia 3 de julho, sob a forma da Lei 14.612/23.
A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14612.htm">Lei 14.612/23</a> permite a suspensão do exercício profissional de advogados que cometam assédio moral, assédio sexual ou discriminação, pelo prazo de 30 dias a 12 meses, de acordo com os critérios de individualização previstos no Estatuto da Advocacia.
A Lei 14.612/23 define o assédio moral como sendo a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional.
Importante observar que, para que não se torne letra morta a nova legislação, as Seccionais da OAB deverão instituir canais de denúncia efetivos, que permitam, inclusive, o sigilo dos dados dos denunciantes. Todo o processo, do início do recebimento da denúncia à apuração do caso, deverá ser transparente e acessível. Não basta incluir canais de denúncia onde seja mantido o sigilo dos dados do denunciante se, posteriormente, durante a apuração dos fatos, este for exposto ao escritório onde trabalha.
Além da apuração pela OAB, esta deverá enviar comunicado ao Ministério Público sempre que a conduta praticada configurar crime, como no caso da violência psicológica contra a mulher, artigo 147-B do Código Penal, inserido pela Lei 14.132/21.
Na outra ponta desta equação, cabem aos clientes, ainda, optarem por escritórios que não pratiquem assédio moral. Afinal, nenhum cliente contrataria um parceiro que adota trabalho análogo ao de escravo ou racismo. Então, da mesma forma, não há como justificar a contratação de um escritório de advocacia onde há prática reiterada de assédio moral.
Finalmente, a responsabilidade social dos escritórios de advocacia deveria ser considerada como índice para a concessão de premiações no setor, devendo, da mesma forma que são abertos canais de comunicação com os clientes para recomendações, serem oferecidos canais com questionários sobre a qualidade de satisfação dos profissionais do Direito que atuam nos escritórios.
Não mais vivemos no final do século 20 e início do século 21 quando era aceito e adotado o modelo de gestão praticado pela personagem Miranda Priestly.
Afinal, em casa de ferreiro, o espeto não pode ser de pau. Os escritórios de advocacia devem implementar, na prática, as regras de boa conduta e governança que orientam aos seus clientes.

diabo veste prada

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JOTA

Permanece nos escritórios de advocacia um enorme tabu para debater o assédio moral no ambiente de trabalho

Ainda aceitamos o 'modelo Miranda Priestly' de gestão?

Permanece nos escritórios de advocacia um enorme tabu para debater o assédio moral no ambiente de trabalho