Maria Cristine Lindoso

Na última semana, a <a href="https://www.jota.info/eleicoes/tabata-amaral-aposta-em-videos-quase-beirando-o-entretenimento-para-crescer-na-eleicao-em-sp-05082024">deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP)</a> veio novamente a público <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/tabata-amaral/2021/09/se-encontro-na-rua-soco-ate-ser-preso-retuitou-jose-de-abreu.shtml" target="_blank" rel="noopener noreferrer">divulgar algumas das ameaças que vem sofrendo nas redes sociais</a> em razão da sua mudança de partido e de seus posicionamentos políticos. Não existe melhor definição do que é a violência política de gênero se não a leitura dos diversos comentários que a deputada recebeu ao longo dos últimos dias (e quem acompanha sua carreira política sabe que também ao longo dos anos): ameaças de estupro, de violência, ameaças à família e xingamentos dos mais variados, que foram causados, apenas, por uma manifestação política.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Certamente alguns e algumas que chegaram até aqui devem estar pensando que esse é um artigo em defesa da deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Não é. Esse é um artigo em defesa das mulheres, especialmente daquelas que se sentem ameaçadas por ocuparem o espaço político, ou que se sentem reprimidas a ponto de não conseguirem, sequer, cultivarem esse desejo. Porque o que foi divulgado nos últimos dias pela deputada Tabata apenas dá voz a uma pequena dimensão do que é ser mulher e tentar ocupar um espaço majoritariamente masculino e branco: é sofrer. Um sofrimento que não é respeitado, que é visto como chacota e piada, mas que leva à insegurança, ao desestímulo e à frustração. No mínimo.
A deputada federal Margarete Coelho (Progressistas-PI) detalhou a violência política de gênero como qualquer tipo de abuso de poder que cria um verdadeiro “teto de cristal” na democracia brasileira, pois limita o acesso ou a permanência das mulheres na vida pública pelo simples fato de mulheres serem mulheres<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Em outro espectro político, a candidata à vice-presidência da República de 2018, Manuela D’Ávilla (PCdoB-RS) detalha a violência política de gênero como uma nova espécie de legitimação do discurso, que autoriza a todos falarem na internet toda sorte de notícias falsas e comentários maldosos, com objetivo exclusivo de desmoralizar a opinião política da mulher<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
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Além delas, e também da deputada Tabata Amaral, que protagonizou essas definições, foram recentemente vítimas de violência política de gênero as deputadas Isa Penna (PSOL-SP), que foi assediada no meio da ALESP lotada e a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que foi perseguida e ameaçada na internet quando fez críticas ao Presidente da República, além de tantas outras. E essas experiências são confirmadas pelas estatísticas: em recente publicação do MonitorA, viu-se a violência política se manifesta de diferentes formas, mas ela é majoritariamente voltada à mulher, por meio de ofensas morais, gordofobia e descrédito de suas opiniões políticas, escalonando para conteúdos violentos, ofensivos, ameaças e outros<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Por isso, esse é um artigo sobre a defesa das mulheres, porque a chamada violência política de gênero e uma constante que independe de partidos ou convicções políticas. Ela alcança mulheres pelo simples fato de serem mulheres. De esquerda, de direita, liberais ou conservadoras, o gênero é a única constante para perseguição, ameaças e humilhações que vem ocorrendo.
E, de fato, a violência política contra mulheres não é um fenômeno novo, pois nunca houve verdadeira igualdade na ocupação do espaço democrático. Mas pode-se dizer com segurança que a vida nas redes sociais e a expansão da internet levaram essa violência para outro nível. As ameaças com robôs, os comentários maldosos que se passam por piadas e a própria ideia falsa de que a tela do computador torna anônimo qualquer agressor, fizeram com que as mulheres ocupantes de um espaço político se tornassem alvos muito mais expostos, questionados e verdadeiramente violentados do que já eram antes.
Em meio a esse contexto, percebe-se que existem alguns esforços primários para tentar mudar essa realidade que dificulta a participação feminina nos espaços deliberativos. Um desses esforços está contemplado nas mudanças eleitorais que caminham agora, e que objetivam colocar cotas para mulheres. Esforços como esses, contudo, são inócuos se não se pensa em formas efetivas de manter o engajamento feminino na política, e se não forem pensadas maneiras reais de moderação de conteúdo na internet que possa acabar com a violência nas redes que está sendo promovida contra elas.
É interessante notar que a internet e as redes sociais realmente são um espaço de protagonismo dos agressores, mas, mesmo em meio à grande discussão que se tem hoje sobre moderação de conteúdo, muito pouco (ou nada) vem sendo dito sobre o que fazer no que diz respeito à violência das mulheres.
As discussões sobre liberdade de expressão, sobre o poder das plataformas em retirarem conteúdo do ar, e sobre os limites das postagens que podem ser feitas nas redes sociais vão desde o Supremo Tribunal Federal até a padaria da esquina, pois todos têm uma opinião sobre a ineficiência desses mecanismos: seja porque limitam muito a manifestação política, seja porque ainda são ineficientes para combater abusos do discurso.
Esse debate polarizado sobre a moderação de conteúdo não trata, contudo, de como as mulheres estão sendo verdadeiramente atacadas sem que haja um espaço seguro para qualquer tipo de manifestação. Discute-se a ineficácia da moderação para espalhamento de notícias falsas, mas quase ninguém fala do impacto que isso tem para vida das mulheres que ocupam posições da vida pública e estão sendo intimidadas para mudarem suas convicções políticas.
Note-se que muitas das plataformas possuem sofisticados mecanismos de inteligência artificial e revisão humana, além de termos de uso e serviços para retirarem do ar conteúdos de cunho racista, impedirem postagens que atentem contra a segurança pública ou evitarem formação de grupos que incitem a violência. Mas quase não há preocupação com a proteção das mulheres. Assim, dificilmente uma postagem humilhando pessoas por causa da sua etnia ficará disponível nas redes sociais (e felizmente podemos dizer que pelo menos isso é uma realidade). Mas comentários com os dizeres “se encontro na rua, soco até ser preso” ou “merecia ser estuprada” demoram meses para serem retirados do ar – quando são.
Novamente: esse não é um artigo em defesa de uma pessoa específica, mas em defesa das mulheres. A discussão sobre moderação de conteúdo, para ser levada a sério, precisa incluir também toda a extensão da violência política de gênero. O raso debate sobre liberdade de expressão e os paradigmas constitucionais do direito à manifestação política devem dar mais espaço à discussão sobre como tornar o espaço da internet verdadeiramente democrático, como utilizar inteligências artificiais e revisões humanas para fazer moderação de conteúdo também sob a perspectiva de gênero, a ponto de evitar que mais mulheres sejam humilhada, ameaçadas ou violentadas, simplesmente porque mudaram de partido, gravaram um vídeo ou fizeram uma fala na Tribuna da Câmara dos Deputados.
Isso importa dizer que, também a reforma eleitoral que caminha por agora, terá que estabelecer novos mecanismos de controle efetivo para que a moderação de conteúdo possibilite a criação de um espaço livre para manifestação. E, para isso, será necessário criar padrões mínimos do que é uma crítica aceitável para mulheres.
O que podemos dizer agora é que certamente não é aceitável ameaçar a família, ameaçar de morte ou de estupro. Que piadas com violência não têm nenhuma graça. E que a violência política contra mulheres precisa entrar no debate público de forma séria, para que os limites e a extensão da moderação de conteúdo também possam incluir uma perspectiva de gênero e um cuidado de proteção à liberdade política das mulheres.
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<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> COELHO, Margarete Castro. O teto de cristal da democracia brasileira: abuso de poder nas eleições e violência política contra mulheres. Belo Horizonte: Fórum, 2020.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> D´ÁVILLA, Manuela. E se fosse você? Sobrevivendo às redes de ódio e fake news. Porto Alegre: Instituto E se Fosse Você, 2020.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível na íntegra em: <a href="https://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2021/03/5P_Relatorio_MonitorA-PT.pdf">https://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2021/03/5P_Relatorio_MonitorA-PT.pdf</a></blockquote>

tabata amaral

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JOTA

Como precisamos aprofundar a discussão sobre democracia nas redes, moderação de conteúdo e igualdade

A violência política de gênero na internet

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