Danielle Tsuchida

Recentemente, um homem sofreu diversas agressões, inclusive foi queimado, no bairro de Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro, depois de, supostamente, roubar a bolsa de uma senhora. O linchamento, além de ser cruel por si, ainda foi registrado em vídeo e divulgado nas redes sociais. O caso ocorreu após menos de um mês que um adolescente de 17 anos foi tatuado à força na testa, acusado de roubo de uma bicicleta, em São Bernardo do Campo, na grande São Paulo, e ilustra um momento perigoso na nossa história que revela uma absoluta descrença nas instituições brasileiras que justificariam a chamada “justiça com as próprias mãos”. Com uma breve busca na internet é possível identificar outros casos de barbárie ocorridos também há poucos meses, praticados por autointitulados “cidadãos de bem”, motivados pela falsa ideia de justiça, que seria melhor nomeada de vingança.
De acordo com matéria publicada no Nexo Jornal<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o Brasil tem pelo menos um caso de linchamento por dia. Nas últimas seis décadas, estima-se que um milhão de pessoas tenham participado de algum caso de violência coletiva no país. O número é do sociólogo José de Souza Martins, um dos maiores especialistas sobre o tema no Brasil. Isto aponta que casos como estes não são a exceção e que derivam da sensação de medo e insegurança da população.
É, no mínimo, irônico que indivíduos que acreditam na máxima “bandido bom é bandido morto”, movidos pelo impulso e pela crença na falsa justiça, cometam crimes tão graves ou mais do que os suspeitos agredidos. Estas pessoas não percebem, mas se tornam criminosos, portanto sujeitos do mesmo lema que tanto vociferam, cabendo a eles também a aplicação da lei e a responsabilização pelos seus atos – não a tortura.
O princípio da presunção de inocência é previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. É uma garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal, que oferece a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Isso garante ao acusado um julgamento de forma justa em respeito à dignidade da pessoa humana, conforme o espírito de um Estado Democrático de Direito. O que não pode é o indivíduo ser julgado culpado e sentenciado à morte, punição que nem existe na legislação brasileira.
Em casos como esses, o cidadão precisa fortalecer as instituições e fazer a comunicação do fato às autoridades competentes para que os indivíduos possam ter um julgamento justo e sejam responsabilizados proporcionalmente ao ilícito cometido. Os acusados devem responder pelos seus atos, se julgados culpados.
Responsabilizar as pessoas não significa, necessariamente, encarcerar. A responsabilização deve ser proporcional, portanto é possível a aplicação de penas alternativas quando constatadas as práticas de menor potencial ofensivo. O Código Penal, em seu artigo 44, inciso I, prevê a aplicação de penas restritivas de direitos em substituição à pena restritiva de liberdade não superior a quatro anos e se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, ainda, a qualquer pena aplicada, se o crime for considerado culposo. Compreendem-se como penas restritivas de direitos: prestação pecuniária, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, limitação de fins de semana, dentre outras, todas previstas no artigo 43 da mesma legislação.
Nos dias de hoje, com a tecnologia tão presente, as mídias sociais podem desempenhar um importante papel, contribuindo na identificação dos envolvidos nos linchamentos e, a consequente, responsabilização dos mesmos, afinal tem sido recorrente a veiculação das imagens pelos próprios agressores.
Não restam dúvidas de que o Estado precisa de reformas, especialmente no sentido de recuperar a confiança nas instituições, nos representantes de Estado e nas leis, para que sejam aplicadas como exigidas pelo Estado Democrático de Direito, como preconiza a Constituição Cidadã de 1988.
É preciso superar a lógica punitivista na resolução de conflitos, ter um Poder Judiciário eficaz, desenvolver ações articuladas e intersetoriais para aprimorar as políticas públicas, no intuito de devolver ao cidadão a confiança e a liberdade, pois somente assim será possível evitar estas atrocidades, seja quem for o detentor do poder. Começar conectado aos próprios gestos cotidianos, cuidando para conhecer antes de emitir julgamentos é o primeiro exercício na vivência do que é justo. A missão passa a ser o dever de evitar quaisquer intolerâncias, afinal, a descrença nas instituições não pode justificar a barbárie.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/15/Justi%C3%A7a-com-as-pr%C3%B3prias-m%C3%A3os-uma-realidade-cotidiana">https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/15/Justi%C3%A7a-com-as-pr%C3%B3prias-m%C3%A3os-uma-realidade-cotidiana</a>

Balance

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JOTA

Presunção de inocência é prevista no art. 5º da Constituição e vale para todos

A descrença nas instituições não justifica a barbárie

Presunção de inocência é prevista no art. 5º da Constituição e vale para todos