Felipe Recondo

Quais as possíveis consequências e críticas ao voto conjunto proferido pelos ministros <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/gilmar-mendes">Gilmar Mendes</a> e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/luis-roberto-barroso">Luís Roberto Barroso</a>, do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), sobre o dever do Estado de fornecer medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde?
Os dois estabeleceram critérios rigorosos para que o Poder Judiciário determine a concessão de medicamentos não previstos nas listas oficiais do SUS, criando um filtro para que somente em casos excepcionais, com comprovação cumulativa, os pacientes tenham acesso a esses tratamentos via decisão judicial. Entre os requisitos, estão a comprovação da negativa administrativa, a inexistência de alternativa no SUS e a apresentação de evidências científicas robustas que sustentem a eficácia e a segurança do medicamento solicitado.
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanh a_saude_q2&amp;utm_id=cta_texto_saude_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_saude&amp;utm_term=cta_texto_saude_meio_materias">Esta entrevista foi antecipada na newsletter "Bastidores da Saúde" para os assinantes JOTA PRO Saúde. Com notícias direto da Anvisa e da ANS, o serviço entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor. Conheça!</a></h3>
Mas o voto conjunto, apesar de ter um peso institucional maior, por ser assinado e acordado por dois ministros, recebe críticas. O presidente da Interfarma, Renato Porto, é um dos primeiros a apresentar objeções nesta entrevista ao JOTA.
A eventual decisão, ele argumenta, pode impor uma barreira ao acesso de pacientes a tratamentos essenciais. Isso porque a Conitec, órgão responsável por analisar a incorporação de medicamentos ao SUS, é alçada a uma nova condição para que os medicamentos possam ser fornecidos. Mas a Conitec possui estrutura e agilidade suficientes para atender à crescente demanda por novos tratamentos? É um dos questionamentos.
Outro ponto levantado pelos críticos é que a decisão do STF pode, paradoxalmente, aumentar a judicialização. Ao restringir o acesso judicial a medicamentos não incorporados, muitos pacientes poderão recorrer ao Judiciário não mais para pleitear o fornecimento do tratamento, mas para contestar as decisões da própria Conitec e do Ministério da Saúde.
Assim, longe de reduzir as ações judiciais na área da saúde, essa nova orientação pode gerar uma nova onda de litígios, deixando muitos pacientes desassistidos e ampliando a insegurança jurídica no setor. Confira a íntegra da entrevista:
Você acredita que a exigência de comprovação cumulativa para a concessão judicial de medicamentos pode limitar o acesso de pacientes a tratamentos essenciais em situações de urgência?
Os critérios estabelecidos neste início de julgamento denotam uma enorme barreira de acesso a medicamentos, que se diga de passagem, não é o maior problema da judicialização.
A judicialização é consequência de um mau processo de avaliação de incorporação de remédios no Brasil. Apenas 46% das moléculas globalmente aprovadas entre 2014 e 2021 foram também aprovadas no Brasil. Destas, apenas 63 das 104 registradas no Brasil têm algum tipo de cobertura, e somente seis têm disponibilidade tanto no sistema assistencial público como no privado. O Brasil está mal assistido, mesmo com a Conitec existindo.
O voto conjunto dá grande peso à Conitec. Você considera que a Conitec tem a estrutura necessária para atender à demanda de novos medicamentos com a rapidez necessária?
Ele alça a “recomendação técnica” da Conitec ao caráter de decisão, e ainda, decisão transitada em julgado. Como não há contraditório na Conitec, nem instância revisional, o único recurso disponível era recorrer ao Poder Judiciário.
A judicialização existe hoje por uma falta de processos adequados de acesso. Se o objetivo do STF é reduzir a judicialização, o foco precisa estar no aprimoramento e abertura de vias formais de acesso, através do aumento do financiamento e o aprimoramento da governança e técnica da Conitec.
As Secretarias do Ministério da Saúde também precisam garantir a implementação das decisões da Conitec.  Nem isso acontece. Por exemplo, depois de uma decisão positiva da Conitec, os pacientes precisam aguardar anos para receber seu tratamento. Neste ponto, a decisão ajuda.
Embora seja um processo essencial, ele tem falhas que impactam a qualidade da recomendação técnica e, por consequência, a correspondente decisão do secretário pela incorporação tecnológica.
Em parecer da ministra Ellen Gracie, fica claro um absoluto conflito de interesse de diversos membros da Conitec: “Dada a composição da Conitec, majoritariamente formada por agentes representando os governos federal, estadual e municipal, é intuitivo que o órgão tenda a privilegiar aspectos econômicos e impactos orçamentários na análise dos requerimentos de incorporação”.
Não há um grupo fixo e identificado para construção da recomendação, o que mostra que não há agente público tomador de decisão, mas coleta de múltiplas perspectivas para inserir em uma recomendação que deveria ser revisada e confrontada.
Pelas análises que são feitas das recomendações, nota-se que não levam em consideração aquilo que foi apresentado pelos pacientes nas consultas públicas e outras oportunidades.
Não é possível confiar no processo de recomendação da Conitec. Primeiro, pelas fragilidades na escolha de critérios de Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS). Um destes critérios é o limiar de custo-efetividade, introduzido apenas em 2022, ainda sem padronização e regulamentação do seu uso, gerando aplicação casuística, conforme desejo dos membros do órgão.
As recomendações não usam apenas os critérios de ATS, o que garantiria uma recomendação técnica, mas inclui outros elementos políticos, de orçamento, sociais, com caráter subjetivo, que não estão na lei, não são conhecidos, não são previamente informados como motivo para tomada de decisão.
A exigência de laudos baseados em ensaios clínicos rigorosos pode impedir que medicamentos inovadores, ainda em fase de testes, cheguem aos pacientes de forma mais rápida?
Todos os medicamentos são registrados, provados por meio de estudos clínicos extremamente robustos. Não há remédio registrado em fase de teste. Se foram aprovados pela Anvisa, têm prova de segurança, eficácia e qualidade. Ninguém duvida disso no Brasil. A Anvisa tem regras claras e robustas para se provar os requisitos de registrabilidade de um medicamento, alinhados com todas as grandes autoridades do mundo. Já a Conitec não tem. E este é um ponto que parece não ter sido considerado no voto. Cometem falhas graves e de alto impacto para a sociedade, e por isso a judicialização do tema. A judicialização é consequência, não causa. Por isso a crítica ao voto, ele parte do pressuposto que a Conitec seja eficiente.
Como seria a judicialização a que você se refere?
A judicialização poderá acontecer contra a decisão da Conitec e do Ministério da Saúde com efeitos em larga escala e de alta degradação, já que temos certeza das tecnologias que estão à disposição da sociedade. Os juízes terão conteúdo para a tomada de decisão, provas robustas de que o medicamento é eficiente de dezenas de sistemas de saúde, que a decisão de não incorporação foi tomada não por critérios técnico- científicos, às vezes por meros cálculos errados de número de pacientes, de valores do PIB do Brasil desatualizados.
A consequência de uma insegurança da avaliação de incorporação pode desestimular o pedido e, com isso, aumentar a judicialização. Tenho certeza que esta pode ser uma consequência não intencional, mas pode acontecer.
⁠Como você avalia o risco de que a centralização na Conitec leve a decisões influenciadas por fatores políticos e econômicos, em vez de critérios puramente técnicos?
A falta de regramento claro, robusto e legítimos de decisão da Conitec pode favorecer este processo. São muitas as falhas de decisão. Aprimorar este processo deveria ter precedido este debate.
⁠Pelo seu raciocínio, a decisão poderia deixar pacientes desassistidos? 
Sem dúvida, a judicialização é consequência, não causa, portanto se temos ações garantindo tratamentos, e o próprio STF vê isso todos os dias, é porque o árduo processo judicial está sendo a única solução para se garantir tratamentos.

Renato Porto

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JOTA

Para Renato Porto, eventual decisão pode impor uma barreira ao acesso de pacientes a tratamentos essenciais

Votos ampliam risco de judicialização, diz presidente da Interfarma

Para Renato Porto, eventual decisão pode impor uma barreira ao acesso de pacientes a tratamentos essenciais