Marcella Fernandes

Aposta do governo federal, a vacina contra Covid-19 desenvolvida pela Farmacore e pela PDS Biotechnology em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) pode enfrentar dificuldades nos testes com idosos. Os pesquisadores aguardam liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os testes clínicos.
O cronograma prevê que as fases 1 e 2 - com 360 voluntários - comecem até o início de junho e levem até 4 meses. Se os resultados forem positivos, será iniciada a fase 3, com pelo menos 20 mil voluntários e previsão de durar um semestre. A expectativa é que o uso emergencial possa ser solicitado no início de 2022, se a vacina se provar eficaz e segura.
<a href="https://conteudo.jota.info/saude" rel="attachment wp-att-291836"><img class="size-medium wp-image-291836 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude-cta.jpeg" alt="" width="300" height="300" /></a>Os testes serão feitos com duas faixas etárias: de 19 a 55 anos e de 55 a 75 anos. Como é necessário que os voluntários não tenham sido infectados pelo novo coronavírus nem vacinados, o avanço da campanha de imunização pode ser um entrave para testar idosos. "Talvez a gente comece pelas pessoas de 55 anos enquanto ainda não chegou a fase de vacinação. Aqui na região estão vacinando na faixa dos 70 anos. Vacinar o grupo mais velho vai ser um desafio", afirmou a CEO da Farmacore, Helena Faccioli, em entrevista ao JOTA.
O projeto é um dos 16 apoiados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e recebeu R$ 3,8 milhões da pasta até o momento. A expectativa é de que o governo federal também financie as próximas fases. O orçamento estimado é de R$ 30 milhões para fase 1 e 2 e R$ 300 milhões para fase 3.
Considerada uma vacina de segunda geração, a Versamune-CoV-2FC usa uma proteína recombinante desenvolvida a partir do SARS-CoV-2 pela brasileira Farmacore com uma plataforma de ativação imune da americana PDS Biotechnology . Os resultados de testes pré-clínicos indicaram produção de anticorpos neutralizantes, bem como células-T “killer” e células-T de memória contra o novo coronavírus. As variantes P1 e P2 serão testadas em soro de animais ainda.
Além das duas farmacêuticas e da USP, outras instituições estão envolvidas no desenvolvimento do imunizante. O Centro de Inovação em Estudos Pré-Clínicos (CIEnP) é responsável pela execução dos estudos de toxicidade. A Medigen e a Expression Systems  foram  contratadas para o desenvolvimento inicial dos lotes pré-clínicos e clínicos de fases 1 e 2. O Hospital do Coração (HCOR) fará a condução dos estudos clínicos de fases 1 e 2 e de fase 3. Já a Synova Health é responsável pela parte regulatória do projeto, incluindo a redação dos dossiês para a Anvisa até o planejamento e monitoramento do ensaio clínico.
A Anvisa informou em 26 de março que recebeu o pedido para estudo fase 1 e 2 da Versamune-CoV-2FC. No mesmo dia, a agência confirmou também o recebimento de pedido semelhante para testes clínicos da Butanvac, vacina contra Covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o Instituto Mount Sinai, de Nova York.
Na época, o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) negou que o anúncio tivesse relação com a iniciativa do governo de João Doria (PSDB), em São Paulo. Ao anunciar o novo imunizante, o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, e o governador disseram que, caso consigam cumprir as etapas regulatórias, a vacina poderia ser usada a partir do segundo semestre deste ano. O cronograma, contudo, não tem qualquer alinhamento com as etapas regulatórias sob responsabilidade da Anvisa.
Leia a íntegra da entrevista com Helena Faccioli:
Qual o papel das instituições envolvidas no desenvolvimento da vacina? 
Helena Faccioli: A parceira da Farmacore e da PDS Biotechnology existia para uma vacina de tuberculose. Também já tínhamos parceria com a Faculdade de Medicina da USP em outros projetos de vacinas. Chegamos à conclusão de que a gente tinha tecnologia suficiente dentro da plataforma tecnológica da Farmacore para poder selecionar um antígeno que seria um bom projeto de vacina e associamos ao carreador Versamune.
Os direitos de propriedade intelectual são das duas empresas então?
São das duas. O antígeno é da Farmacore e o Versamune é da PDS.
O carregador atua de forma a levar o antígeno até as células? 
Ele carrega e sozinho tem capacidade de ativar algumas vias do sistema imunológico que são importantes para combater infecções virais, principalmente as células T, que combatem a infecção numa resposta específica contra vírus.
Qual foi o papel da USP na pesquisa?
O laboratório do professor Célio Lopes coordenou a parte pré-clínica desenvolvendo os modelos experimentais. Ele é especialista em imunologia e conduziu os estudos pré-clínicos.
Quando começaram os testes pré-clínicos?
Os testes pré-clínicos começaram em maio/junho. A ideia da vacina surgiu em abril. Fizemos as provas de conceito, que são os primeiros testes para saber se a formulação funciona, se é adequada e depois começamos os testes pré-clínicos uns dois meses depois. 
Qual foi o papel do Ministério da Ciência e Tecnologia? Qual valor foi disponibilizado e gasto até o momento e qual a perspectiva de financiamento para os testes clínicos?
No meio do ano, o ministério lançou uma chamada de encomenda tecnológica para financiar estratégias de vacina. Ele financiou 16 projetos de pesquisa destinados ao desenvolvimento de vacinas e a nossa é a que chegou em estágio mais avançado. No final de outubro ou em novembro o ministério anunciou três vacinas que já estavam mais avançadas e indicou que iria financiar o estudo clínico de fase 1 para três vacinas e de fase 3 para uma vacina. A gente tem parceria com o ministério desde o começo do projeto. 
Em um comunicado de 11 de março, a PDS afirmou que o MCTI prometeu um aporte de US$ 60 milhões (cerca de R$ 345 milhões) para o consórcio com a Farmacore desenvolver e comercializar a vacina. Quanto desse valor já foi disponibilizado?
No nosso projeto foram R$ 3,8 milhões. O ministério fez vários investimentos em várias tecnologias de Covid, não só vacinas. 
Teve alguma outra fonte de financiamento da pesquisa até agora? 
Só das próprias empresas, cada uma nas suas tecnologias. 
Quanto irão custar os testes clínicos? O financiamento também será pelo ministério?
Também vai ser pelo ministério. Temos um orçamento estimado de R$ 30 milhões para fase 1 e 2 e R$ 300 milhões para fase 3, que são entre 20 a 30 mil voluntários.
Qual o cronograma para esses testes e quantos voluntários irão participar de cada etapa?
No cronograma enviado para a Anvisa, temos a previsão de iniciar neste semestre, no final de maio ou começo de junho. Depende de outros fatores além da aprovação da Anvisa. Tem toda uma organização do ensaio clínico. Na primeira fase são 360 voluntários saudáveis em que vamos estudar a imunogenicidade e a segurança, se não vai ter nenhum efeito colateral indesejado. Esse teste deve durar de três a quatro meses. Com resultados positivos, a gente pode caminhar para a fase 3, onde você vai testar se a vacina é eficaz, se vai realmente proteger contra a infecção do vírus. Tem de ser um estudo multicêntrico, com vários centros no país e um número muito maior de voluntários. Esse número exato a gente precisa estudar com a Anvisa, mas deve ser pelo menos 20 mil voluntários, aí são mais 6 meses de teste.
Seria possível então ter resultados no início do ano que vem para pedir o registro ou o uso emergencial?
Isso, no início do ano que vem para pedir um uso emergencial.
Em relação aos voluntários saudáveis ou não vacinados, uma redução da transmissão do vírus junto com avanço da vacinação, pode atrasar a fase 3?
Tem que ser saudável, não pode ter tido contato com o vírus, tem que fazer todos exames, tanto de anticorpos como o PCR para ter certeza que não tiveram covid. Essa pode, com certeza, ser uma dificuldade. Mas os 360 acho que a gente consegue achar, principalmente porque vamos começar na faixa dos 18 anos até os 55 anos. O outro grupo é de 55 a 75 anos. Talvez a gente comece pelas pessoas de 55 anos enquanto ainda não chegou a fase de vacinação. Aqui na região estão vacinando na faixa dos 70 anos. Vacinar o grupo mais velho vai ser um desafio. O grupo mais novo eu acredito que a gente vai ter sim voluntários. Depois, essa pode ser uma tratativa com a Anvisa de aumentar o número dos mais novos, diminuir o número dos mais velhos, tirar certa faixa-etária da indicação [de uso da vacina]. Tudo isso tem que ser alinhado com a anvisa um pouco antes de começar. Tem que ver como vai seguir esse cenário.
Há previsão de testes em grupos como grávidas e adolescentes?
Por enquanto, não. A gente tem que seguir com a fase 3 na mesma faixa etária, voluntários saudáveis. Na fase 3 entram algumas comorbidades. O leque é um pouco mais aberto para o recrutamento de voluntários, mas ainda sem gestantes, adolescentes e crianças. Isso tem de ser feito depois da fase 3, como uma continuação da fase 3. Primeiro você tem de testar a eficácia nos grupos tradicionais e depois expandir esse estudo. 
Foi decidido quais cidades participarão dos testes?
Ainda não. Isso vai ser determinado na hora que a gente fechar o protocolo [da fase 3] e fechar o número de voluntários. A gente vai ter que distribuir. Vamos manter o principal centro em São Paulo, que vai ser o centro coordenador, e ele vai indicar os centros parceiros. Temos o protocolo de fase 1 fechado. Durante a execução da fase 1, a gente organiza a fase 3, mas é cedo para a gente trabalhar com todos esses detalhes do 3.
As fases 1 e 2 serão em São Paulo?
Sim.
Os testes pré-clínicos incluíram as variantes?
Temos um teste que vai acontecer nas próximas semanas em que vamos testar a vacina em soro de animais com essas variantes. É um teste informal, não é oficial. Mas apesar de a proteína usada ser do SARS-CoV-2  original, pela resposta de célula T que a vacina tem, ela tem a capacidade de combater a infecção. Então o vírus pode até passar a primeira barreira do anticorpo neutralizante, mas ele vai ser atacado através do sistema imunológico e não vai conseguir desenvolver a doença. 
Quais as variantes pesquisadas? 
P1 e P2 [encontradas em Manaus e no Rio de Janeiro, respectivamente].
Como a forma de atuação de uma vacina de segunda geração é diferente das duas vacinas contra Covid-19 usadas pelo Brasil hoje?
Ela vai ativar vias importantes de combate a infecções virais. Quando você trabalha com uma vacina que é simplesmente de vírus inativado ou adenovírus, ela tem uma resposta muito generalizada. Como tem vários componentes do vírus, provoca uma reação no corpo para combater tudo, os diferentes efeitos do vírus no seu corpo. A nossa vacina vai combater especificamente essa infecção viral. 
A perspectiva é de que será necessário reforçar a vacina todo ano?
Acho que é consenso das indústrias que vai ter de entrar no calendário de vacinação igual à vacina da gripe porque a capacidade de mutação desse vírus é muito grande. O que ele já gerou de variantes é incrível, então vão ter de ter novas construções todo ano. Inclusive a nossa plataforma é de fácil adaptação para uma nova proteína de uma nova variante. A gente tem que repetir alguns testes básicos de prova de conceito e outras indústrias também estão trabalhando com essa novas versões das vacinas. Acho que vai ter que ser uma todo ano. 
Os resultados pré-clínicos foram publicados em alguma revista científica ou há previsão de publicar?
Vai ser publicado, mas por enquanto todos os dados estão sob sigilo.
Em novembro, vocês apresentaram à Anvisa dados pré-clínicos com resultados promissores. Por que o pedido de testes clínicos foi feito só em março?
Em novembro fizemos uma reunião de orientação. Apresentamos dados preliminares para saber como a agência, vendo nosso dossiê, entende que seria necessário para complementar. Trabalhamos em cima dos comentários deles até fevereiro e em 15 de fevereiro submetemos esse mesmo pacote de forma informal, não pelo peticionamento eletrônico da Anvisa. Fizemos uma submissão por e-mail conforme está nas orientações da Anvisa para ter esse tipo de tratativa técnica. Em 15 de março convocaram uma reunião para nos passar uma orientação do que precisaria ser adequado para pedir o ensaio clínico. São alguns relatórios dos testes que já estavam em andamento, principalmente os de toxicidade, que são um pouco mais longos. Juntamos toda documentação de comprovação que os testes estão em andamento e enviamos formalmente pelo sistema de peticionamento eletrônico no dia 24. 
Após o pedido, a Anvisa enviou requerimentos pedindo informações dos dados pré-clínicos. Esses dados foram enviados? Há expectativa de quando a Anvisa deve decidir sobre a autorização dos testes?
Os questionamentos são esses que a gente tinha colocado na proposta e no cronograma. A gente precisa entregar esses relatórios [dos testes em andamento] para eles poderem liberar os testes clínicos. Já estava previsto. Eles sabiam que estava no nosso cronograma e isso é uma pendência, então a agência está corretíssima de devolver essa pendência para a empresa. Agora a gente precisa entregar esses documentos e depois eles têm um prazo de análise final para poder deliberar sobre o ensaio clínico.
Quais documentos estão faltando?
É só um relatório final de um teste que pode ser feito em paralelo com o teste clínico. Eles só querem saber o andamento. 
Serão necessárias duas doses? Qual será o intervalo? 
São duas doses com intervalo de 21 dias. 
Quem irá produzir a vacina?
Estamos em negociação com uma indústria farmacêutica nacional para passar todo esse processo de produção em escala para eles. 
Há previsão de quanto eles conseguiriam produzir por mês?
Ainda não porque precisam ser feitos testes de escalonamento. O que a Farmacore fez até agora é em escala de lote piloto, que é com uma quantidade muito pequena de proteína que é usada nessa etapa. Já começamos o trabalho de escalonamento, uma escala ainda piloto, mas um pouco maior, para depois transferir para escala industrial. Esse trabalho vai ser feito em paralelo com o ensaio clínico de fase 1. 
O comunicado da PSD Biotechnology divulgado em 11 de março afirma que a Blanver Farmoquímica irá produzir, distribuir e comercializar a vacina...
Não temos nenhum contrato assinado com a Blanver, só um contato de sigilo para explorar as possibilidades.

Vacina desenvolvida pela Farmacore e pela PDS Biotechnology  em parceria com a USP (Foto: Divulgação)

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JOTA

Imunizante é aposta do governo de Jair Bolsonaro e recebeu aportes do Ministério de Ciência e Tecnologia

Vacina da Farmacore em parceria com a USP pode ter dificuldade em testes com idosos

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