

Já há maioria entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para manter a decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso que suspendeu os efeitos da lei que instituiu o piso salarial da enfermagem, de técnicos e de auxiliares. Até o momento, o placar está em 7 a 3. Acompanham o relator, Barroso, os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Divergiram: André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin. O julgamento ocorre no plenário virtual até as 23h59 desta sexta-feira (16/9).
Com a manutenção da liminar do ministro Barroso, os hospitais, o Congresso e o Executivo ganham tempo para postergar os pagamentos aos enfermeiros e para ampliar as negociações na esfera política, principalmente, no que diz respeito aos mecanismos de compensação, como a correção da tabela do SUS, a desoneração da folha de pagamentos do setor, e a compensação da dívida dos estados com a União.
Pela lei do piso salarial da enfermagem aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), enfermeiros passariam a receber salário de no mínimo R$ 4.750,00. Técnicos em enfermagem receberiam no mínimo 70% desse valor e auxiliares de enfermagem receberia pelo menos 50% desse piso. A medida era uma das pensadas pelo governo e apoiadores visando também benefícios eleitorais.
Na liminar, o ministro estabeleceu prazo de 60 dias para que entes públicos e privados da área da saúde esclareçam pontos como os impactos financeiros da lei, riscos de demissão nos hospitais e possível redução na qualidade dos serviços – com o fechamento de leitos, por exemplo.
Porém, a manutenção da liminar não significa que a questão será resolvida em 60 dias pelo Supremo. Apesar de os parlamentares estarem comprometidos com a criação do piso da enfermagem afirmarem ser possível encontrar alternativas num curto espaço de tempo, há um consenso nos bastidores do Supremo e do Congresso de que a tarefa dificilmente será finalizada no próximo mês.
O voto de Gilmar Mendes sobre a suspensão do piso nacional da enfermagem
O voto do ministro Gilmar Mendes foi o responsável por formar a maioria e referendar a suspensão do piso da enfermagem. Para ele, ” parece insubsistente a alegação de inconstitucionalidade formal da Lei 14.434/2022, por vício de iniciativa do Presidente da República, para deflagrar processo legislativo destinado ao estabelecimento de piso salarial profissional nacional”.
Além disso, ” definição, em lei federal, de piso da enfermagem “extensível a servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como às entidades privadas com ou sem fins lucrativos, com relevantes reflexos nas folhas de pagamento dos entes subnacionais e nos contratos e convênios firmados entre o poder público local e a iniciativa privada para a prestação do serviço público de saúde, sem a necessária indicação de fonte de custeio (para o setor público), acena para violação à autonomia político-administrativa e financeira dos entes federados”
O ministro afirma também que quanto ao setor privado “parece imprescindível que um piso nacional, como o que se ensaia, leve em consideração as diferenças sociais e econômicas que existem entre as regiões do Brasil: o mesmo piso, que pode ser insuficiente em um Estado como São Paulo, pode afigurar-se impraticável com a realidade de mercado de Estados menos abastados; outrossim, externalidades negativas como o provável aumento das demissões no setor bem ilustram que a violação à segurança jurídica sofrida pela parte empregadora também pode ser experimentada pelos profissionais de enfermagem”.
Leia a íntegra do voto de Gilmar Mendes sobre a suspensão do piso nacional da enfermagem. O ministro Luiz Fux, logo depois, acompanhou a maioria.
As divergências
O ministro André Mendonça foi o primeiro a votar contrário à cautelar proferida por Barroso. Mendonça sustentou que não há elementos jurídicos para a liminar e destacou a importância do Supremo não invadir as competências de outros poderes. O ministro também demonstrou preocupação com a “conveniência política” da suspensão da eficácia da lei do piso da enfermagem.
O ministro Nunes Marques também votou por não referendar a liminar do relator Barroso. Segundo o ministro, a discussão sobre a controvérsia também foi feita, visto que a proposta inicial previa piso de R$ 7.315 e, após amplo debate, o valor foi reduzido para R$ 4.750. Nunes Marques considerou que, como a lei do piso da enfermagem ainda não provocou efeitos, não é possível saber se os impactos supostos pela autora da ação existirão, de fato. Veja mais detalhes sobre os votos de André Mendonça e Nunes Marques.
A divergência de Fachin também foi no sentido de que deve prevalecer a escolha legislativa pelo piso. “Nada justifica, teórica ou empiricamente, que esta Corte Suprema tenha melhores condições de definir o que os próprios representantes do povo, com a reivindicação da sociedade civil organizada em diversas etapas do processo legislativo, deliberaram”, escreveu.
Fachin ainda ponderou: “A presente ação é paradigmática, porque pode acabar por fechar a única via que restou aos trabalhadores brasileiros para fazer valer suas demandas. Se nem quando uma maioria constitucional tem, aos olhos desta Suprema Corte, legitimidade para assegurar direitos fundamentais sociais, especialmente os trabalhistas, é sinal de que uma minoria foi por ele privilegiada.
A ação contra o piso da enfermagem
A ação foi proposta pela Confederação Nacional da Saúde (CNS) contra a Lei 14.434/2022, que instituiu um piso salarial para os enfermeiros, técnicos e auxiliares, categorias muito demandadas durante a pandemia da Covid-19.
A CNS entende haver vício formal de inconstitucionalidade, já que competência para propor iniciativa de lei que aumenta remuneração de servidores públicos é privativa do Chefe do Poder Executivo. Para a CNS, mesmo a aprovação da EC 124/2022 não tem o condão de tornar constitucional projeto legislativo.
A confederação também argumenta que a lei impugnada viola o princípio federativo, pois desrespeita a autonomia e a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais, ao gerar pressão sobre sua folha de pagamentos. Também afirma que impacta o equilíbrio econômico financeiro dos contratos e convênios celebrados entre a União, os municípios e os estados e particulares, para a execução do serviço de saúde pública. A CNS também sustenta ausência de estimativa efetiva do impacto financeiro da medida, sobretudo na viabilidade da implementação dos referidos pisos salariais pelos estados e municípios brasileiros. Segundo a CNS, o impacto de R$ 16 bilhões apresentado no projeto de lei não condiz com a realidade.
A Confederação ainda diz que a lei do piso nacional da enfermagem pode gerar aumento do desemprego entre os enfermeiros, técnicos e auxiliares; a falência de unidades filantrópicas de saúde; a redução da oferta desses serviços por particulares e na rede de cobertura conveniada ao SUS e sobrecarga do sistema público.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que as despesas de execução com os programas governamentais chegam a ser até 200% maiores que o repasse recebido do governo, acarretando um desequilíbrio nas contas das prefeituras. Com isso, os desdobramentos do impacto do piso da enfermagem podem gerar o desligamento de mais de 32,5 mil profissionais da enfermagem e, consequentemente, desassistir quase 35 milhões de brasileiros, dos quais cerca de 203 mil pessoas se encontram em condições de vulnerabilidade social, sendo 173 mil ribeirinhos, 23 mil em situação prisional e 7 mil estão nas ruas.