Troca de comando

“Entramos juntos e sairemos juntos”, diz Mandetta sobre permanência no ministério

Em tom de despedida, secretários também disseram que deixariam cargos, mas ajudarão na transição

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Foto: Marcello Casal Jr Agência Brasil/ Fotos Públicas

Não há registro, na história de Brasília, de um processo de demissão tão televisionado quanto o de Luiz Henrique Mandetta. Tampouco há registro de um ministro, autoproclamado demissionário, usar a estrutura do Palácio do Planalto para confrontar o presidente da República e expor não apenas os debates internos do governo, mas toda a pressão política que sua equipe vem recebendo, enquanto do lado de fora uma pandemia atinge, oficialmente, 28.320 brasileiros — tendo matado, até agora, 1.736.

Nesta quarta-feira (15/4), Mandetta quebrou todos os protocolos. Começou pelo aviso distribuído a jornalistas sobre a coletiva de imprensa, que trazia o alerta de que não haveria espaço para perguntas. Ao lado do secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, e do secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, Mandetta partiu para o ápice da crise sanitária até o momento e pediu aos repórteres presentes que fizessem seus questionamentos.

“Estamos aqui eu, Wanderson e Gabbardo. Entramos no ministério juntos e sairemos do ministério juntos. Hoje, teve muito ruído por conta do Wanderson, por conta de toda essa ambiência, o Wanderson já mandou para o setor dele falando que iria sair. Chegou pra mim, já falei que não aceito. Wanderson continua. Acabou esse assunto. Vamos trabalhar juntos até o momento de sairmos juntos do Ministério da Saúde. Por isso fiz questão de vir até aqui nessa coletiva de hoje”, declarou.

Após semanas de especulações sobre a troca de comando no Ministério da Saúde, em conversas com a equipe na noite de ontem, Mandetta disse que estava prestes a ser demitido. Durante a coletiva, o ministro não confirmou sua saída, mas disse que conversou com alguns ministros palacianos e se colocou à disposição para ajudar na escolha de um possível substituto.

“Ontem eu estive no Conselho de Governo. A gente entende quando as coisas são colocadas, por isso não fiz contraponto. Falei com o ministro Braga Netto, com o [Augusto] Heleno, alguns nomes que estão sendo colocados, eu disse que podem me ligar para consultar”, disse Mandetta.

Despedida

Mandetta repetiu o discurso das três hipóteses que podem afastá-lo do ministério, entre elas a demissão. “Uma quando o presidente não quiser mais o meu trabalho. O segundo é, imagine, que eu pegue uma gripe dessa e tenha que ser afastado. E a terceira quando eu sentir que o trabalho feito já não é mais necessário porque de alguma maneira passamos por esse estresse.” 

“Todas essas alternativas continuam e são válidas. Claramente há um descompasso entre o Ministério da Saúde, e isso daí a gente colocou, e deixa muito claro que a gente vai trabalhar até 100% do limite das nossas possibilidades”, completou.

A coletiva, que acontece diariamente desde janeiro e atualiza os dados sobre o avanço do coronavírus no Brasil, teve um inegável tom de despedida de toda a equipe. Nome cotado para permanecer no lugar de Mandetta, Gabbardo, negou a intenção de ocupar a vaga de form definitiva.

“Tenho compromisso com o ministro Mandetta. No dia que ele sair, saio junto com ele”. No entanto, ele se colocou à disposição para atuar durante o período de transição. “Entrei no Ministério da Saúde muito jovem. Ano que vem completa 40 anos, então eu não vou jogar no lixo esse meu patrimônio. Se o presidente indicar uma nova equipe, não vou abandonar o barco, vou ficar todo tempo necessário para fazer a transição com tranquilidade. Não podemos por qualquer razão interromper isso, porque qualquer interrupção será muito significativa”, ponderou.

Na mesma linha, Wanderson indicou que irá permanecer no cargo até segunda ordem. “Os cargos eletivos são passageiros e dessa maneira estamos trabalhando para que quem quer que venha, dê continuidade ao trabalho da melhor maneira possível”. Wanderson chegou a entregar uma carta de demissão no setor onde trabalha, na manhã desta quarta, mas o ministro não aceitou.

“Sabe como escolhi minha equipe? Foi pelo currículo do que fez, depois foi olhando no olho. Hoje não é uma equipe, é uma família”, disse Mandetta, arrematando as declarações de fidelidade dos auxiliares.

Atritos com Bolsonaro

Apesar do clima de despedida, Mandetta voltou a amenizar os atritos entre ele e o presidente Jair Bolsonaro. O ainda chefe da pasta da Saúde disse que as divergências entre os dois eram questão de opinião e que um não estava contra o outro. Ele acrescentou ainda que nunca pretendeu ter o patrimônio da verdade na disputa que trava com Bolsonaro e que sempre buscou pautar-se pela ciência.

“Tenho outros secretários que acreditam que o caminho é outro e acreditam fielmente. Ninguém é dono da verdade. Nós temos um conjunto de informações que nos levam a ter uma conduta de cautela. Parece que eu sou contra o presidente, mas não, são visões diferentes. Até aqui nós fizemos um trabalho muito elogiado. Quem entrar hoje no Ministério da Saúde tem condições total de trabalhar. Não somos insubstituíveis, são visões diferentes”, afirmou o ministro.

Cloroquina

Perguntado sobre o uso da substância hidroxicloroquina como tratamento para a Covid-19  —defendido ferrenhamente por Jair Bolsonaro — o ministro foi categórico e manteve sua posição crí­tica contra o uso ampliado do medicamento.

“‘Eu vi’, ‘fiquei sabendo que’, ’em tal lugar foi assim’, isso para a ciência é muito frágil. Achismo é a pior evidência”, declarou Mandetta, descartando um protocolo do ministério nesse sentido.

O ministro explicou, mais uma vez , que o uso deve ter acompanhamento médico para evitar riscos ao paciente. O protocolo atual do Ministério da Saúde é o tratamento, por cinco dias, de pacientes graves e hospitalizados com a Covid-19.

“Dar esse remédio para o cara com coronaví­rus é para ficar com um monitor. Se ele começar a ter arritmia, suspende. Para dar para a pessoa que está na casa dela, é proibido? Não é proibido, mas o médico assistente deve dizer: ‘Olha, eu vou prescrever esse medicamento. Você vai correr o risco comigo'”. Isso o Conselho [Federal de Medicina] deixou para a relação com o paciente”, disse.