
O plano de vacinação contra o coronavírus proposto pelo Ministério da Saúde é avaliado por pesquisadores científicos integrantes da iniciativa Observatório Covid-19 BR como um “esboço rudimentar, com tantas fragilidades e lacunas que dificilmente poderá ser seguido”.
Na visão dos especialistas, as medidas sugeridas pela pasta são insuficientes, fazendo com que o Brasil não tenha até hoje um plano nacional factível para imunizar a população contra a Covid-19, apesar de toda a expertise adquirida pelo país nos cerca de 60 anos do Programa Nacional de Imunização (PNI).
Em nota pública divulgada nesta quarta-feira (9/12), o grupo aponta a urgência de uma ação coordenada e transparente, com livre acesso aos dados para a sociedade acadêmica e civil. Neste momento, avaliam os pesquisadores, o propósito deveria ser a preservação de vidas e de qualidade de vida. O plano de vacinação do governo federal, contudo, não demonstra esse compromisso.
Os integrantes do grupo sinalizam ao menos quatro conjuntos de falhas no chamado “Plano Brasil“, anunciado no início de dezembro pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Primeiro, indicam o fato de a proposta informar de maneira pouco clara quais são os grupos populacionais que seriam priorizados na vacinação, um dos critérios indispensáveis para se estabelecer uma estratégia efetiva.
“A definição dos grupos priorizados pelo MS, levando em conta critérios apontados nas diretrizes da OMS, excluiu algumas populações vulneráveis, como por exemplo a população em situação de rua, população privada de liberdade, populações ribeirinhas e quilombolas. O plano não justifica essas exclusões”, escrevem os autores da nota.
Há, também, a preocupação de o documento apresentado não levar em conta a diversidade de opções de vacina ao considerar apenas a desenvolvida pela Oxford/AstraZeneca. Isso demonstra, segundo o grupo, uma falta de planejamento nacional em articulação com estados e municípios.
Em São Paulo, por exemplo, o Instituto Butantan, por meio da imunização Coronavac, prevê cerca de 46 milhões de doses disponíveis no Brasil até fevereiro de 2021.
“Um plano nacional de imunização precisa ser amplamente discutido com a sociedade brasileira e pactuado com os gestores nos 3 níveis de governo (federal, estadual e municipal). A omissão de um nível pode levar, como já se tem observado, a que diversas ações isoladas passem a ser executadas, o que acarretaria um processo descoordenado e potencialmente arriscado e ineficiente”, aponta a nota.
Além da produção da vacina para duas doses por indivíduo, a operacionalização do programa de imunização demanda outras questões logísticas fundamentais, como a aquisição de insumos diretamente ligados à aplicação da vacina (seringas e agulhas, por exemplo), o transporte e a conservação da vacina.
Para que isso aconteça, dizem, é fundamental fortalecer a capacidade de estados e municípios a fim de que estejam devidamente preparados no momento de receber o quantitativo de doses de vacinas e de insumos previstos.
“Estas e muitas outras questões relativas à aquisição dos insumos para aplicação, transporte e conservação das duas doses da vacinas, assim como as relativas à logística para distribuição e aplicação das vacinas, não foram contempladas no plano de vacinação apresentado pelo Ministério da Saúde”, criticam os autores.
Por fim, os pesquisadores questionam a falta de transparência e comunicação com a sociedade em relação às decisões tomadas no programa de imunização.
Segundo eles, não existem documentos que embasem os estudos utilizados para desenvolvimento do plano, a disponibilidade de diferentes vacinas, a escolha dos grupos populacionais, o número de doses disponíveis, como se dará a distribuição no país e a aplicação pelos serviços de saúde do sistema público.
“Tampouco foi apresentado um plano de capacitação e orientação teórica e técnica para as equipes de saúde estaduais e municipais, que seja específico para esta campanha, incluindo a vigilância de possíveis eventos adversos e seu devido registro no sistema de informação”, dizem.