Uma medida provisória preparada para liberar a venda de remédios de baixo risco em supermercados está em discussão no governo federal, mas encontra resistência de parte das autoridades envolvidas na análise. O JOTA apurou que a proposta foi articulada pelo Ministério da Economia junto à Secretaria de Governo da Presidência da República, ainda no primeiro semestre deste ano, e está parada no Ministério da Saúde desde então.
Com texto enxuto, a minuta de MP autoriza a comercialização de medicamentos isentos de prescrição, os chamados MIPs, em supermercados e em lojas de conveniência, e prevê um prazo de regulamentação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Inicialmente, a agência teria seis meses para adequação de normas com essa finalidade, mas houve sinalização de necessidade da extensão para 18 a 24 meses, o que fez com que o trecho fosse mantido em aberto.
Na avaliação dos propositores, a medida tem potencial para aliviar gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da ampliação da oferta desses remédios a preços ainda mais baixos pela iniciativa privada, dentro de uma política de promoção do autocuidado. Quem é contra argumenta, em direção completamente oposta, que o aumento dos pontos de acesso pela população representa riscos à saúde pública, seja pelo incentivo à automedicação ou pela dificuldade de fiscalização da dispensação diversificada.
Os medicamentos isentos de prescrição, conhecidos como MIPs, são listados pela Anvisa em instrução normativa e possuem baixo potencial de risco ao paciente, nos termos da RDC 98/2016. De acordo com a versão de 2021 do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico elaborado pela Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamento, em termos de faturamento, os MIPs representavam 9,65% do mercado em 2019, com valor superior a R$ 8,2 bilhões. Medicamentos prescritos tiveram faturamento de R$ 77,6 bilhões.
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A liberação da venda desses remédios em outros estabelecimentos do varejo, retirando a exclusividade das farmácias e drogarias, já foi debatida pelo Legislativo em várias oportunidades ao longo dos anos. No mês de outubro, o PL 1.774/2019, de autoria do deputado Glaustin Fokus (PSC-GO), foi objeto de audiência pública da pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados, após requerimento da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Uma fonte do governo avaliou reservadamente que esse movimento é uma preparação para a chegada da MP ao Congresso.
No debate, o Ministério da Saúde manifestou o entendimento de que o PL vai contra a Política Nacional de Assistência Farmacêutica no que diz respeito à promoção do uso racional de medicamentos por intermédio de ações que disciplinam a prescrição, a dispensação e o consumo. A Anvisa, por sua vez, apontou para a dificuldade de fiscalização sanitária e frisou o aumento do risco relacionado ao uso indiscriminado dos medicamentos.
A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) sustentou, na mesma ocasião, que já existe garantia de acesso aos MIPs no varejo farmacêutico, com mais de 80 mil estabelecimentos em todo o Brasil. Também há preocupação quanto ao fechamento de farmácias e à desestruturação dos cuidados com a saúde da população.
A retomada da pauta no momento atual é atribuída à Associação Brasileira de Supermercados (Abras) em conjunto com o deputado federal Ubiratan Sanderson (PSL-RS). Além da justificativa de facilitar a venda dos remédios, a experiência na comercialização de produtos diversificados envolvendo diferentes níveis de risco é usada como um dos argumentos centrais.
No mês de agosto, o parlamentar teve agenda para tratar sobre o tema com o Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti. Desde a instalação da CPI da Pandemia, no mês de abril, Angotti tem atuado de forma mais reservada dentro do ministério. Seguindo a estratégia de evitar holofotes políticos e com base na resistência do corpo técnico da pasta, a minuta da MP continua parada na SCTIE. O próximo passo será o encaminhamento à Casa Civil da Presidência da República.