Em parecer

Ministério da Saúde se posiciona contra PL do compartilhamento de risco

Parecer do DGITS diz que o Brasil não está preparado para a implementação desse modelo de acordo

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Prédio do Ministério da Saúde, em Brasília. Crédito: Divulgação

O Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde do Ministério da Saúde (DGITS) se posicionou de forma contrária ao PL 667/2021, que altera a Lei 8.080/1990 para regulamentar o acordo de compartilhamento de risco entre poder público e indústria farmacêutica. O documento conclui que, no cenário brasileiro, ainda não há condições suficientes para a implementação desse tipo de modelo de acesso.

Desde a constatação, em agosto de 2020, de que houve fracasso na tentativa de compartilhamento de risco com a Biogen, farmacêutica que comercializa o único tratamento para Atrofia Muscular Espinhal (AME) disponível no SUS, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) tem deixado o assunto em segundo plano. A Novartis, fabricante das duas terapias gênicas registradas no Brasil, também não teve avanços nas conversas com a atual gestão da secretaria.

O parecer técnico sobre o projeto de lei obtido pelo JOTA, datado de maio de 2021, é assinado pela diretora do DGITS, Vania Canuto, também responsável pela secretaria-executiva da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). O processo criado pela assessoria parlamentar da pasta encontra-se, no momento, em avaliação pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT).

O PL 667/2021 prevê acordo para viabilizar incorporação de novo medicamento no SUS e seria celebrado sempre que houvesse incertezas quanto ao custo do medicamento para o sistema e a efetividade do tratamento.

“Atualmente, no sistema de saúde público do Brasil, esses elementos que parecem ser primordiais em modelos internacionais ainda parecem pouco desenvolvidos ou inexistentes, entendendo-se que o fomento ao debate sobre o assunto que já vem acontecendo nos últimos deve ser incentivado, aprofundado e adequado à realidade brasileira. Ante o exposto, sugere-se que o posicionamento do Ministério da Saúde seja contrário à aprovação do PL, na forma como proposto no texto original”, diz a análise.

Entre as soluções propostas para tornar a possibilidade real, são mencionados: legislação flexível e adequada; infraestrutura para coleta de dados de mundo real dentro do país; integração de bases de dados; fortalecimento das estruturas de saúde atuais, principalmente para monitoramento de desempenho; e mitigação de dissonâncias entre os atores envolvidos no processo, incluindo Estado, indústria e pacientes.

Também avaliou-se que a proposta de alteração da Lei 8.080/1990 para a inclusão da modalidade é equivocada, uma vez que tornaria a área da saúde uma exceção em relação às demais.

“Não compete ao caput da Lei nº 8.080/1990 a confecção de contratos de compras no âmbito da Administração Pública Federal. Ao se prever o ACR [acordo de compartilhamento de risco] dentro da Lei nº 8.080/1990, estar-se-ia criando uma modalidade de contratação exclusiva da saúde, em detrimento das leis que normatizam a contratação pela administração pública federal, a exemplo das Leis nº 8.666/1993 e nº 10.520/2002”, afirma o DGITS.

O documento menciona, ainda, que o compartilhamento de risco é um procedimento novo no país, havendo dúvidas práticas e jurídicas sobre a sua possibilidade de execução.

Ao citar a Portaria nº 1297/GM/MS, de 11 de junho de 2019, publicada com o intuito de se fazer um projeto-piloto da modalidade, o departamento esclarece que se trata de um projeto de pesquisa, com aplicação restrita ao tratamento da AME e participação de centros selecionados pela SCTIE.

Além disso, a área técnica argumenta que a decisão de aquisição de medicamentos por meio de compartilhamento de risco deve ser do ministério.

“Ademais, a aquisição de medicamentos por meio de ACR envolve a análise de questões técnicas e de conveniência e oportunidade que competem, exclusivamente, à área técnica e aos gestores da Pasta, conforme manifestação da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde (Conjur/MS). Portanto, a eventual edição de norma geral deve contar com a atuação destes atores, além dos órgãos de controle”.

Experiências internacionais

Em relação às experiências internacionais, o DGITS argumenta, no parecer, que embora haja acordos bem-sucedidos em alguns países da União Europeia e do Reino Unido, ainda há poucos resultados concretos quanto à sua aplicação.

“Há quem questione, nesses países, se os esforços para a implementação de bases de dados, contratação e treinamento de pessoal e mobilização de recursos seriam de fato contrabalanceados por uma suposta economia advinda do uso racional e mais custo-efetivo de tecnologias em saúde. Adicionalmente, os ACR devem ser encarados como um instrumento de exceção no processo de avaliação de tecnologia em saúde e nunca uma regra”, diz o documento.

A área técnica também afirma, ao citar o exemplo da Inglaterra, que a possibilidade de manter a confidencialidade dos valores acordados é um dos aspectos que torna possível a execução da modalidade.